Adultos sem filhos: por que essa tendência não para de crescer no mundo?
Vontade de realizar outros desejos acaba se sobrepondo aos possíveis filhos
Recente pesquisa americana, feita pelo Pew Research Center, apontou que é crescente o número de adultos nos EUA que afirmam ser improvável que venham a ter filhos. Quando o estudo foi realizado, em 2023, 47% das pessoas com menos de 50 anos sem filhos afirmaram que era improvável que alguma vez tivessem filhos, um aumento de 10% desde 2018.
Quando questionados sobre por que os filhos não estavam nos planos futuros, 57% disseram que simplesmente não queriam tê-los. As mulheres (64%) foram mais propensas a responder desta forma do que os homens (50%). Curiosamente, as razões vão muito além de não terem encontrado o pai ideal para seus filhos: o desejo de se concentrar em outras coisas, como carreira ou demais interesses; preocupações sobre o estado do mundo; temor quanto aos custos envolvidos na criação de um filho; preocupações com o meio ambiente, incluindo as alterações climáticas.
A maioria dos entrevistados disse que não ter filhos tornou mais fácil para eles comprarem as coisas que queriam, reservarem tempo para os seus interesses e pouparem para o futuro. Poder se organizar em outras áreas da vida também é fonte de enorme satisfação. A maior prova disto é que quando foi realizada a pesquisa em 22 países comparando graus de felicidade, concluiu-se que as pessoas que não são pais são geralmente mais felizes do que aquelas que o são.
Os resultados ecoam um estudo de 2023 que descobriu que apenas 26% dos adultos disseram que ter filhos era extremamente ou muito importante para viver uma vida plena. A taxa de fertilidade dos EUA tem caído significativamente na última década, atingindo a marca de 1,6 nascimentos por mulher em 2023. Este é o número mais baixo já registado, de acordo com os Centros de Controle e Prevenção de Doenças. Este ritmo de crescimento é inferior ao necessário para que a população se substitua naturalmente, de geração em geração.
A pesquisa mostrou que os homens parecem ter menos receios em relação à paternidade. Isso faz todo sentido, na medida em que a responsabilidade recai menos sobre eles. O novo papel social da mulher estimula significativamente o arrefecimento do desejo da maternidade. Sondagens indicam que 70% das mães americanas são a principal fonte de renda da família durante os primeiros 18 anos de maternidade – dedicando-se mais do que os homens. Trata-se de um peso grande demais, do qual muitas já optam, deliberadamente, abrir mão.
O que começou no século XX se tornou ainda mais intenso no presente século XXI: criar filhos está deixando de entendido como uma experiência fundamental da vida humana para se tornar mais uma escolha, entre tantas outras feitas rotineiramente. Mais um passo significativo no caminho da liberdade, tanto para homens como para mulheres.
Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp; professora da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.