Sem tabus: Flávia Alessandra e Angélica dividem relatos sobre a menopausa
No Brasil, cerca de 30 milhões de mulheres atravessam a transição da fase reprodutiva, segundo o IBGE; e acendem o debate em livros, podcasts e conversas
Inspiradas em certeiras verdades escancaradas por Rita Lee na canção Menopower, de três décadas atrás, um grupo de mais de uma dezena de foliãs mergulhou nas experiências da menopausa — momento cercado de intensa delicadeza — para criar, veja só, uma das mais comentadas fantasias do Carnaval deste ano. Ostentando perucas brancas brilhantes e tiaras com a estampa de chamas, elas desfilaram a bordo de maiô prateado, meia-calça arrastão e anel de superpoderes. Da cava do collant também saía o desenho de um fogaréu — “vestidas para matar em pleno climatério”, como já dizia a Rainha do Rock. O Bloco das Menopowers foi a sensação do Céu na Terra, em Santa Teresa, que, aliás, celebrava a trajetória da artista. “Foi uma audácia e um ato de coragem fazer essa fantasia. O Carnaval é político”, orgulha-se Daniela Ferreira, 54 anos, sócia da escola de música Instituto d’O Passo. O ousado figurino e o estandarte também deram pinta no Cordão do Boitatá, no Centro. “Muitas meninas pediram para tirar foto com a gente. Foi bonito de ver todo esse sucesso”, lembra a empresária, que, ao que tudo indica, deve repetir o look na próxima folia.
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Os versos de Rita Lee e Mathilda Kóvak estão aí, firmes e fortes, para pregar o empoderamento de quem atravessa o período que marca o fim da fase reprodutiva, etapa da vida feminina que mexe tanto com o lado físico quanto com o psicológico. O tempo passou e o assunto foi deixando o escaninho dos temas indizíveis para ganhar as redes sociais, pondo fim ao tabu. O silêncio de antes virou conversa franca e aberta. Recém-chegada ao time, Flávia Alessandra, de 51 anos, escolheu uma camiseta com a palavra “menopower” para a sessão de fotos desta reportagem. No ano passado, ela foi pega de surpresa por uma insônia avassaladora. “Ficar sem dormir me tirou do prumo, impactou minha energia e memória”, revela a Sandra da novela Êta Mundo Melhor!, a trama global das 6. Mais tarde, encarou a síndrome do ombro congelado, outro sintoma incomum, que a princípio atribuiu ao pesado esplendor que usou no desfile do Salgueiro. “Senti uma dor paralisante, que irradiava para os cotovelos”, relata. Uma bateria de exames detectou a queda de estrogênio e progesterona, além de uma inflamação nas articulações, confirmando a principal suspeita dos médicos: menopausa. A atriz implantou então um chip hormonal, experimentou fisioterapia pélvica e investiu em produtos para pele madura. “Eu amo não ter rotina, mas precisei estabelecer um ritual de autocuidado”, conta a apresentadora do videocast Pé no Sofá Pod ao lado da primogênita, Giulia Costa.
O fato de celebridades como Oprah Winfrey, Michelle Obama, Kate Winslet e Julia Roberts compartilharem suas vivências ajuda a tirar o tema de debaixo do tapete. Atualmente, ele domina livros, podcasts e programas de TV. No Brasil, o videocast Menotalks soma mais de 5 milhões de visualizações no YouTube. Tocado pelas jornalistas Mariliz Pereira Jorge, 53, e Silvia Ruiz, 55, já recebeu convidadas como Flora Gil, Fátima Bernardes e Rita Batista para um papo sem filtros. “A vitalidade não impacta só a disposição, mas a personalidade. Adoro sair e fazer amizade no banheiro, mas tenho andado mais séria. Não quero me tornar alguém diferente”, protesta Mariliz, que trocou o ginecologista que a acompanhava por vinte anos por uma especialista em saúde da mulher para observar a nova fase. Em sintonia semelhante, a carioca Isabela Fortes, 52, especialista pela prestigiada International Society for the Study of Women’s Sexual Health, lançou em outubro o livro Perimenoquê? (Ed. Intrínseca), sobre a perimenopausa, o período que justamente antecede a menopausa, dedicado às mulheres “na segunda adolescência” (leia mais no quadro à esq.). “Somos hormonais por natureza e fomos estigmatizadas por isso”, afirma Isabela.
