Depois do FOMO, o JOMO: o prazer de fazer o que se tem vontade
Imposições sociais perdem lugar para a alegria de arbitrar sobre o próprio desejo
Há algum tempo, falou-se de um padrão de comportamento que estava se tornando comum em diversas sociedades, o FOMO, ou fear of missing out (em tradução livre, algo como “medo de ficar por fora”). Era um termômetro do nosso tempo: vidas hiperconectadas, com capacidade de criação de conteúdo e disseminação de informação avassaladoras.
Talvez este ainda seja um padrão de comportamento válido para muitas pessoas, mas começa-se a notar uma nova tendência, tanto no exterior como no Brasil, o JOMO: joy of missing out, ou “o prazer de estar por fora ou de fora”. O novo esquema pode ser interpretado como uma “ressaca” do padrão anterior: depois do excesso de informação e compromissos, o prazer de simplesmente se fazer apenas o que gosta, quando quer, sem sofrer por estar perdendo qualquer outra coisa.
O JOMO defende um comportamento que, aos olhos de hoje, soa quase revolucionário: viver a alegria genuína de perder uma festa ou encontro – aos quais, geralmente, muita gente sequer tem vontade de comparecer e vai por pura pressão social – sem peso na consciência.
Arrisco dizer que a pandemia antecipou esse caminho. Se por um lado, a falta de vida social imposta pelo isolamento deixou sequelas significativas, por outro lado, muita gente também passou a se sentir desobrigado de compromissos. A pandemia deixou muito explícito que o tempo de vida é precioso demais – e já bastante tomado por obrigações inegociáveis – para desperdiça-lo ainda mais com atividades que podem ser declinadas em nome de algo maior: respeitar a própria vontade. Bloquinho no Carnaval às sete da manhã? Show lotado na praia? Viajar no Reveillón? Não, obrigada. A série da moda, o filme da vez, o show imperdível? De novo: não, obrigada. Sem culpas ou constrangimentos.
Uma amiga, que na juventude não perdia uma festa ou encontro social, comentava outro dia que agora, às portas dos cinquenta anos, nada se compara ao prazer de curtir a sua casa. Ela se diverte ao lembrar que, quando era jovem, não entendia o comportamento do pai que… gostava de ficar em casa, cuidando do jardim, dos bichos e lendo seus livros. Não tem nada a ver com intransigência ou até mesmo depressão, já que o JOMO não traz prejuízos à vida de seus adeptos. Trata-se, na verdade, de encontrar a felicidade de outra forma.
Há algumas semanas, a apresentadora Ana Paula Padrão fez um post na sua rede social que rapidamente ganhou grande adesão e viralizou – talvez pelo poder de identificação com seus seguidores. No post, Ana Paula apontava uma curiosa mudança na forma com que as pessoas passaram a enxergar os dias de férias: se até algumas gerações atrás o período de descanso era planejado para se aproveitar ao máximo com as horas lotadas de programações, hoje tudo que as pessoas desejam é… não ter compromisso algum. Passamos a tirar férias para não fazer nada, sem culpa. Esse sim é o verdadeiro luxo do nosso tempo.
Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp; professora da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.