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Comportamento
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Demi Moore e a dificuldade de se aceitar o envelhecimento

Filme protagonizado pela atriz faz uma fábula interessante sobre a juventude eterna

Por Analice Gigliotti
7 out 2024, 14h55
Demi Moore em cena do filme, diante do espelho.
Demi Moore: no provocador filme "A Substância", atriz interpreta uma mulher em crise com o envelhecimento. (Divulgação/Reprodução)
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Ela foi (ou é) uma das mulheres mais bonitas da história do cinema. Demi Moore está de volta às telas no provocador filme “A Substância”, da diretora francesa Coralie Fargeat. Moore interpreta uma mega celebridade de Hollywood (daquelas com direito a estrela na Calçada da Fama) que vê sua popularidade ameaçada pelos sinais do tempo: as rugas estão presentes e seu corpo já não é mais aquele. Ela decide então procurar uma empresa que fabrica uma tal substância – a que dá título ao filme – em busca de uma melhor versão de si mesma.

É muito interessante que o convite para protagonizar essa sátira à ditadura da beleza tenha sido feito à atriz – e que Demi Moore tenha tido a inteligência e o fairplay de aceitar. A histórica ligação da atriz com um padrão estético impecável dá à personagem e ao filme uma camada extra e saborosa de subtexto. 

Um filme sobre a descriminação com as mulheres mais velhas não chega a ser uma novidade, mas o interessante de “A Substância” é a discussão sobre o quão longe uma pessoa insegura pode ir em busca de manter-se bela. O longa-metragem faz uma mistura curiosa de realidade com ficção científica, que quase faz crer que aquele experimento para rejuvenescer a partir de uma duplicação de si mesmo será possível muito em breve.

Para além da beleza, o filme faz uma provocação interessante sobre a indústria cultural de massa, que está sempre atrás de “carne fresca”, de novidade, valores associados à juventude. A novidade são os contornos de terror que a trama ganha quando o experimento foge ao controle da cobaia (tal qual Cinderela perde seu encanto à meia-noite). Uma bela sacada do roteiro – vencedor na categoria no Festival de Cannes deste ano – é a falta que a personagem sente de si mesma depois que a experiência foge ao seu controle.

O novo trabalho de Demi Moore foi um “ame ou odeie”. Alguns fizeram críticas ao ver uma repetição de certos conceitos machistas justamente para falar de feminismo. Outros acharam o tom de terror à beira do risível. Pode ser. Mas, sob meu ponto de vista, a discussão que ele traz sobre a dificuldade de se aceitar quem se é e a ação do tempo sobre cada um de nós é bastante instigante. 

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O filme se comunica de maneira ainda mais impactante no Brasil, país que ocupa o segundo lugar no ranking mundial de cirurgias plásticas, atrás apenas dos Estados Unidos. Temos um estilo de vida, talvez por seu extenso litoral, frequentemente associado à praia e pouca roupa. Com isso, cria-se a exigência de um padrão estético alcançável apenas por alguns poucos.

Volta e meia, aparecem notícias de terríveis erros médicos em clínicas de beleza, uma combinação bombástica de profissionais despreparados (até dentistas já foram denunciados fazendo procedimentos estéticos) com um público ávido por parecer jovem.

Segundo a Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica, o Brasil realizou 1,3 milhão de operações em 2020. Entre os procedimentos mais realizados estão os de rosto e aumento de mama. A abdominoplastia foi a escolha mais popular entre as opções de cirurgias: cerca de 110 mil foram realizadas. Ainda segundo a Sociedade Internacional, 86,3% dos procedimentos cirúrgicos são realizados por mulheres e 13,7% por homens.

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Além disso, é crescente o número de casos de transtornos alimentares e dismorfia corporal. Segundo levantamento da Comissão de Saúde da Câmara dos Deputados, apresentado em julho deste ano, uma em cada vinte pessoas no Brasil tem algum transtorno alimentar e um dos motivos da doença é a comparação que jovens fazem entre si e com perfis exibidos em redes sociais, a maioria fora do padrão de realidade.

Em tempos de cinemas vazios, “A Substância” estava com a sala cheia (especialmente de jovens), talvez porque por meio de uma fábula prenda a atenção, provoque e faça pensar.

Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp; professora da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.

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