O teste do carrinho
Levantamento indica que produtos idênticos podem custar mais que o dobro em diferentes supermercados da cidade
Uma vez por mês, a publicitária Adriana Gama, de 32 anos, segue um ritual: percorre os 15 quilômetros que separam sua casa, no condomínio Península, de classe média alta, na Barra, do Recreio. Ali, visita a movimentada unidade do supermercado Mundial, varejista de apelo popular, na qual realiza as compras da família. Entre os corredores da loja, ela analisa com cuidado os preços e procura as melhores promoções. Normalmente, leva produtos básicos e de limpeza. Adriana, entretanto, não encerra seu périplo no local. Itens de padrão mais elevado, como massas e molhos importados, são comprados em concorrentes, como o Carrefour e o Zona Sul, pois eles oferecem melhores opções. “Com 800 reais aqui, eu encho dois carrinhos. Em outras redes, dá para no máximo um. Infelizmente não é possível comprar tudo aqui”, conclui ela. Longe de ser uma exceção, a busca incessante por barganhas é um retrato do consumidor carioca, independentemente da faixa de renda. Munida de paciência e disposta a gastar a sola do sapato, a população local faz da pechincha em supermercados um hábito tão enraizado culturalmente quanto o de esparramar-se na praia.
Para ajudar nessa tarefa, VEJA RIO produziu um levantamento em dez supermercados espalhados pela cidade. Nas visitas realizadas na quinta-feira 4, foram pesquisados os preços de trinta itens. Desse total, apenas dez foram encontrados nas mesmas especificações de marca, peso e embalagem em todas as unidades. Além da variedade de artigos oferecidos aos clientes, o teste levou em conta o estado das instalações e o padrão de atendimento prestado pelos funcionários com perguntas básicas sobre localização de produtos e de banheiros, por exemplo. O tempo na fila dos caixas e a disponibilidade de vagas de estacionamento também contaram pontos (confira todos os critérios utilizados na avaliação e a pontuação de cada supermercado no quadro abaixo).
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Entre todos os quesitos, o fator preço foi o que teve maior peso e tornou-se determinante para o resultado final. Até mesmo quem está habituado a viver em uma cidade cara, que registra o mais alto índice de inflação do país ? 7,7% contra 6,5% da média nacional ?, se surpreende com as discrepâncias encontradas nos supermercados. A diferença entre a compra mais barata (R$ 43,01) e a mais cara (R$ 58,16) foi de 35%. Dependendo do produto avaliado, o sobrepreço chegou a estratosféricos 151% (no caso, a lã de aço Bombril, em pacote de 60 gramas, encontrada por R$ 1,39 no Guanabara e por R$ 3,49 no Zona Sul). Ao oferecer a cesta de produtos mais barata, o Extra Hipermercado acabou disparando na frente dos demais concorrentes, mas apresentou também outros trunfos. A avaliação foi realizada na unidade da Avenida das Américas, um hipermercado com 12?000 metros quadrados de área de venda, em que os produtos estavam dispostos de forma organizada e de fácil localização. Na unidade, há uma área onde ficam as principais ofertas, o que encurta o tempo gasto pelo consumidor que busca esse tipo de promoção. Os descontos são arrojados e têm o objetivo de posicionar a marca como referência de preço baixo no mercado. Com tais qualidades, a rede pertencente ao grupo francês Casino cravou uma média final de 4,1 em uma nota máxima de 5.
