Capote e Amy Winehouse: por que alguns artistas abusam de bebida alcoólica
Série e filme investigam a relação de artistas geniais com o uso abusivo de substância
Muitas são as razões que fazem de “Feud: Capote vs The Swans” a serie imperdível do momento. A direção do grande cineasta Gus Van Sant, a direção de arte, o elenco escolhido a dedo, a assinatura do impecável Ryan Murphy à frente da produção, tudo leva a série a um patamar de qualidade fora do comum. Mas nada disso faria sentido se não estivesse a serviço de uma grande história. O roteiro engenhoso acha uma forma criativa de contar a história do autor americano Truman Capote e sua relação de amor e ódio com os seus cisnes – senhoras da alta sociedade, objeto de devoção e de amizade de Capote, mas também vítimas de sua escrita afiada.
Mas um outro personagem importante percorre os oito episódios da série: a bebida alcoólica, com quem o protagonista desenvolve uma relação complexa de dependência Sempre com um copo de uísque ou uma taça de champanhe à mão, o álcool serve como estímulo e sabotagem ao mesmo tempo. Ele seria mais ou menos criativo se não tivesse usado nenhuma substância? Não há como saber.
Em um dos episódios mais impressionantes da série, Capote – em uma rara fase de sobriedade – se põe a criar diante da máquina de escrever. Assombrado pela “presença” metafórica da mãe, que cobra e exige do filho, ele cede ao primeiro copo, no intuito defensivo que de assim sua escrita fica ainda melhor. O primeiro copo leva ao segundo, que leva ao terceiro… Capote bebe controlar seus domônios – criados por uma infância sofrida – mas o grande autor que ele foi também só se apresentava diante desses mesmos demônios. Se é possível que a bebida estimulava sua genialidade, seguramente também o fez perder amores, amigos, dinheiro e prestígio. Uma dualidade difícil de administrar e que Capote precisou lidar a vida inteira – assim como muitos outros artistas ao longo dos tempos.
É o que confirma o filme “Back to Black”, sobre a vida e obra da cantora inglesa Amy Winehouse. Verdadeiro meteoro da música pop, Amy capturou fãs em todo mundo de maneira muito rápida. O sucesso repentino parecia desconcertar a cantora – o que ela deixou bastante claro em entrevistas e mesmo de cima do palco, em performances geralmente acompanhada de um copo de bebida alcoólica.
No caso de Amy, a bebida foi glamourizada, como se fizesse parte do “eu-criativo” da cantora. Se a inglesa aparecia no palco absolutamente sóbria, estabelecia-se uma certa frustração sádica entre os fãs e a imprensa, como uma espécie de desacordo com a imagem pública cristalizada da cantora.
O filme, em cartaz nos cinemas, joga luz justamente sobre a carreira bem sucedida e, ao mesmo tempo, sombria da artista, morta aos 27 anos por intoxicação alcoólica, em 2011. Apesar da brevidade, o nome de Amy Winehouse estará para sempre na história da música soul mundial.
Assim como Capote e Amy, Kurt Cobain, Jim Morrison, Judy Garland, River Phoenix, Whitney Houston, Michael Jackson, artistas absolutamente geniais, todos mortos por uso abusivo de substâncias. Se seriam mais criativos sob seus efeitos não é possível afirmar, mas seguramente não teriam suas vidas interrompidas de maneira precoce.
Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp; professora da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.