Como a arte traz benefícios à saúde mental e ao bem-estar
Exercitar a veia artística e dedicar-se a atividades culturais podem beneficiar concretamente a saúde mental
![Pinceis e tintas.](https://vejario.abril.com.br/wp-content/uploads/2023/06/shutterstock_1938804841.jpg?quality=70&strip=info&w=1000&h=667&crop=1)
Venho de uma família de artistas. Mãe, irmã, tios, primos, sobrinhos, quase todos dedicados a alguma expressão artística. Eu mesma cheguei a me aventurar na área quando era mais jovem, mas a paixão pela Psiquiatria falou mais alto. O histórico familiar sempre me permitiu testemunhar o quanto a arte é capaz de fazer bem. Para quem a cria e para quem a assiste. A arte possui um poder curativo que pode ser comparado, em certa à medida, à Psiquiatria. Talvez por isso as duas tenham me interessado…
Tudo isso me voltou à memória ao ler recente matéria do The New York Times atestando o quanto a arte pode melhorar o bem-estar mental. A dança, a escrita, o desenho, o canto, a representação, tudo que nós gostamos de brincar quando crianças (não à toa o inglês chama atuar de “play” e o francês usa o verbo “jouer”, ou seja, “brincar” nos dois idiomas), mas que a maioria perde de vista quando se impõem as obrigações da vida adulta.
Há alguns anos, vivemos uma verdadeira febre dos “livros de colorir” para adultos. E por que? Simplesmente porque eles ajudam a desestressar e a controlar a ansiedade. Muitos métodos terapêuticos já utilizam a expressão artística como tratamento, inclusive em casos psiquiátricos mais graves – como o fez a Dra. Nise da Silveira, trabalho que se tornou referência no Brasil e no exterior.
A força da arte como aliada da saúde e do bem-estar é cada vez mais confirmada. Em 2020, o Journal of Medical Humanities publicou um artigo sobre o que chamou de “o poder da cura da poesia”. Segundo os autores, a simples ação de ler um poema uma vez por semana, compartilhar um poema com um amigo ou dedicar cinco a dez minutos escrevendo livremente sobre algo pode ser eficaz como um primeiro passo para se experimentar os benefícios da poesia.
Mais recentemente, o Centro de Artes em Medicina da Universidade da Flórida afirmou que há um “robusto conjunto de evidências” que sugere que exercitar a veia artística e dedicar-se a atividades culturais, como ir à museus, teatros e cinemas e assistir shows e concertos, podem beneficiar concretamente a saúde mental.
Durante a pandemia tivemos um pequeno aperitivo deste fenômeno. Quando fomos confinados ao lockdown, foram os filmes, séries, shows e lives quem nos fizeram companhia na agonia dos meses que não pareciam ter fim. A saudade dos eventos presenciais era tamanha que, tão logo o convívio se tornou possível, so público retornou com avidez a shows e peças de teatro, mantendo-os lotados até hoje.
“A arte existe porque a vida não basta”, disse o poeta Ferreira Gullar. E é nesse não bastar, no desafio de encarar diariamente o desconhecido e o ilógico da vida, que a arte nos auxilia, ilumina e, agora está provado, promove saúde.
Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp; professora da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.