Fator genético explica a relação de dependência com álcool ou cigarro
A ciência está comprovando que além do fatores sócio-ambientais a dependência pode ser determinada pela hereditariedade
O que determina que algumas pessoas não gostem de bebida alcoólica e outras não consigam resistir ao primeiro gole? Por que alguns não podem sequer sentir o cheiro de cigarro e outros são incapazes de parar de fumar? A ciência está descobrindo que além do fatores sócio-ambientais, a causa também pode ser genética.
Foi o que comprovou recente estudo publicado na prestigiada revista científica Nature, que reuniu especialistas de vários países do mundo. Segundo eles, quatro mil associações genéticas têm certa influência no consumo de tabaco e álcool, incluindo fatores como a quantidade consumida e a idade em que o usuário começou a ter acesso às substâncias.
De acordo com a metodologia empregada, foram analisados os genomas de mais de três milhões de pessoas na Austrália, Europa e Estados Unidos. Os pesquisadores compararam os genomas dos participantes com seus hábitos de fumar e consumir álcool. Ao final do estudo, concluiu-se que mesmo vivendo em ambientes semelhantes, pessoas com maior predisposição genética fumam mais.
Segundo o psiquiatra e pesquisador espanhol Javier Costas, indivíduos que se encontram entre os 10% com maior predisposição genética ao tabaco fumam em média duas vezes mais cigarros por dia do que aqueles nos 10% com menor predisposição genética.
O grupo de estudo identificou 2.468 variantes genéticas associadas ao tabagismo de quem fuma todos os dias. Outras 243 variantes estão vinculadas a quantidade de cigarros que uma pessoa fuma por dia, 206 variantes remetem ao abandono do hábito e 39 estão ligadas à idade em que alguém começa a consumir tabaco.
Em relação ao hábito de consumir álcool, os pesquisadores identificaram 849 variantes genéticas ligadas à quantidade ingerida por semana. Em estudos genéticos semelhantes, já foi identificada a correlação entre genes e alcoolismo, além da possível relação entre consumo de bebidas alcoólicas e transtornos como déficit de atenção, esquizofrenia ou depressão.
Os resultados da pesquisa são úteis porque ajudam a mapear fatores de risco biológico para alcoolismo ou tabagismo, além de ajudar a prever o número de cigarros fumados ao dia e um mapeamento de possíveis recaídas.
Os pesquisadores foram além e criaram uma ferramenta digital que calcula, por meio de um sistema de pontos, os riscos genéticos que poderiam identificar pessoas mais suscetíveis a comportamentos associados ao uso de álcool e tabaco. A expectativa é que em até três anos o recurso integre o atendimento de rotina para indivíduos já identificados como pertencentes ao grupo de risco aumentado de uso de álcool e tabaco.
Se por um lado, o programa poderá ser um aliado poderoso no trabalho de prevenção, por outro lado, se for utilizado de maneira equivocada, poderá gerar ainda mais preconceito e psicofobia com um grupo já bastante rotulado, quando não marginalizado. Vai ser um processo interessante de acompanhar.
Que venha o futuro e as descobertas sobre o nosso passado, a partir dos genes!
Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp; professora da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.