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Comportamento
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Danuza Leão: mais uma vítima das décadas do cigarro “glamourizado”

Modelo e escritora viveu o auge do tempo em que o cigarro era símbolo de status

Por Analice Gigliotti
Atualizado em 29 jun 2022, 09h40 - Publicado em 28 jun 2022, 13h26
Capa do livro "Na sala com Danuza".
Capa do livro de Danuza Leão: cigarro entre os dedos é o retrato do comportamento de uma época. (Mercado Livre/Reprodução)
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O Brasil perdeu uma de suas mulheres mais genuínas e inspiradoras. Morreu nesta semana, de enfisema pulmonar, a modelo e escritora Danuza Leão, símbolo de elegância e do carioca way of life. Como atestaram os muitos obituários carinhosos publicados na imprensa, Danuza foi uma mulher à frente do seu tempo. De esposa a promoter de boate, de modelo a colunista social, Danuza viveu a vida que quis, se reinventando muitas vezes.

Danuza recebeu o diagnóstico de enfisema pulmonar há mais de 10 anos, quando notou os primeiros sintomas de problemas respiratórios, como a falta de ar. Nos últimos meses, ela foi internada quatro vezes em decorrência da doença. O enfisema pulmonar faz parte das Doenças Pulmonares Obstrutivas Crônicas (DPOC), complicações respiratórias que dificultam a passagem do ar pelos pulmões e está diretamente ligada ao tabagismo. A estimativa é que, no Brasil, o enfisema atinja aproximadamente 12% da população, o que a coloca em quarto lugar entre as causas de morte no país, de acordo com o Ministério da Saúde.

Nascida em 1933, Danuza cresceu e viveu sob o forte impacto do lobby do cigarro, que alimentou toda a indústria do entretenimento, especialmente americano. Pense nos filmes, dos anos 30 aos 70. Todos os astros da tela, em um determinado momento, sacam a sua carteira de cigarros do bolso. Até mesmo nas brasileiríssimas novelas, agora todas disponíveis no streaming, é possível ver que os personagens fumavam normalmente até meados dos anos 90.

A maior prova do status do cigarro como cool é que na capa do livro mais famoso da autora, “Na sala com Danuza”, com mais de 200 mil exemplares vendidos, a autora sustenta um cigarro entre os dedos, uma imagem-símbolo do quanto cigarro e life style andaram de mão dadas por muitas décadas.

O cigarro vitimou muitas outras pessoas, além de Danuza. Paulo Autran, José Wilker, Patrick Swayze, Louis Armostrong, Audrey Hepburn e tantos mais morreram de enfarte, câncer ou efisema pulmonar, desenvolvida ou agravada pelo vício em cigarro. Os três atores que interpretaram os caubóis nos anúncios da Marlboro nos anos 60 e 70 morreram de doenças pulmonares.

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Perto de mim, pude testemunhar a batalha do meu saudoso tio Chico Anysio, morto há exatos 10 anos, contra as doenças respiratórias. Ele era enfático em afirmar que seu único arrependimento na vida era a dependência do tabaco. “Meu pulmão foi meu grande adversário. O grande criminoso da minha vida foi o cigarro. Sou do tempo em que fumar era coisa de macho. Cary Grant fumava, Humphrey Bogart fumava… Conseguir que uma pessoa pare de fumar significa que ela volte a viver”, afirmou uma vez. E ele conseguiu. Mas, infelizmente, já era tarde demais. Os danos ao pulmão eram tão extensos que muito pouco poderia ser revertido depois de décadas de tabagismo.

Diante de tantas doenças e estatísticas, o cigarro foi reconhecido publicamente como um grave agente contra a saúde, nestas primeiras décadas do século 21. As embalagens ganharam rótulos alertando contra os malefícios do cigarro e a indústria foi multada reiteradas vezes – em 2006, o Estado da Flórida responsabilizou a morte de 700 mil pessoas por tabagismo, exigindo a multa recorde de 145 bilhões de dólares contra cinco fabricantes de cigarro nos Estados Unidos.

Porém, a indústria tabagista é ágil em rever suas estratégias no aumento da base de clientes. Se Danuza e várias gerações se viciaram em cigarros e eles passaram a ser mal vistos, abandona-se o velho e aposta-se no novo. Os vapes, ou cigarros eletrônicos, foram divulgados inicialmente como menos viciantes, porém, já se mostram tão danosos quanto os cigarros – e com capacidade de dependência ainda mais veloz e mais intensa, uma vez que contém mais nicotina. Além disso, os cigarros eletrônicos aumentam em três vezes e meia o risco de se experimentar o cigarro convencional, de acordo com o INCA. Apesar de proibidos no Brasil desde 2009 por uma resolução da Anvisa, os vapes podem ser facilmente comprados pela internet. Segundo o DataFolha, cerca de 3% dos adultos fazem uso diário ou ocasional do cigarro eletrônico, algo em torno de 4,7 milhões de brasileiros. Entre os adolescentes, segundo pesquisa da UFMG, Ministério da Saúde e IBGE, 16,8% já experimentaram o dispositivo. Uma verdadeira epidemia.

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Frutos do nosso tempo, os vapes correm à margem do mercado tradicional: são divulgados em redes sociais, por influenciadores digitais muito bem pagos, a pretexto dos diferentes sabores que as essências fumadas oferecem, numa pretensa aura cool, papel que o cigarro exerceu a partir dos anos 30 e cuja “conta” na saúde dos seus usuários se apresentou nas últimas décadas.

Danuza teve uma vida longa e riquíssima. Mas é inevitável pensar que ela poderia ter vivido por mais tempo, com menos sofrimento e mais qualidade de vida, especialmente nos últimos anos, se não fosse o cigarro.

Se 70 anos depois de começar a fumar, as doenças associadas ao cigarro mataram Danuza Leão, talvez em muito menos tempo veremos toda uma geração de jovens padecer dos mesmos males respiratórios e cardíacos e, infelizmente, com grandes chances de óbito.

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A diferença, desta vez, é que não se poderá culpar a falta de informação e de aviso.

Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp; professora da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.

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