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Por Analice Gigliotti, psiquiatra
Comportamento
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Maconha, álcool, vapers, opioides: o aumento do uso de drogas por jovens

Discussão sobre conscientização do uso e prevenção à dependência se perde em meio a falta de dados e falsas polêmicas inúteis

Por Analice Gigliotti
Atualizado em 25 out 2022, 14h53 - Publicado em 25 out 2022, 07h31

Em uma campanha eleitoral atravessada pelo debate raso sobre pautas de costumes – aborto, uso de banheiro unissex e patrulhamento às religiões – volta e meia alguém se aventura a lançar a legalização das drogas na fogueira das discussões. Antes de mais nada, é preciso deixar claro que qualquer decisão sobre drogas – a favor ou contra – não é de responsabilidade exclusiva e unilateral de um presidente da República. Portanto, essa polêmica é falsa e estéril.

Ainda que se considere válido o argumento de que a legalização das drogas aumenta a arrecadação de impostos, a cortina de fumaça que se cria em torno ao assunto disvirtua o foco do que realmente importa: o alarmante crescimento de usuários de drogas não só no Brasil, mas também no mundo. De acordo com o Centers for Disease Control dos Estados Unidos, as mortes de adolescentes por overdose nunca foram tão altas nos Estados Unidos: mais de 100 mil americanos perderam a vida por uso excessivo de drogas, especialmente opioides. Dentre eles, o grupo que apresentou maior crescimento foi justamente o de adolescentes – um aumento de 20% de 2020 para 2021. Uma nova onda de consumo de fentanil, opioide altamente danoso contrabandeado para os Estados Unidos por carteis mexicanos, já preocupa as autoridades.

A situação não é diferente quanto ao uso regular de maconha. Cerca de 42% dos jovens entre 19 e 30 anos relataram terem utilizado a substância nos últimos 12 meses. O percentual é o maior registrado nos Estados Unidos desde 1988. A situação torna-se ainda mais crítica porque muitos estados americanos regularizaram a venda e o uso de maconha, facilitando o acesso e dificultando a correta prevenção da dependência.

Recentemente, o FDA, órgão regulador americano, definiu como epidemia de saúde pública o uso de cigarros eletrônicos por jovens. Um em casa cinco estudantes do Ensino Médio (19,6%) fizeram uso de nicotina vaporizada nos últimos 30 dias. Com o fim do distanciamento social imposto pela pandemia e a retomada das aulas presenciais e do convívio entre os alunos, este número tende a aumentar ainda mais. A preocupação entre as autoridades sanitárias é concreta porque a dependência em nicotina, disfarçada em sabores de aromas adocicados e agradáveis ao paladar, acontece de forma ainda mais veloz e intensa nos cigarros eletrônicos.

No Brasil não é diferente. Podemos constatar que o uso de cigarros eletrônicos tornou-se algo comum também aqui: uma verdadeira moda entre jovens das classes média e alta, embora o vaper seja proibido pela Anvisa. São impressões de profissionais em clínicas e consultórios, já que o Brasil não faz um monitoramento constante do uso de drogas por parte de adolescentes. Sequer sabemos o tamanho do número de usuários no país: o último levantamento nacional data de longínquos 10 anos.

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À época, dados do Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (Lenad) indicaram que cerca de 1,5 milhão de adolescentes e adultos usavam maconha diariamente no Brasil. Do total de usuários, 62% tiveram o primeiro contato com a maconha antes dos 18 anos e 17% afirmaram que conseguiram a substância dentro da escola.

De todas as drogas lícitas, talvez a que os jovens tenham contato mais precoce é o álcool, tendo em vista o seu alto grau de tolerância e aceitabilidade social. De acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (Pense) de 2019, mais da metade dos escolares de 13 a 17 anos (58,9%) respondeu que o pai, a mãe ou ambos consumiam esse tipo de produto, sendo os percentuais maiores no Sul (62,4%), no Centro-Oeste (61,9%) e no Sudeste (61,5%). Portanto, pais tem responsabilidade direta sobre o tipo de influência que exercem sobre os filhos. Tampouco drogas podem ser um assunto tabu, elas devem ser objeto de conversa franca em casa.

Enquanto que em países desenvolvidos há expressivo investimento em monitoramento anual do consumo de substâncias, sempre com a mesma metodologia, afim de orientar políticas públicas, o Brasil vive um apagão de informação. Devemos exigir mais e melhores dados das autoridades e órgãos responsáveis, com precisão e transparência, para que as estratégias de prevenção à dependência sejam eficientes, antes que a pandemia por uso de drogas – lícitas e ilícitas – torne-se ainda maior e incontrolável.

Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp; professora da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.

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