Entenda a encrenca por trás da Vila dos Atletas
As falhas cometidas pelas empresas que construíram a Vila Olímpica e que transformaram o Rio em motivo de vergonha internacional
Uma sucessão de erros, desentendimentos, atrasos e demonstrações de pura inépcia levou ao vexame da Vila dos Atletas. Confira abaixo as falhas cometidas por várias empresas que fizeram com que a entrega dos 3 600 apartamentos divididos em 31 torres às delegações estrangeiras se transformasse em motivo de vergonha internacional para os cariocas.
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1) A Vila dos Atletas começou a ser erguida em 2013 e sempre esteve entre as obras mais adiantadas dos jogos. Para realizar a construção, foi fundada a empresa Ilha Pura Empreendimentos Imobiliários, em que 50% das ações pertencem à incorporadora carioca Carvalho Hosken, a dona do terreno de 820 000 metros quadrados onde foi construído o complexo, e 50% ao braço imobiliário da Odebrecht, a Odebrecht Realizações (OR). O acordo previa ainda que a prefeitura arcaria com toda as obras do entorno, como acesso e urbanização. Do valor estimado em 3 bilhões de reais para as obras, 2,3 bilhões de reais vieram de um financiamento da Caixa Econômica Federal, que hoje detém as hipotecas dos apartamentos.
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2) Mesmo com as obras em ritmo acelerado, as divergências entre as partes envolvidas no processo não tardaram a aparecer. No início de 2014, o comitê organizador da Rio 2016 começou a questionar o pagamento dos aluguéis dos apartamentos à Ilha Pura durante os meses de retirada dos móveis, quando os jogos acabassem, previsto para durar entre setembro de 2016 e junho de 2017. Pelo acordo inicial, a proposta era que a Rio 2016 pagasse pelo aluguel – na verdade repasses para quitação das parcelas do financiamento da Ilha Pura com a Caixa – até a entrega das chaves de volta à incorporadora. Depois de muita discussão e meses de impasse fechou-se um acordo em torno do assunto em maio de 2014, quando a presidente Dilma Rousseff ameaçou bloquear o repasse do banco estatal.
3) Com um estande de vendas pirotécnico, que custou mais de um milhão de reais, as metas da Ilha Pura Empreendimentos eram ambiciosas: colocar no mercado e vender pelo menos 600 unidades na etapa de lançamento. A operação, realizada no segundo semestre de 2014, foi um desastre. Surpreendida pelo início da crise no mercado imobiliário, a empresa só encontrou compradores para 200 unidades do complexo, propagandeado com uma obra de altíssimo padrão e preços entre 700 000 e 4,2 milhões de reais.
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4) Com o impacto da crise e da baixa captação de patrocínios, o comitê organizador dos jogos pediu o adiamento da entrega para economizar nos aluguéis dos apartamentos. O contrato previa a entrega em janeiro de 2016, prazo que foi posteriormente adiado para março e finalmente maio. Como o volume de apartamentos era muito grande, a entrega foi feita mediante laudos fotográficos e não vistorias presenciais, uma a uma, de todas as unidades, como acontece no mercado imobiliário. É nessa fase que os proprietários encontram problemas e reivindicam as soluções junto à construtora. O fato de as conexões com a rede de água ainda estarem em regime provisório e com a ligação elétrica desligada também dificultou a vistoria. As conexões de gás e a instalação de aquecedores ficaria a cargo de uma das fornecedoras dos jogos, a empresa Komeco, o que também dificultou a avaliação no momento da entrega. A Rio 2016 chegou a reclamar da situação precária de parte apartamentos posteriormente, mas a incorporadora considerou a entrega concluída e se recusou a fazer reparos.
5) A conexão completa de todas as torres com a rede água só foi concluída no início de julho e a vazão total só foi atingida há uma semana. O fornecimento de energia também atrasou. Ambas as empresas responsáveis pela operação, a Cedae, pertencente ao governo do Estado, e a Light, enfrentam problemas financeiros. A primeira foi incluída em um plano de privatização e a segunda, privada, está a procura de novos donos.
6) A entrega e instalação de móveis ficou a cargo dos Correios. Sem fiscalização adequada por parte dos responsáveis pela Vila, a operação ocorreu de forma errática, com áreas bem-sucedidas e outras nem tanto. Como resultado, caixas de papelão, restos de plástico e embalagens foram abandonados nos apartamentos. Marcas de pés enlameados no chão de cerâmica clara eram rotina por todos os prédios. Roupas de cama e toalhas de banho, bem como artigos de cozinha, foram colocados em lugares que ainda estavam sujos com resíduos da fase de construção.
7) Itens fáceis de remover e carregar dos apartamentos, como torneiras, chuveiros, lâmpadas e até espelhos de banheiro foram furtados. Às vésperas da entrega, o administrador do complexo contratou 400 pessoas para a tarefa gigantesca de arrumar 3600 apartamentos e a área comum dos prédios. Um contingente, obviamente, insuficiente.
8) Uma vez constatado que não haveria mais tempo para corrigir tudo, começou uma operação de emergência. Alguns representantes de delegações, entre elas Estados Unidos e Inglaterra, contrataram funcionários para arrumar seus apartamentos. O fato de parte dos imóveis estar em boa situação e outros em estado precário dificultou a administração da crise. A prefeitura mandou equipes da Comlurb ao local recolher as embalagens e restos da mudança que ficaram pela Vila, com a condição de que seus funcionários não entrassem nos prédios. A organização convoca equipes para trazer todo o entulho para o térreo de cada uma das torres de 17 andares. Muita coisa fica para trás no processo.
9) A Austrália, insatisfeita com a condição de seus apartamentos, joga pesado e torna-se a primeira delegação a protestar formalmente contra a confusão, apesar de, nessa altura, as críticas já serem comuns na Vila.
10) O prefeito Eduardo Paes faz uma brincadeira imprópria e caso vira crise ao dizer que colocaria um canguru na porta do prédio para agradar aos australianos. Mais de 600 homens são convocados pelas construtoras Odebrecht e Carvalho Hosken para fazer uma força tarefa e entregar o complexo pronto em dois dias. O estrago, entretanto, já estava feito.