Saúde mental: aumento das taxas de suicídio amplia projetos de prevenção
Datasus mostra um crescimento de 143% entre 2003 e 2023 em jovens de 15 a 29 anos; organizações públicas e privadas criam campanhas de conscientização

Assim que entrou na adolescência, Agatha Quirino, hoje com 15 anos, passou a frequentar sessões de terapia quinzenalmente. A jovem vive na Cidade de Deus e, durante a pandemia, a menina não conseguia expressar os próprios sentimentos. “Ela ficava triste, chorava e gritava. Desde que começou o tratamento, temos conseguido estabelecer diálogos”, orgulha-se Marcela Quirino, mãe de Agatha. A mudança só foi possível por conta do projeto Nóiz. Inspirada pela música de Emicida de mesmo nome, a ONG promove oficinas e cursos profissionalizantes para pessoas em situação de vulnerabilidade social e, há cerca de três anos, incluiu consultas gratuitas com psicólogos e psiquiatras. “Quem está de fora não consegue conceber a violência psicológica gigante que os moradores de favelas sofrem”, desabafa André Melo, fundador e presidente da instituição. Além do acompanhamento recorrente, o programa disponibilizou um plantão da saúde mental, que consiste em atendimentos mensais e abertos, com quatro profissionais da área. A ideia foi do professor da UFRJ e membro da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) Ervin Cotrik. “Eu vi o André falando sobre o projeto num programa de TV e, coincidentemente, ele se tornou meu paciente. Eu o reconheci e perguntei como poderia ajudar”, relembra o médico.
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Criado há dez anos, o Setembro Amarelo é uma campanha de prevenção ao suicídio cuja missão é quebrar tabus, reduzir estigmas que cercam os distúrbios mentais e estimular que as pessoas busquem e ofereçam ajuda — o tema deste ano é Conversar Pode Mudar Vidas. O Centro de Valorização da Vida (CVV), um dos organizadores do movimento, recebe ligações 24 horas por dia através do número 188. “Educar adolescentes e crianças nas escolas sobre saúde mental, identificando os sinais de alerta faz com que qualquer pessoa possa ser instrumentalizada para oferecer ajuda a um colega”, adverte o psiquiatra e professor do programa de pós-graduação do Instituto de Psiquiatria da USP Rodolfo Damiano. A preocupação com os jovens não é aleatória: o maior crescimento dos casos de suicídio e depressão no estado é entre pessoas de 15 a 29 anos. Nesta faixa etária, o Datasus mostra que, em 2013, foram 83 mortes registradas no Rio. Já em 2023, o número subiu para 202, um aumento em números absolutos de 143%, mesmo que essa população tenha diminuído na última década. “A urbanização e o excesso de redes sociais provocam um isolamento do mundo, sem o cuidado recíproco e a conexão com o outro”, explica Damiano.
![Veja Rio [2963] box-pg-23 Em Pauta: especialistas orientam sobre como lidar com pessoas com questões de saúde mental](https://vejario.abril.com.br/wp-content/uploads/2025/09/Veja-Rio-2963-box-pg-23.jpg?quality=70&strip=info&w=650)
Organizações como a Arte de Viver, fundada pelo indiano Sri Sri Ravi Shankar, enxergam na integração de corpo e mente um combate às ânsias contemporâneas. “A partir de técnicas de respiração conseguimos controlar nossas emoções em meio a tantas demandas externas”, explica Ajay Tejasvi, membro da organização, que faz parte do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas. No entanto, por mais que o contexto social seja essencial nos cuidados com a mente, em alguns casos é necessária ajuda especializada. O município conta com quarenta Centros de Atendimento Psicossocial (CAPs) voltados a esse tipo de atendimento — desses, onze são CAPSis, especializados no público infantojuvenil. Além dos centros, os serviços específicos para jovens incluem a Rede de Adolescentes e Jovens Promotores de Saúde (RAP da Saúde). “A gente procura capilarizar a comunicação a partir de uma estratégia de conversa entre pares. A rede é formada por jovens bolsistas treinados para iniciar discussões com adolescentes em escolas e comunidades”, descreve o superintendente da Saúde Mental da secretaria municipal de Saúde, Hugo Fagundes. Na visão de Rodolfo Damiano, uma das principais preocupações ao promover campanhas de conscientização sobre o suicídio é não deixar que o discurso seja pautado pela morte. “Não se pode patologizar e punir pessoas com risco de suicídio, nem romantizar o ato”, pondera. O desafio é mostrar que a vida vale a pena ser vivida.