Incor: usuários de vape tem até seis vezes mais nicotina no sangue
Mais da metade dos fumantes que tentaram parar não conseguiram

A concentração de nicotina no organismo de pessoas que usam cigarro eletrônico há um ano chegam a ser até seis vezes maior àquelas de quem fuma vinte cigarros por dia, o equivalente a um maço, durante cerca de 25 anos. A conclusão é do estudo do Instituto do Coração (Incor) do Hospital das Clínicas, em parceria com o Centro de Vigilância Sanitária, que avaliou o comportamento, a percepção de risco, o perfil socioeconômico e os hábitos de 417 usuários de cigarro eletrônico, frequentadores de shows, bares e eventos em diferentes cidades do Estado de São Paulo.
Apesar de criados sob a alegação de que auxiliariam a parar de fumar, os cigarros eletrônicos, também conhecidos como vapes, são capazes de gerar alto grau de dependência em um tempo muito curto. Os dados alarmantes comprovam o que já percebemos nos consultórios: se o cigarro convencional é um vício bastante difícil de abandonar, o cigarro eletrônico é ainda pior. Como o produto é agradável ao paladar e tem cheiro bom, o indivíduo abusa de seu consumo. Além disso, ele não acaba em poucas tragadas, como o cigarro convencional. Outra característica preocupante é a inalação de nicotina, metais pesados, partículas ultrafinas e outras substâncias tóxicas a partir do aquecimento das essências.
As consequências já começam a aparecer: é cada vez mais comum encontrar nos hospitais pessoas com idades cada vez menores com problemas pulmonares graves. Em alguns casos, os danos são irreversíveis. Já há registro de casos de pulmão de jovens que, apesar de fumarem vape há pouco tempo, estão tão danificados quanto fumantes de cigarros convencionais por décadas. Convém lembrar que, apesar da grande disseminação, podendo ser encontrados em diferentes lugares de muitas cidades, a comercialização dos vapes é proibida pela Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa).
A pesquisa liderada pelo Incor concluiu que a maioria dos usuários dos dispositivos eletrônicos são jovens, brancos, de classe média alta e com escolaridade superior. Outro dado curioso levantado pelo estudo é que 60% dos entrevistados eram fumantes “novos”, ou seja, nunca tinham fumado cigarro tradicional antes.
Os níveis de nicotina dentre esses usuários surpreenderam os pesquisadores. Entre os fumantes de vape que não se consideram dependentes, a média de nicotina no organismo foi de 138 nanogramas por mililitro. Já dentre os que confirmaram sentir alto grau de dependência, a média foi de 435 nanogramas por mililitro. Entre os usuários com caso de dependência mais severo, 49 deles tinham valores de nicotina acima de 400 nanogramas por mililitro. A título de comparação: pacientes em tratamento para tabagismo que fumaram cerca de 20 cigarros por dia por 25 anos tinham cerca de 396 nanogramas de nicotina por mililitro.
Aos pesquisadores, 60% dos entrevistados responderam que já tentaram parar de fumar vape por conta própria. Entre aqueles com alta dependência, o índice sobe para 80%. Em nenhum dos casos, os usuários conseguiram abandonar o vício.
A pesquisa do InCor mostrou também que três em cada dez usuários de cigarro eletrônico relatam transtornos de saúde mental, como depressão e ansiedade, especialmente entre os que tem maior concentração de nicotina no sangue.
Todas as variáveis que cercam os cigarros eletrônicos precisam ser observadas com muita atenção. Apesar de relativamente recente no mercado, seus estragos são consideráveis. As autoridades precisam estar atentas ao impacto que o hábito nocivo traz à saúde público, enquanto ainda é tempo.
Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp; professora da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.