No extremo oposto, o estabelecimento que registrou o total mais alto, o Zona Sul, também acabou ficando em último lugar. A variedade restrita de produtos e a desorganização da loja avaliada, na Rua Dias Ferreira, no Leblon, derrubaram de vez a nota final, que ficou em apenas 1,7. No dia da avaliação, caixas de mercadorias fora de lugar atrapalhavam a movimentação dos clientes pelos corredores estreitos e de configuração antiquada, enquanto um defeito no ar-condicionado deixava um odor horripilante perto da seção de carnes. “O hipermercado Extra se propõe a atrair diferentes tipos de público em instalações amplas e modernas e cumpre bem esse papel”, explica Roberto Kanter, professor de marketing e gestão financeira da Fundação Getulio Vargas. “Já o Zona Sul tem uma estratégia diferente, que aposta na sua origem carioca, no comércio de vizinhança e no relacionamento com o cliente. É um modelo mais restrito, mas que também funciona.” De fato, mesmo com fama de careira, a rede de 32 supermercados espalhados pelo Rio tem público fiel. Com mais de cinco décadas de experiência no ramo de importação, investe em produtos mais sofisticados, como vinhos e queijos, e de marcas exclusivas, o que lhe garante um público cativo formado pelos moradores dos bairros nobres onde as lojas estão instaladas. “Não prometemos ser a rede mais barata, mas ter o melhor sortimento, ser o melhor vizinho e empregar as melhores pessoas”, defende-se Pietrangelo Leta, vice-presidente comercial da empresa.
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Um dos setores mais pulsantes e agressivos da economia, o varejo de alimentos, produtos de limpeza e higiene pessoal é caracterizado por uma ferrenha concorrência, seja no Brasil, seja no exterior. No caso do Rio, em particular, grandes corporações internacionais como a francesa Carrefour, a americana Walmart e o grupo chileno Cencosud, dono da marca Prezunic, disputam avidamente espaço com uma miríade de empresas locais. Uma dessas companhias, a rede Mundial, sediada em Inhaúma, na Zona Norte, e dona de dezenove lojas, avançou à frente das estrangeiras e conquistou um desejável segundo lugar no ranking. Prestes a completar 71 anos na praça e conhecida por pregar “o menor preço total”, atribui seu sucesso à combinação de logística simples, encomendas em grande volume e pagamento à vista à maioria dos fornecedores. Com isso, informou em comunicado por escrito à reportagem, os ganhos de escala e a redução de custos são repassados integralmente aos preços. A opção por não aceitar cartão de crédito (para não pagar as taxas cobradas pelas operadoras) também faz parte dessa filosofia. Os clientes não se incomodam com tal tipo de restrição. “Nunca uso o cartão de crédito para fazer compras, e lá em casa costumamos consumir produtos básicos mesmo. Então, acaba valendo mais a pena ainda, porque é uma baita economia”, conta a produtora de moda Marssele Medeiros, de 33 anos, moradora da Barra. O sucesso do Mundial e de outros concorrentes de perfil espartano como Supermarket e Princesa está ancorado em um traço bastante peculiar do consumidor do Rio. “Como o carioca prefere sempre o preço, ele acaba dando menor importância a outros atributos, como ambiente, facilidades e atendimento”, analisa Sergio Molinari, sócio-diretor da consultoria Gouvêa de Souza GS&MD, especializada no setor. “Ele até aceita receber um tratamento um pouco inferior para ter, em troca, o menor custo possível.”
Como todo negócio, o setor de varejo é repleto de chamarizes para estimular a compra por impulso, que leva o cliente a gastar mais ? e as ofertas, amplificadas por barulhentas campanhas publicitárias, estão entre eles, por mais paradoxal que possa parecer. O Mundial, por exemplo, teve dois itens entre os mais baratos (o biscoito Maizena Piraquê e o quilo da alcatra). Em compensação, registrou o preço mais alto de outro, o Sal Cisne de 1 quilo, vendido com um acréscimo de 65% em relação ao preço cobrado no Extra. “As categorias de produtos têm funções específicas em cada rede, que põe em promoção algo que interessa ao seu público-alvo e compensa isso encarecendo outros”, explica o consultor Molinari. O consumidor deve estar atento ainda a outras pegadinhas das prateleiras. Marcas líderes que têm preço mais alto costumam pagar pelos locais nobres dos mercados, como as prateleiras na altura dos olhos e de alcance mais fácil e também as chamadas pontas de gôndola e ilhas nos corredores centrais. Outra estratégia é dispor produtos atraentes que não são de primeira necessidade, como guloseimas e diversas miudezas, junto aos caixas para estimular as compras de última hora. Por isso, a regra clássica para quem quer economizar é simples: pesquisar, comparar preços e ter foco no que vai comprar.