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Analice Gigliotti

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Comportamento
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Do solvente ao crack: a explosão do uso de entorpecentes no Rio

Seja por curiosidade, pobreza ou falta de perspectiva, substâncias estão sendo consumidas por pessoas de todas as idades e classes sociais

Por Analice Gigliotti
Atualizado em 17 Maio 2022, 10h39 - Publicado em 16 Maio 2022, 09h24
Pedra de crack sendo fumada em um cachimbo.
Crack: usuários se amontoam, entre barracas improvisadas com papelão e sacos de lixo, no Jardim de Alah. (Shutterstock/Reprodução)
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Professores e diretores de escolas públicas e privadas tem relatado uma situação inédita em alguns estados brasileiros: alunos estão se drogando com substâncias até então impensáveis, como giz, cola, esmalte, acetona e corretivo. Os estudantes manipulam o corretivo líquido até ele secar, virar pó e depois o inalam como se fossem cocaína. Como se não fosse suficiente, a experiência é compartilhada pelos adolescentes nas redes sociais, como Tik Tok, comportamento tão comum nesta geração. Se antes os educadores se preocupavam com a iniciação do consumo de outras drogas associadas à adolescência, como maconha, tabaco e álcool, agora eles precisam estar atentos a outras potenciais portas de entrada para o uso de substânicas.

Em outro grupo social, menos privilegiado financeiramente, assistimos a uma mudança no perfil de usuários de crack. Antes alijado a regiões menos nobres da cidade, o que se vê hoje é o consumo da droga entre moradores de rua em bairros da Zona Sul.

O crack é uma tragédia social de múltiplas implicações. Capaz de viciar rapidamente, é mais barata que outras, o que facilita seu acesso. Para sustentar o vício, muitos usuários passam a se prostituir, roubar ou furtar – o que impacta diretamente nas estatísticas de violência da cidade (em algumas áreas, as estatísticas da violência quadruplicaram). Além disso, a ampliação da localização geográfica dos usuários na cidade está diretamente relacionado ao empobrecimento da população, especialmente depois da pandemia: fumam a pedra para esquecer da fome, do desemprego, da falta de condições mínimas de subsistência. Trata-se de uma bola de neve: quanto mais fumam, menos conseguem reagir.

No caso dos jovens, o uso de solventes é uma mistura de curiosidade, rebeldia e estímulo das redes sociais e programas que provocam tal comportamento – como o fazem os personagens da série “Euphoria”. Além disso, muitos jovens tem apresentado danos à saúde mental, pelo impacto dos longos meses de isolamento da pandemia, como depressão e ansiedade. O uso de drogas pode ser interpretado, erroneamente, como uma forma de escapar dessa realidade (assim como os usuários de crack).

No entanto, o que os adolescentes desconhecem são as consequências para a saúde. Quando inaladas, tais substâncias são absorvidas pelo pulmão e depois chegam ao sistema nervoso central, podendo causar delírios, alucinações, apatia, taquicardia, tontura, náuseas, dores de cabeça e vômitos. O uso continuado pode provocar dependência, síndrome de abstinência, depressão, irritabilidade, desatenção, perda de peso e fraqueza muscular; a longo prazo, pode acarretar danos cerebrais.

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Há décadas, o uso de drogas no Brasil – todas as drogas: álcool, maconha, crack, cigarro, ecstasy etc – é resultado de uma combinação nefasta de desinformação, lobby e marketing de indústrias poderosas e a incapacidade do Estado em dar conta do problema. Dependentes precisam ser entendidos e tratados como doentes, não como criminosos, numa ação combinada entre diferentes atores, como segurança, saúde e assistência social, que vise a recuperação dos indivíduos e não a punição. Caso contrário, será um eterno “enxugar gelo”, como estamos assistindo agora.

Pais, professores, responsáveis, Estado e a população como um todo precisam se envolver em um debate honesto sobre o tipo de sociedade que queremos ser: saudável, produtiva e com perspectiva de futuro ou adoecida pelo uso abusivo de entorpecentes

Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp; professora da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.

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