Aconselhamento em consultas de rotina poderia ter poupado R$1 bi do SUS
Mais de meio milhão de fumantes não teriam se tornado dependentes

Se todos os fumantes brasileiros com mais de 35 anos tivessem recebido aconselhamento breve, inserido no cuidado integral pelo SUS, a economia poderia ter sido de um bilhão de reais e quinhentos mil fumantes a menos. Os números integram um novo estudo divulgado pela Divisão de Controle do Tabagismo e outros Fatores de Risco, do INCA, sobre a relevância do aconselhamento breve a pacientes em consultas de rotina.
O aconselhamento breve — de 30 segundos a 3 minutos, conforme recomenda a Organização Mundial da Saúde (OMS) — consiste em aproveitar as consultas de rotina para conscientizar o paciente, avaliar seu interesse em parar de fumar e orientá-lo sobre as opções disponíveis, como grupos de apoio e, quando necessário, uso de medicamentos.
O aconselhamento breve a parar de fumar, que deveria ser fornecido a todos os fumantes por qualquer profissional de saúde, não resulta em maiores taxas de abstinência que uma psicoterapia semanal, mas tem o maior impacto porque tem mais capilaridade, alcança um número maior de tabagistas e muitos tentam abandonar o tabaco.
Em 2019, ano de recorte do estudo, 4,4 milhões de homens e 2,7 milhões de mulheres, todos fumantes, de 35 anos ou mais não receberam aconselhamento breve para parar de fumar em visitas de rotina a um profissional de saúde. Em ambos os grupos, que receberam e que não receberam aconselhamento, houve maior proporção de fumantes que não tentaram parar de fumar, assim como um menor percentual daqueles que utilizaram apoio do aconselhamento e/ou de medicamentos, quando comparados aos que receberam orientações nas consultas regulares.
Em um país que enfrenta uma real limitação de recursos em todas as áreas, não aproveitar consultas de rotina para transmissão de informação é um desperdício impressionante de oportunidade. O aconselhamento breve é uma prática de baixo custo e que tem impacto positivo, especialmente em países de grande extensão territorial e desigualdades socioeconômicas, como o Brasil.
Cada real de lucro da indústria do cigarro custa o Estado cinco reais, ou seja, cinco vezes mais. Ainda segundo o INCA, o Brasil gasta R$ 153,5 bilhões por ano com os danos provocados pelo tabagismo, somando custos com tratamento médico e perdas econômicas por morte prematura, incapacidades e cuidados informais. O valor equivale a 1,55% do Produto Interno Bruto (PIB) do país.
O tabagismo é responsável por 477 mortes por dia no Brasil, o que representa 174 mil óbitos evitáveis por ano. Entre as principais causas estão a DPOC, doenças cardíacas, diversos tipos de câncer, AVC, diabetes tipo 2 e o fumo passivo que, sozinho, responde por cerca de 20 mil mortes todos os anos. A pesquisa do INCA confirma que muito deste impacto poderia ser facilmente evitado com a melhor e mais potente das armas: a informação.
Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp (CRM 5249669-2 e RQE 21502); professora da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.