Dormir bem, praticar exercícios e manter uma alimentação equilibrada são atitudes que suavizam os efeitos da queda dos hormônios. “A libido é um marcador de qualidade de vida”, esclarece a ginecologista Beatriz Tupinambá, adepta de recursos como laser e ácido hialurônico nas partes íntimas para regenerar a mucosa e melhorar as relações sexuais. O número de brasileiras que vivem entre o climatério (a transição da fase reprodutiva para a não reprodutiva) e a menopausa se aproxima de 30 milhões, ou 7,9% da população, segundo o IBGE. Uma pesquisa da empresa de tecnologia Timelens, baseada em dados do Google Ads, revela que 24,8% procuraram sobre “menopausa” desde outubro de 2021, 14,1% foram em busca de “climatério”, 10,3% dos “sintomas” e 8,8% dos “hormônios”. “Os dados indicam uma lacuna de conhecimento básico e reforçam a necessidade de difundir informação. Mas o interesse pelo tema nunca foi tão alto”, diz Gabriel Azevedo, responsável pelo levantamento.
A cama molhada de suor e a oscilação repentina de humor foram os primeiros sinais detectados pela apresentadora Angélica, à época com 43 anos. “O processo veio cercado de muita dúvida e pouca informação. Quando comecei a melhorar e me enxergar, foi assustador perceber que tinha chegado a uma situação de vulnerabilidade extrema”, desabafa ela, hoje com 51 anos. A terapia de reposição hormonal funcionou como divisor de águas. “Voltei como uma fênix, com mais clareza de quem eu sou, mais consciência em relação a meu corpo, cuidando como nunca da saúde mental.” Já no caso da atriz Maria Clara Gueiros, 60, as crises de pânico a pegaram de supetão. “Comecei a sentir o coração acelerado, suor frio e uma sensação de pavor em situações aleatórias”, fala a comediante, que viu uma melhora significativa com a reposição hormonal. “Estou mais serena e tranquila. A maturidade é uma bênção.”
A terapia de reposição hormonal (TRH) está disponível no Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia Luiz Capriglione (Iede), no Centro, e o tratamento é gratuito. De janeiro a julho deste ano, 805 mulheres foram atendidas no ambulatório, 5% a mais do que no mesmo período de 2024. “Esse é um processo fisiológico que atinge todas as raças, etnias e classes sociais. Muitos sintomas se intensificam de acordo com a qualidade de vida, então pessoas menos favorecidas tendem a ter prejuízos maiores”, alerta a endocrinologista Karen de Marca, diretora do Iede. A médica agita a bandeira de uma maior conscientização sobre a síndrome climatérica — o combo de ondas de calor, dores musculares, ressecamento vaginal, cansaço e oscilações de humor que acomete tantas mulheres — aliada a políticas públicas que assegurem o direito ao bem-estar. “A terapia hormonal preserva a saúde feminina e previne doenças cardiovasculares e neurológicas”, reforça.
O mundo dos negócios também despertou para o tema, um reflexo de como entrou para valer na roda. A chamada “economia climatérica” deve movimentar 527 milhões de dólares no Brasil até 2030, segundo o hub Data8 e a startup No Pausa. De cosméticos a podcasts, passando por livros e suplementos, o mercado descobre um público vigoroso e exigente. Na Flip, em agosto, a escritora Ana Maria Gonçalves, 55 anos, primeira mulher negra eleita para a Academia Brasileira de Letras, leu um trecho de seu próximo livro sobre, sim, a menopausa. “No meio do peito, sobe um bafo quente, poderoso, que só se dissipa depois de aquecer, avermelhar e molhar meu rosto, empapar de suor o pescoço e o couro cabeludo fazendo com que eu me desconcerte completamente no meio do que estiver fazendo. À noite, é pior. Durante pelo menos dois minutos não há absolutamente nada que eu possa fazer”, dizia suas bem escritas linhas, enquanto a autora abanava-se com um leque sob aplausos calorosos. Eis uma nova geração de mulheres que vem dissolvendo esse e tantos outros tabus. Como ensinou a sábia Rita Lee, “vestidas para matar em pleno climatério”, elas seguem reescrevendo a história da maturidade feminina, com brilho, humor e samba no pé.
