Infelicidade no trabalho: por que 28% dos chefes não se sentem realizados?
Salário, falta de propósito e relacionamentos tóxicos estão entre as principais razões para a frustração com o trabalho

Pesquisa realizada pela consultoria de soluções em talentos Robert Half em parceria com a organização global The School of Life mostrou que dos 387 líderes brasileiros entrevistados sobre satisfação no trabalho, 28,12% se dizem infelizes. O número é maior do que o apurado na última sondagem, em 2024, quando o percentual era de 21,85%. Dentre os liderados, por sua vez, 26,72% afirmaram não estar felizes na vida laboral.
Os dados pertencem à 6ª edição do levantamento “Inteligência Emocional e Saúde Mental no Ambiente de Trabalho”, que ouviu profissionais com nível superior completo de diferentes regiões do Brasil, a partir dos 25 anos. O mapeamento foi realizado entre os meses de janeiro e fevereiro deste ano.
Dentre os principais motivos apontados por chefes que se consideram infelizes estão salário insuficiente, falta de propósito e relacionamentos tóxicos, nesta ordem. Já entre os colaboradores, as razões são salário insuficiente, falta de plano de carreira e falta de propósito.
Os dados da pesquisa permitem elaborar boas provocações. É um tanto quanto assustador imaginar que quase 60% das pessoas (dentre líderes e liderados) não se sentem satisfeitas com o trabalho que fazem. É gente demais para um único ambiente, onde se passa pelo menos um terço do dia – e mesmo quando não estamos no trabalho, muitas de nossas preocupações e pensamentos são por conta dele. Imaginar que tanto tempo e esforço seja fonte de infelicidade é, no mínimo, perturbador.
Por que as pessoas se sujeitam a situações como essas? São muitas as razões. Por mais que o Brasil esteja em fase de pleno emprego, consegui-lo pode não ser tão fácil – e tampouco mantê-lo. Diante do custo de vida alto, muitos funcionários, independente do escalão, aceitam se submeter à infelicidade para não perder a fonte de renda. Além disso, há sempre a esperança que a situação que traz infelicidade se interrompa. É o famoso “levando com a barriga”, em que as pessoas vão apenas exercendo sua obrigação, sem entusiasmo, criatividade ou empenho para além do mínimo necessário.
Soma-se a isso a pandemia de 2020, que deu uma chacoalhada no que entendíamos por “sair para trabalhar”. Desde então, muitos colaboradores não estão mais dispostos a sair de casa todos os dias, enfrentar horas de trânsito e transporte público, se podem fazer o mesmo trabalho no conforto de casa. Felicidade no trabalho também tem a ver com possibilidades de escolha – e isso nada tem a ver com dinheiro.
Além disso, com a constante evolução tecnológica, os mais jovens tendem a se entediar mais rapidamente no trabalho. O mundo real não anda na velocidade de um click no celular. É uma geração que está desacostumada do esforço para obter suas conquistas e sem muita noção do que seja hierarquia. Resultado: eles se sentem a um passo da frustração.
Neste contexto, é relevante destacar o poder que uma pessoa infeliz exerce dentro de um sistema, qualquer que seja ele. É o efeito “pedra no lago”, que dissemina infelicidade e suas consequências (discórdia, brigas, má vontade) e pode contaminar boa parte da equipe – a ponto, inclusive, de levar ao processo de adoecimento.
Quando a pesquisa aborda a saúde mental, 41,24% dos executivos e 44,83% dos trabalhadores relatam ter enfrentado situações desafiadoras. Essas estatísticas incluem aqueles que se sentem emocionalmente abalados (embora sem diagnóstico médico) e também aqueles que foram diagnosticados, seja com ansiedade, estresse ou burnout.
Mas nem tudo parece estar perdido. Ainda segundo a pesquisa, entre as pessoas que se dizem felizes no trabalho, 71,88% são gestores e 73,28% são colaboradores. Os percentuais parecidos fazem supor que a satisfação não está necessariamente ligada ao poder: é possível ser feliz no trabalho independente da hierarquia de cargos.
Entre os chefes que se sentem felizes no trabalho, as principais razões são realização e senso de propósito; equilíbrio entre vida pessoal e profissional; e desafios e aprendizado contínuo, nesta ordem. Entre os funcionários, as respostas não foram muito diferentes: as razões mais apontadas são o clima organizacional e relacionamentos positivos; equilíbrio entre vida pessoal e profissional; e realização e senso de propósito.
É bastante curioso que, além do dinheiro, o propósito seja um fator definitivo de felicidade. As pessoas – e os jovens ainda mais – buscam mais do que uma ocupação, mas um sentido de vida no que fazem. É um movimento relativamente novo, mas muito poderoso. Estar feliz no ambiente de trabalho, com a atividade que se realiza, é fundamental para a saúde física mas, sobretudo, a mental.
Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp; professora da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.