Álcool e drogas: quando a dependência das substâncias leva ao suicídio
É preciso entender o recado oferecido pelas estatísticas e agir para evitar novas mortes
Estudo inédito da UnB (Universidade de Brasília) – publicado em artigo científico na revista BMC Psychiatric – concluiu que quatro em cada dez pessoas que cometeram suicídio no Distrito Federal, entre 2005 e 2014, usavam substâncias psicoativas, como álcool e drogas. A relação faz todo sentido, na medida em que a bebida alcoólica aumenta a desinibição, a impulsividade e a agressividade, podendo ser um facilitador para um ato tão extremo.
De 1.088 casos analisados, 780 passaram por exames toxicológicos e 44% tiveram resultados positivos para substâncias psicoativas, das quais 72% para o consumo exclusivo de álcool (até 3 gramas por litro, quantidade capaz de causar confusão mental). Os dados brasileiros são superiores até mesmo aos Estados Unidos, onde a intoxicação por álcool está envolvida em 22% de todas as mortes por suicídio, de acordo com a SAMHSA (Substance Abuse and Mental Health Service Administration). Ainda de acordo com o órgão americano, um diagnóstico de abuso ou dependência de álcool está associado a um risco dez vezes maior de uma pessoa tirar a própria vida, se comparado à população de um modo geral.
Quanto a combinação do uso abusivo de álcool com outras drogas, o estudo da UnB concluiu que 22% dos casos estavam relacionados com o uso combinado das duas substâncias, com destaque para a cocaína, mas não apenas ela. De acordo com estudo divulgado ano passado pelo Jama Network, a maconha está diretamente associada a um aumento de risco de ideação, plano e tentativas de se matar entre adultos.
Segundo o Ministério da Saúde do Brasil, a taxa média de suicídios ronda os seis casos ao ano a cada 100 mil habitantes (dos quais 9,8 são homens e 2,5 são mulheres). A maioria dos casos apurados na pesquisa da UnB foi cometida por homens – 84% –, um percentual que se confirma com estudos em outras cidades do Brasil, de acordo com o Ministério. Quando o assunto é a faixa etária, 55% são pessoas entre 30 e 59 anos, seguidos pelos mais jovens, entre 18 e 29 anos (35%). Estes dados acendem, mais uma vez, o alerta acerca da saúde mental dos brasileiros.
O estudo da UnB possibilita levantar várias questões ricas para o debate. Antes de mais nada, confirma o consumo de álcool como um perigo concreto. No Brasil, consome-se álcool em excesso – e cada vez mais cedo. De acordo com dados do II Levantamento Nacional sobre Álcool e Drogas (LENAD), 26% dos menores de idade já consomem álcool e segundo o Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (CISA), o brasileiro consome álcool pela primeira vez com 12 anos, em média. Este primeiro contato pode ser sozinho – para atender uma curiosidade particular -, em festas ou com amigos e, por fim, com os próprios pais, que preferem oferecer a bebida ao filho, acreditando ter algum tipo de controle – mas sem considerar que nenhum volume de álcool é seguro para adolescentes.
O estudo da UnB faz pensar ainda sobre como o público do sexo masculino é especialmente impactado pelo uso abusivo de álcool. Por décadas, o marketing das bebidas alcóolicas era focado nos homens. Além disso, trata-se também do reflexo de um traço cultural. Na nossa sociedade machista e patriarcal, homens são educados a sofrerem em silêncio. Sem compartilharem suas angústias e questões, acabam compensando a dificuldade de lidar com seus sentimentos na dependência de álcool e drogas.
É relevante destacar ainda que, de acordo com a coordenadora do estudo da UnB, professora Andrea Galassi, é grande a chance de uma pessoa que já tentou anteriormente por fim à própria vida tentar fazê-lo novamente. Por isso, familiares e amigos tem um papel fundamental. É preciso ficar atento a comportamentos padrão, como demonstrar falta de perspectiva ou preocupação excessiva com a morte, explicitar intenções suicidas, isolamento social excessivo ou vivenciar experiências com potencial traumático (como um episódio de discriminação, abuso ou demissão).
Temos instalado no centro da sociedade brasileira uma questão: uma “epidemia” de uso abusivo de álcool e drogas. É urgente olhar para o tema com maturidade e ação, para que mais vidas não sejam perdidas.
Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp; professora da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.