Livros de cabeceira
Seis “bíblias” sobre os ciclos do climatério
Em Vou Te Contar: Tudo O que Queria Que Tivessem Me Falado Sobre A Menopausa, a atriz e empresária australiana Naomi Watts escreve relatos sinceros sobre como passou por este período.
Popularmente classificado como um “romance estrogênico”, Miranda July conta a história de uma mulher que parte em viagem solo e aborda temas como envelhecimento, desejo e transformação na menopausa, em De Quatro.
O Que Ninguém Te Conta Sobre a Menopausa: Um Guia Para Entender e Abraçar Essa Fase da Vida, da jornalista de saúde Jancee Dunn, enumera dicas e conselhos para abraçar a perimenopausa.
Best-seller do The New York Times em 2025, com mais de 465 000 exemplares vendidos A Nova Menopausa: Viva a Fase da Mudança Hormonal Com Informação e Autonomia, de Mary Claire Haver, traça um olhar moderno sobre a saúde feminina.
A neurocientista Lisa Mosconi fala sobre os efeitos da queda hormonal em O Cérebro e a Menopausa.
Membro da International Society For The Study of Women’s Sexual Health, a carioca Isabela Fortes apresenta um manual com perguntas e respostas em Perimeno Quê?: Uma Conversa Sobre Os Hormônios A Partir dos 40, lançado em outubro.
Verdades e mentiras
Isabela Fortes, especialista em saúde da mulher, desmistifica esse intrincado período
Terapia de reposição hormonal pode causar câncer. Mito.
O risco de câncer independe do uso da TRH, mas é comprovado cientificamente que a terapia não causa câncer.
Não há risco de gravidez após a menopausa. Verdade.
Após essa fase, não há chance de engravidar. Entretanto, na perimenopausa, há, sim, a possibilidade.
A TRH melhora a vida sexual. Mito.
A vida sexual é multifatorial, e a reposição, sozinha, não opera milagre.
A confusão mental é um dos sintomas da perimenopausa. Verdade.
A névoa cognitiva é comum no pré-menopausa e tende a melhorar um pouco ao final da transição.
É preciso ficar doze meses sem menstruar para iniciar a TRH. Mito.
Pode-se adiantar o tratamento para prevenir doenças cardiometabólicas, neurodegenerativas e ósseas.
A menopausa só começa depois dos 45 anos. Mito.
Não existe idade certa para o fim da fase reprodutiva feminina.
Sem censura
Outras famosas escancaram experiências e agruras típicas da fase
“Durante muito tempo, eu não sabia dar nome para o que eu estava sentindo. Retenção de líquido, mudança na pele, uma fadiga estranha, uma tristeza que parecia vir do nada e o corpo que eu conhecia tão bem começou a se transformar silenciosamente. Depois de leituras e lágrimas, entendi que estava na perimenopausa”, Letícia Spiller.
“Não menstruar, enfrentar a secura vaginal… É muito complexo. Eu me sinto muito jovem e esqueço a idade que tenho. É como se a minha alma não acompanhasse tudo que eu ainda quero fazer”, Ingrid Guimarães.
“É um desserviço a gente não falar sobre um assunto que toda mulher vai encarar. O preconceito está muito mais na nossa cabeça, e eu não quero passar por isso sozinha”, Luana Piovani.
“Logo depois do puerpério, entrei na menopausa com o pé no peito. Tive fogacho, insônia, e irritabilidade. Sou uma pessoa alegre e, de repente, virei um demônio, uma mulher que reclama de tudo. Essa pessoa não sou eu”, Cláudia Raia.
“O mais chocante da menopausa, para mim, foi perder a libido. Não ter vontade de transar me afeta como mulher e também afetou o meu casamento. Dizer não para o Rodrigo Hilbert é uma responsabilidade enorme”, Fernanda Lima.
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