IBGE: a gangorra dos casamentos no Brasil, héteros ou gays
Dados do Instituto permitem uma análise do comportamento social brasileiro
Os dados mais recentes sobre a população brasileira, divulgados semana passada pelo IBGE, possibilitam uma infinidade de recortes de análises sociais. Mas uma, em particular, chamou minha atenção: a dos casamentos e divórcios realizados no Brasil.
Segundo o IBGE, houve um recorde de casamentos entre pessoas do mesmo sexo realizados em cartórios de registro civil no Brasil, em 2022. Segundo o Instituto, o crescimento foi de 19,8% em relação a 2021, totalizando 11 mil registros. Trata-se do número mais alto desde que a Justiça obrigou cartórios a realizarem esse tipo de união, em 2013. A maior parte dos casamentos entre pessoas do mesmo sexo se deu entre cônjuges femininos (60,2%).
São muitas as teorias que podem explicar o crescimento da oficialização de uniões homoafetivas. Primeiro, a dúvida do que aconteceria politicamente no Brasil, com a renovação ou não de um governo conservador, pode ter causado uma busca maior pela lei – enquanto ainda havia a garantia que ela existia. Outra hipótese é que com o arrefecimento da pandemia, dois anos depois, muita gente pode ter se interessado por legalizar uniões que existiam até então, porém na informalidade.
Por fim, um terceiro caminho, não excludente dos demais, é supor que há um avanço civilizatório concreto e inegociável na sociedade brasileira. Apesar de ainda ser um dos países que mais matam a população LGBTQIA+ no mundo, pouco a pouco se tolera cada vez menos a discriminação no trabalho, no ambiente familiar e na vida social como um todo. As uniões registradas pelo IBGE, portanto, seriam apenas o reflexo da marcha imparável da evolução.
Apesar do significativo crescimento do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, ele representou apenas 1,1% do total de 970 mil uniões ocorridas no país em 2022. Ainda assim, significa um aumento de 4% em comparação com 2021.
Outro dado significativo revelado pelo IBGE se refere ao número total de casamentos no país: houve queda de 2015 a 2020, com o menor número de registros em 2020, em decorrência da pandemia de Covid-19. No entanto, mesmo com o aumento em 2021 e 2022, o IBGE destaca que os números ainda não superaram a média de 2015 a 2019, os cinco anos antes da pandemia, quando a média era de um milhão de casamentos.
Ainda segundo o IBGE, houve um aumento na idade dos cônjuges: em 2000, 6,3% das mulheres que se casaram tinham 40 anos ou mais; este número saltou para 24,1% em 2022. Já entre os homens, o percentual subiu de 10,2% para 30,4% na mesma faixa etária. Estes números confirmam que não apenas as mulheres, mas também os homens, estão deixando para casar mais tarde, talvez pela expectativa de se estabelecer profissional e financeiramente antes do “sim” ao matrimônio. Os casamentos em que um dos cônjuges é divorciado ou viúvo já representam 30% dos casamentos civis realizados no Brasil, numa clara sinalização que os brasileiros estão se permitindo viver novas histórias de amor.
Mas se o número de casamentos aumentou, o de divórcios não ficou atrás. Em 2022, 420 mil divórcios foram concedidos, um aumento de 8,6% a mais do que em 2021 (386 mil). A disposição para fazer o casamento dar certo não anda lá muito grande: 49% das uniões chegaram ao fim com menos de dez anos de duração (o tempo médio dos casamentos no Brasil é 13 anos; em 2016 a duração média era de 16 anos).
Um outro dado divulgado pelo IBGE explicita claramente a mudança no comportamento da relação parental com os menores – e sobre a percepção do papel da mulher na sociedade. A guarda compartilhada aumentou de 7,5%, em 2014, para 37,8% em 2022, num entendimento óbvio da Justiça acerca da paridade de responsabilidades entre os genitores, independente do gênero. No entanto, as mulheres continuam as principais responsáveis pela guarda de menores, mas em proporção cada vez menor: de 85,1% caiu para 50,3%.
O que os dados do IBGE permitem interpretar é uma mudança, embora gradual, bastante nítida e constante da população em busca de mais igualdade entre gêneros, orientação sexual e, por que não?, em busca da felicidade, casados ou solteiros. As placas tectônicas do comportamento social vão se mexendo e não se permitem deter pelo desejo voluntarioso de reacionários, machistas ou homofóbicos.
Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp; professora da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.