Fentanil: o que é e qual o perigo da substância apreendida no país?
Preocupação ocorre diante do alto potencial de dano à saúde dos usuários
No começo deste mês, a polícia brasileira fez a primeira apreensão no país de Fentanil. A substância é um forte anestésico, usado ilegalmente como uma droga de potência destruidora: apenas nos Estados Unidos, seu consumo foi responsável pela morte de mais de 70 mil pessoas. A chegada da droga ao Brasil acende um sinal de alerta.
Apesar da quantidade apreendida ser aparentemente pequena – 31 frascos –, ela é suficiente para trazer consequências drásticas. Integrante uma categoria de substâncias denominada opioides, os casos conhecidos de abuso são, em grande maioria, por parte dos profissionais de saúde, onde o acesso é mais fácil a anestésicos de uso hospitalar. Agora, a concreta possibilidade de sua disseminação é preocupante. Se nossa sociedade mal dá conta de controlar o uso indiscrimados de cocaína e crack, como deter o abuso de Fentanil?
De acordo com o Departamento Americano de Repressão às Drogas, o Fentanil é a principal causa de mortes por overdose no país, já que ele é cinquenta vezes mais potente que a heroína e cem vezes mais que a morfina. Para deixar clara a capacidade destrutiva da substância: apenas dois miligramas – ou seja, a quantidade irrisória de dois milésimos de grama – de Fentanil tem a capacidade de provocar parada respiratória quase imediata no usuário.
Desde os anos 90, os Estados Unidos travam uma batalha árdua contra o uso abusivo de opioides – os lícitos e os ilícitos –, tendo como consequência um devastador efeito social do uso indiscriminado de tais substâncias: diante da dificuldade de seguir comprando-as de forma legal em farmácias, mediante prescrição médica, houve um significativo crescimento de usuários de outros opioides – como a heroína – para amenizar os sintomas de abstinência.
Desde então, mais de 500 mil americanos já perderam a vida por overdose. Mais da metade da cocaína apreendida em território americano contém Fentanil em sua formulação. Uma verdadeira tragédia de saúde pública, que levou o FDA (Food and Drug Administration), órgão americano que autoriza o lançamento de novos medicamentos, a aprovar a venda, sem receita médica, de naloxona – droga de reversão de overdose, que viria a se tornar a primeira substância de tratamento para a dependência de opioides podendo ser comprada sem prescrição. A forma mais conhecida de naloxona é o spray nasal Narcan. A tentativa é facilitar o acesso a um medicamento que pode salvar vidas e estancar a escalada de casos de overdose, cujos sintomas são dificuldade para respirar, batimento cardíaco fraco ou irregular, escurecimento dos lábios e unhas, queda de pressão acentuada, inconsciência ou até a morte.
A recente apreensão brasileira de Fentanil se deu em um lote com outras drogas, o que faz pensar que a perda de controle da substância ilícita possa ocorrer também por aqui. A nosso favor, temos o tempo. Esta ainda é a primeira vez que se ouve falar em apreensão de Fentanil ilegal no Brasil. Portanto, é urgente que as autoridades policiais, de fronteira e também as de saúde se mobilizem.
Se o Brasil sequer dá conta de atender às graves consequências sociais e sanitárias da dependência em crack, a disseminação desenfreada de Fentanil teria uma extensão de danos desconhecida. E, pior: assim como nos Estados Unidos, de improvável capacidade de reversão.
Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp; professora da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.