Descriminalização da maconha: quais são as implicações da decisão do STF?
Quantidade defendida pelo STF como de porte pessoal é capaz de causar dano grave à saúde mental
O Supremo Tribunal Federal (STF) tomou decisões importantes na semana passada sobre a descriminalização do porte de maconha para uso pessoal: não será considerado crime quem comprar, guardar, ter em depósito, transportar ou portar até 40 gramas de maconha ou seis plantas fêmeas para consumo próprio. A aplicação da decisão será nacional após a publicação do registro do julgamento, prevista para os próximos dias.
O porte de maconha continua sendo considerado um comportamento ilícito, mas as punições contra os usuários passam a ter natureza administrativa, e não criminal. Assim, deixam de valer a possibilidade de registro de reincidência penal e de cumprimento de prestação de serviços comunitários. Além disso, ficou definido o porte de 40 gramas como a quantidade de maconha que diferencia uso pessoal de traficantes.
As resoluções do STF, no entanto, escondem algumas consequências que podem não ser percebidas à primeira vista. Do ponto de vista médico, não é possível precisar a quantidade de maconha capaz de desencadear psicose, esquizofrenia e outros transtornos psiquiátricos. No entanto, aos olhos da lei, 40 gramas seria uma dose segura.
Quem tem alguma intimidade mínima com o assunto, é capaz de fazer as contas: 40 gramas podem render 40 baseados grandes ou até 120 cigarros mais finos. Não é preciso ser especialista para saber que trata-se de uma enormidade! Na tentativa de descriminalizar o usuário, acabou-se legalizando, por tabela, o traficante.
Sob o ponto de vista clínico, é concreto o risco de desenvolvimento de uma série de doenças psiquiátricas, especialmente em adolescentes. Diversos estudos relacionam o uso de maconha por jovens à redução do coeficiente de inteligência, prejuízo à capacidade cognitiva, diminuição da atenção e perda de produtividade. São menores as chances de se formarem na faculdade e maiores as de precisarem contar com auxílio do Estado para sua subsistência diante da incapacidade de se manterem por conta própria.
Na prática, se uma pessoa for parada pela polícia com 100 cigarros de maconha, mas que pesem menos do que 40 gramas, ela poderá ser interpretada como usuário. Poderemos, portanto, assistir a uma proliferação de traficantes, agora autorizados pela lei.
Em sua fala, o presidente do STF, ministro Barroso, defendeu a importância da conscientização dos malefícios das drogas, a prevenção contra elas e tratamento de dependentes. No entanto, não é o que observamos sendo executado. Alguém se lembra qual foi a última campanha maciça que assistiu nos veículos de mídia alertando a população sobre os prejuízos das drogas? Pois é… Isso implica também em outra questão: em um mundo tão pulverizado, que se comunica por bolhas, como atingir a todos os públicos com uma única campanha? Difícil dizer.
A comercialização de drogas traz um efeito nefasto para a segurança pública. Mas na ânsia de dar uma resposta à violência, põe-se em risco a saúde da população. Tenta-se resolver um problema criando outro. O tempo irá dizer se foi uma solução a contento. Resta-nos torcer para que não seja tarde demais.
Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp; professora da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.