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Por Analice Gigliotti, psiquiatra
Comportamento
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Duas ou três coisas sobre o preconceito com a idade das mulheres

Caso de etarismo em universidade de São Paulo escancara algumas realidades que gostaríamos de acreditar que estavam superadas

Por Analice Gigliotti
16 mar 2023, 11h27

Mal acabamos de assistir a entrega do Oscar – poucas horas depois da consagração de Jamie Lee Curtis ganhando o troféu de Melhor Atriz Coadjuvante aos 64 anos, e do reconhecimento a Michelle Yeoh na categoria Melhor Atriz, aos 60 anos –, somos surpreendidos pela notícia que universitárias do interior de São Paulo estariam ridicularizando uma colega de classe nas aulas de Medicina porque ela tem… 44 anos! “Já deveria estar se aposentando”, bradaram as jovens de 20 anos. A repercussão foi imediata e o assunto tomou conta das redes sociais.

O episódio levanta questões palpitantes sob diversos aspectos, realidades que gostaríamos de acreditar que estavam superadas. O primeiro deles é a reincidência de casos de etarismo. Pessoas se atribuindo o direito de arbitrar o que outras, mais velhas, podem ou não podem fazer, vestir ou dizer. O ineditismo, porém, é a idade da “vítima”. Não estamos falando de uma jovem senhora de 60 ou de uma idosa de 80 anos. O alvo do etarismo em questão é uma mulher de apenas 44 anos. 

Isso nos leva a um segundo ponto: é preciso entender que o mundo mudou e com ele a dinâmica do que se julgava implícito a uma determinada idade. Começar um novo casamento, um novo negócio ou uma nova carreira aos 44 anos não é mais uma exceção. Ao contrário. Aí está a atriz Claudia Raia, no vigor de seus 56 anos, com um bebê recém-nascido no colo, para confirmar a mudança de paradigma.

Com o adiamento da velhice incapacitante e da aposentadoria, as mulheres – mas não só elas – estão se permitindo correr atrás de (novos) sonhos e se entregar a objetivos de vida impensados até então. Conheço uma mulher que foi estudar psicologia às vésperas de fazer 70 anos e Nora Rónai se tornou campeã de natação com mais de 80, apenas para citar dois exemplos. A quem cabe o direito de se incumbir como cronômetro da juventude alheia?

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Um terceiro ponto que precisa ser abordado é que as hostilidades dirigidas à estudante de 40 anos vieram de outras mulheres. Lemos e ouvimos a todo tempo as novas vozes do feminismo contemporâneo, discurso que ganhou eco e entusiasmo nas novas gerações. Mas será mesmo? É frustrante saber que logo elas, as jovens!,  levantaram-se em preconceitos contra uma colega um pouco mais velha.

O constrangimento é maior porque o episódio vem à tona em pleno março, mês em que se comemora a luta feminina por igualdade de direitos, quando uma infinidade de histórias e batalhas foi massivamente mostrado pela mídia. Leva-se um bocado de tempo para avançar um milímetro e apenas um passo em falso para termos a sensação que tantas conquistas estão sob risco. Será que ainda estamos muitos passos aquém de onde gostaríamos na busca pela união feminina?

A boa notícia é que com a polêmica vindo à tona na mídia, uma onda de solidariedade e apoio de outras universitárias se formou em torno da estudante de 44 anos. Será que isso só ocorreu porque o assunto ganhou repercussão nacional? Nunca saberemos.

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Voltando ao Oscar, a sincera alegria de Jamie Lee Curtis com a vitória da colega sino-americana transpareceu o que queremos entender como empatia entre as mulheres. Em seu emocionante discurso como vencedora do Oscar, a atriz Michelle Yeoh deixou um recado: “não deixem ninguém dizer que você passou do seu auge”. Foi ovacionada de pé pelo público americano. Agora, é preciso que a sociedade brasileira encampe a ideia.

Seria bastante simbólico se a mobilização começasse pelas universitárias de São Paulo.

Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp; professora da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.

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