Para não terminar como Afonso Roitman: os cuidados que salvam corredores
Inspirada pela novela, conversei com uma cardiologista e atletas que sofreram mal súbito para aprender como evitar riscos e correr com saúde

Quem é noveleiro raiz, viu: em Vale Tudo, o personagem Afonso Roitman, vivido por Humberto Carrão, desmaiou ao final de uma prova de triatlo, sendo cercado por corredores e socorristas. Cena de novela? Sim. Mas situações parecidas, infelizmente, acontecem na vida real.
Correr no Rio é um prazer: o visual da orla, o astral das provas, a energia contagiante das pessoas. Mas, por mais democrática e acessível que seja, a corrida de rua exige preparo. Não basta vestir um tênis e sair disparado. Como lembra a cardiologista e maratonista Juliana Rodrigues, o primeiro passo para qualquer corredor — seja iniciante ou veterano — é checar como está a saúde.
“Exercício é para todo mundo, mas precisa ser feito com responsabilidade. Um eletrocardiograma simples, um exame físico, às vezes um teste ergométrico — tudo isso já ajuda a identificar problemas antes que virem emergências. É como fazer revisão do carro: se você cuida dele, por que não cuidar do seu corpo?”
Juliana Rodrigues, cardiologista e maratonista
Esse cuidado inicial, muitas vezes negligenciado, envolve fazer um check-up para garantir que o corpo está apto a ser exigido, identificar riscos ocultos e prevenir sustos.
Juliana destaca ainda que hipertensão, arritmias e outros problemas silenciosos podem aparecer em momentos de esforço. E o alerta não se limita ao coração. No calor do Rio, respeitar o corpo e seus limites é ainda mais crucial.

“Hidratação, reposição de eletrólitos, alimentação adequada, atenção à recuperação, sono e fortalecimento muscular fazem parte do pacote de quem quer longevidade no esporte. Treinar com inteligência é tão importante quanto treinar com dedicação.”
Juliana Rodrigues resume os pontos essenciais para evitar riscos no calor e intensidade do Rio:
✔ Faça check-up clínico e cardiológico regularmente.
✔ Respeite seu processo, com calma e progressão, preferencialmente com o apoio de um treinador.
✔ Leve água sempre, no bolso, na mão, onde for.
✔ Tenha apoio nutricional para saber quando e como repor eletrólitos e carboidratos.
✔ Valorize a recuperação, especialmente o sono.
✔ Inclua musculação pelo menos duas vezes por semana.
✔ Corra feliz, sem transformar o esporte em mais uma obrigação.
✔ Aproveite o poder da comunidade: correr em grupo fortalece o corpo, a mente e a adesão.
Histórias reais: aprendizados no susto
Abel da Silva Júnior, professor de educação física, ex-técnico olímpico de vôlei e hoje técnico do time feminino do Fluminense, viveu um dos maiores sustos de sua vida na Rio Half Marathon deste ano. Ele acordou cedo, tomou café, fez seu alongamento habitual e foi para a largada decidido a apenas “curtir a prova”, já que não vinha treinando para a distância completa.
Levava sua inseparável GoPro para registrar o astral das ruas e os amigos correndo. Ele estava se sentindo tão bem que, mesmo planejando parar nos 15 km, acabou seguindo em frente, animado por um amigo no percurso. “Eu estava ótimo. Completei a prova sorrindo, gravei vídeos. Não senti absolutamente nada. E aí… apaguei.”
Logo após a chegada, Abel caiu inconsciente aos pés do amigo, que no começo pensou que fosse apenas uma brincadeira. Não era. Os bombeiros chegaram rápido, reanimaram Abel no chão, levaram-no à ambulância, onde ele apagou novamente e precisou ser reanimado uma segunda vez antes de chegar ao hospital Souza Aguiar. Foram oito dias internado, quatro deles na UTI, até passar por cateterismo e angioplastia, onde recebeu dois stents no coração.
“Eu não fazia check-up desde a pandemia. Achava que, por estar sempre malhando, nadando, correndo, eu estava saudável. Hoje eu sei: corpo saudável não é corpo sem sintoma. A gente precisa ir ao cardiologista, fazer exames, olhar por dentro, não só confiar no que sente por fora.”
Abel da Silva Junior, técnico de vôlei do Fluminense
Agora, Abel retomou os treinos com extrema cautela, fazendo apenas pequenos trotes e exercícios leves, enquanto aguarda novos exames. “Estou com muito medo ainda, segurando bastante. Eu era inquieto, queria fazer tudo ao mesmo tempo, mas agora estou aprendendo a voltar devagar, esperar a liberação médica, fazer as coisas certinhas, com acompanhamento.”

Juliana Vandesteen viveu um susto diferente, mas igualmente impactante. No ano passado, faltando apenas 100 metros para cruzar a linha de chegada da Meia Maratona do Rio, ela apagou. “Eu estava bem treinada, seguindo a planilha, mas depois percebi que estava ansiosa, respirando curto. E, olhando para trás, vejo que falhei na hidratação prévia. Não tinha acompanhamento nutricional e acabei desidratando, mesmo num dia não tão quente.”
Juliana não lembra de nada daquele momento: no vídeo da prova, ela aparece com os olhos abertos, mas sua última memória consciente foi no quilômetro 18. No pós-desmaio, não conseguia lembrar senhas, telefones nem o nome das filhas. “Fui super bem atendida. Aos poucos fui recuperando a consciência e fui levada para o hospital. Parece detalhe, mas andar com identificação e telefone de contato pode salvar vidas. Eu poderia ter ficado ali, desmaiada, sem que ninguém soubesse quem eu era. Parece bobeira, mas salva vidas.”
No hospital, ela fez tomografia e exames laboratoriais, que felizmente não indicaram nada grave, mas a experiência serviu como alerta. Depois de 15 dias afastada, ela voltou aos treinos com mais consciência. Hoje, se hidrata corretamente, usa gel energético, faz acompanhamento com nutricionista e carrega sempre seus documentos e contatos de emergência. Além dos cuidados físicos, Juliana passou a dar atenção ao lado emocional.
“Na época, eu não dava importância ao impacto da ansiedade. Hoje vejo como nosso emocional influencia no corpo mais do que a gente imagina.”
Juliana Vandesteen, corredora
Essas histórias mostram que ninguém está imune. Correr é um presente — mas precisa ser com cuidado e inteligência. Porque, ao contrário de Afonso Roitman, todo corredor quer cruzar a linha sorrindo, pronto para mais quilômetros.