IBGE: estudantes fumam menos, bebem mais e estão infelizes com o corpo
Pesquisa comparativa sobre o comportamento dos jovens é farto material para a criação de políticas públicas
O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulgou recentemente as conclusões do estudo experimental da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), que compara indicadores de comportamento de estudantes do 9º ano do ensino fundamental, jovens entre 13 e 17 anos. A análise compara as quatro edições da PeNSE, dos anos 2009, 2012, 2015 e 2019. O resultado é o retrato de uma geração.
Realizada em parceria com o Ministério da Saúde e o apoio do Ministério da Educação, a PeNSE traz informações valiosas sobre os jovens em diferentes segmentos: alimentação, atividade física, cigarro, álcool, outras drogas, situações em casa e na escola, saúde mental, saúde sexual e reprodutiva, higiene e saúde bucal, segurança, uso dos serviços de saúde, etc.
Alguns dos principais alertas da pesquisa se referem ao uso abusivo de álcool e drogas. A experimentação de bebida alcóolica saltou de 52,9% em 2012 para 63,2% em 2019. Esse aumento foi mais intenso entre as meninas, que saíram de 55% em 2012 para 67,4% em 2019. Para os meninos, o indicador foi de 50,4% em 2012 para 58,8% em 2019. Trata-se de um crescimento bastante significativo para um período muito curto de tempo.
A mesma tendência aparece de alta para experimentação ou exposição ao uso de drogas: um aumento de 8,2% em 2009 para 12,1% em 2019. Mais uma vez, o maior crescimento foi entre as meninas. O aumento da exposição às drogas neste público foi bem mais elevado que entre os meninos. O maior aumento das chances de experimentar drogas ilícitas se deu entre as meninas de escolas da rede pública, que dobraram as chances de experimentação, atingindo 107,4% de variação no período.
Assim como acontece com o álcool, os jovens tem contato cada vez mais cedo com outras drogas: o percentual passou de 3,4% em 2009 para 5,8% em 2019, antes de completarem 14 anos. A pesquisa do IBGE identificou uma tendência de crescimento nas chances de exposição às drogas, com alta de 87,5% no período. Já o consumo recente de drogas ilícitas, entre aqueles que haviam usado drogas alguma vez na vida, ficou estável entre 2012 (48,2%) e 2015 (46,4%), e caiu em 2019 (33,3%).
O estudo mostrou ainda que a experimentação de tabaco através de cigarro está praticamente estável, apresentando uma leve queda de 22,9% para 21% dos jovens. Além disso, diminuiu o número de adolescentes que se expõem precocemente ao cigarro: fumantes em idade inferior a 14 anos caiu de 16,8%, em 2009, para 13,1% em 2019. No entanto, o que a priori pode parecer uma boa notícia, na verdade, esconde uma outro dado relevante: foi justamente na última década que ocorreu a popularização entre os jovens dos DEFs (Dispositivos Eletrônicos para Fumar), também chamados de vapes ou cigarros eletrônicos. Dados da Pesquisa Nacional de Saúde de 2019 identificaram a prevalência de uso regular de DEFs de 0,64% (ou seja, um milhão de pessoas) na população com mais de 15 anos. Neste grupo, 70% tinham entre 15 e 24 anos e quase 90% ainda não eram fumantes de cigarros convencionais.
A PeNSE também explicita o aumento da insatisfação dos jovens com a imagem do próprio corpo. Se em 2009, 17,5% dos estudantes reclamavam de ser gordo ou muito gordo, este número saltou para 23,2% em 2019. Já os que se consideravam magros ou muito magros eram 21,9% e passaram a 28,6%. É inevitável notar que os 10 anos que separam a primeira da última pesquisa equivalem justamente à década da ascensão das redes sociais e sua solidificação entre os jovens. É notório que redes como o Instagram, de supervalorização da imagem e da hiperexposição, servem de gatilho para transtornos alimentares, como anorexia e bulimia.
Tendo em mãos este completo raio-X do comportamento de jovens em todo Brasil, é fundamental que os gestores criem políticas públicas que previnam o consumo e aumentem a conscientização dos danos que álcool, cigarro e outras drogas causam na vida dos jovens.
Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp; professora da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.