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Analice Gigliotti

Por Analice Gigliotti, psiquiatra Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Comportamento

Inteligência das crianças é herança das mães: o que isso significa?

Toda pesquisa científica é válida, mas questiono os possíveis impactos socio-comportamentais de suas descobertas

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9 abr 2025, 09h14
Mãe estuda com filho.
Segundo estudo, a relação entre os pais e a herança da capacidade intelectual se deve à ativação de genes associados ao cromossomo X (o do sexo feminino).  (Freepik/Reprodução)
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O jorna inglês The Independent publicou matéria sobre uma pesquisa científica com ares de polêmica. De acordo com testes em animais divulgados no blog de psicologia “Psychology Spot”, a inteligência das crianças é, fundamentalmente, uma herança genética das mães.

O experimento foi realizado em camundongos cuja composição genética foi modificada a partir do pai e da mãe. Os resultados mostraram que roedores com maior quantidade de DNA materno tinham cérebros maiores e corpos menores, enquanto que se os genes eram mais paternos, ocorria o oposto.

Segundo o mesmo estudo, a relação entre os pais e a herança da capacidade intelectual se deve à ativação de genes associados ao cromossomo X (o do sexo feminino). Como as mulheres têm um cromossomo X duplo, ou seja, XX, e os homens têm apenas um (XY), é mais provável que os filhos herdem a inteligência da mãe, pois enquanto os homens têm apenas uma chance de transmiti-la, as mulheres têm duas.

As descobertas dos pesquisadores indicam que, se o pai transmite o gene da inteligência, ele é automaticamente desativado, pois esses são “genes condicionados”. Se vierem da mãe, eles são ativados e cumprem seu papel na capacidade cerebral.

Já os genes paternos seriam responsáveis pelo instinto de sobrevivência, a agressividade, a área do cérebro responsável pelas emoções e o instinto alimentar. Isso mostra que atividades mais complexas, como o desenvolvimento da linguagem e a capacidade de raciocínio, podem ser mais influenciadas pelos genes que a mãe transmite à criança.

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Obviamente, toda pesquisa científica é válida. Sem dúvida, é possível imaginar que essas informações poderão auxiliar no processo de tratamento de doenças futuras, por exemplo. Mas fico me questionando: quais podem vir a ser as implicações sociais trazidas por uma pesquisa que conclui que um dos genitores é mais influente na inteligência dos filhos? Ou que outro é mais influente na agressividade? Fazendo um exercício de imaginação, como isso poderá ser utilizado, amanhã ou depois, em casos forenses ou processos litigiosos de separação? Em um mundo que se antecipa a rotular, como as crianças poderão ser vítimas de mais bullying por conta de sua herança genética? Amanhã ou depois, será que exames de estudos genéticos poderão ser solicitados em processos de seleção de emprego? Ou na contratação de planos de saúde? O quanto essas informações serão confidenciais ou de conhecimento público?

Olhando para a série do momento, “Adolescência”, sobre um caso de violência extrema por parte de um jovem, será que daqui a um tempo argumentos científicos não poderão ser usados contra os próprios jovens e até contra os pais – visto que a origem de sua “agressividade” estaria mapeada pelos genes?

Para além das evidências científicas, cada indivíduo experimenta diferentes processos de aprendizagem, dependendo do contexto em que cresce, o meio ambiente onde a pessoa se desenvolve não é um fator desprezível. Ponderações que precisarão ser feitas para o exercício responsável da ciência – respeitando seu avanço, mas prevendo possíveis impactos socio-comportamentais de suas descobertas.

Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp; professora da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.

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