Na era do ''big boss''
Sistema de câmeras permite a comerciantes cariocas monitorar suas lojas a distância
O telefone toca no restaurante Guy, na Lagoa. Do outro lado da linha, o empresário francês Guy Aziza cobra da sócia brasileira Elba Ximenes as velas que faltam na mesa 4. Poucos minutos depois, ele faz um novo contato, dessa vez para mandar o garçom retirar o guardanapo que esquecera no balcão do bar. Em dias de grande movimento, Elba e os funcionários da casa já sabem que, muito provavelmente, Aziza vai ligar mais de dez vezes para fazer diversos tipos de solicitação. Exigências assim do patrão são corriqueiras na relação profissional, mas nesse caso há um componente que chama atenção: o empresário está a 9?000 quilômetros de distância do estabelecimento. De seu apartamento em Paris, ele monitora por computador as imagens das dezesseis câmeras espalhadas por todos os ambientes da casa carioca, acompanhando ao vivo seu funcionamento. “Ele gosta de checar se os clientes estão sendo bem atendidos”, afirma Elba. “Quando vê algo errado, liga mesmo.”
A prática de captar imagens e disponibilizá-las em tempo real tem se tornado cada vez mais rotineira em diversos ramos comerciais da cidade, como restaurantes, bares, lanchonetes e lojas em geral. Com tamanha facilidade para controlarem seus funcionários, os empresários tornaram-se uma espécie de “big boss”, de olhos sempre atentos ao negócio, independentemente de onde estejam. Tudo porque o equipamento de vigilância está mais barato e também mais fácil de operar. Até pouco tempo atrás, o alto custo de instalação das câmeras fazia com que o uso dessa tecnologia fosse encarado como uma excentricidade. Sua popularização ganhou impulso com a entrada em cena de empresas que passaram a oferecer o serviço de aluguel da aparelhagem, tornando-a acessível a uma gama maior de bolsos. “De dez anos para cá, o preço das câmeras caiu até 30%”, afirma Bruno Arruda, diretor da RendHelp, que tem em seu portfólio 1?500 clientes, boa parte deles formada por restaurantes e lanchonetes daqui. Ele estima o crescimento do mercado em cerca de 20% ao mês.
Proprietária da rede Rubro Café, com endereços no Centro e nos shoppings Fashion Mall e Rio Design Barra, a empresária Luli Aranha Fraga contratou o serviço há seis meses. Instalou sete câmeras em cada um de seus três estabelecimentos e desembolsa, no total, 1?200 reais por mês em aluguel e taxa de manutenção, um terço do orçamento que lhe foi passado há dois anos, quando fez a primeira sondagem. Ela concluiu que vale cada centavo aplicado. “Como as lojas ficam distantes, perdia muito tempo no trânsito entre uma e outra”, conta ela, que passou a monitorar de seu apartamento toda a engrenagem. Enquanto toma café da manhã, munida apenas de um laptop, ela pode ver seus funcionários em ação, verificar como anda a frequência das casas e dar uma olhada no estoque para conferir se está abastecido.
Não há como escaparmos de algo marcante nos dias atuais: temos nossos passos acompanhados o tempo todo por meio de lentes colocadas na esquina, no elevador, no estádio de futebol e no trânsito. Quase não há mais áreas de sombra na cidade. Se o monitoramento extensivo pode trazer ao cidadão o desconforto de se sentir eternamente vigiado, em contrapartida ele é uma profilática medida de segurança, fundamental para inibir ou desvendar delitos. Seja no espaço público, seja dentro de um restaurante, o sistema é, sem dúvida, eficaz. “Houve uma mudança na postura dos funcionários”, afirma Luli Aranha Fraga. “Como sabem que estão sendo filmados, eles ficam mais concentrados no trabalho.”
O sistema tem vantagens para os dois lados, empregador e empregados, como mostra um episódio recente ocorrido numa das filiais da rede de cafeterias. Uma cliente acusou uma garçonete da casa de ter derramado café de propósito em sua blusa. Ao analisar as imagens, a empresária teve a certeza de que tudo não passou de um acidente. Quase sempre, porém, a vigilância é vista com desconfiança pelos funcionários. No Armazém do Café, com sete filiais no Rio, eles reclamaram quando foi instalado o equipamento, por achar que estavam sob suspeita. Com o tempo, no entanto, acabaram se rendendo à tecnologia. No mês passado, uma máquina da loja quebrou e o funcionário não conseguia explicar por telefone qual era o defeito. Ao mostrar o equipamento pela câmera ao dono, Marcos Modiano, o problema foi logo sanado. “Fico aflito ao ver no computador um cliente acenando sem ser atendido”, relata Modiano, que está conectado o tempo inteiro, inclusive nos fins de semana, e, quando flagra um deslize, pega o telefone e dá uma bronca no pessoal. Os amigos encontraram uma maneira de caçoar de sua obsessão: assim que entram na loja, dão um tchauzinho para as câmeras. Sabem que do outro lado ele está atento.