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Rompendo a barreira do som: rolezinhos de moto passam dos limites no Rio

Encontros com centenas de motociclistas que cruzam a cidade roncando motores tiram o sono de cariocas e ameaçam a segurança de motoristas e pedestres

Por Paula Autran
19 jul 2024, 06h00
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Foi dada a largada na fiscalização: foco das autoridades são ilegalidades e infrações, como falta de licenciamento ou de habilitação, carteira de motorista vencida, condução de veículo em mau estado de conservação, sem placa ou com placa adulterada ou sem legibilidade.  (istock/Getty Images)
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O convite, divulgado pela internet, não deixava margem para dúvidas: o aniversário de 23 anos de Mauro Davi dos Santos Nepomuceno, o Oruam, em uma quinta-feira de fevereiro, seria mesmo do barulho. E no sentido mais literal possível do termo. Filho de Marcinho VP, líder do Comando Vermelho preso há 28 anos, o rapper com mais de 8 milhões de seguidores no Instagram convocava a turma para um “mega rolezn especial”, com direito à equipe de som e superqueima de fogos. O endereço era volante. A concentração, marcada para as 22 horas, foi na Penha, na Zona Norte, e por volta da 1 da madrugada a festa começou a se espalhar por várias vias do Rio. Ao longo de 40 quilômetros, centenas de motociclistas percorreram bairros como Lapa, Maracanã e Barra buzinando, roncando motores e empinando motos, não raro na contramão. A comemoração itinerante é um exemplo dos ruidosos — e muitas vezes mal-educados — passeios motociclísticos noturnos que vêm se irradiando pela cidade, tirando o sono dos cariocas e virando alvo de justificada fúria. “Você está dormindo e acorda no susto, aí corre para a janela e sente medo com aquela cena”, descreve Emanuelle Barreto, que mora com o filho de 7 anos na Voluntários da Pátria, em Botafogo. Nos últimos quatro meses, os dois enfrentaram esse pesadelo três vezes.

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Mapear esses passeios fora de hora é um desafio e tanto para as autoridades. Em geral, o local de partida só é revelado meia hora antes em grupos de mensagens em aplicativos ou nas redes sociais. Há alguns indicadores de que esses estrondosos eventos caminham sobre uma curva crescente, o que se pode medir pelo congestionamento das linhas do 190, telefone de emergência da Polícia Militar, com queixas de problemas variados associados à prática. Nos primeiros seis meses do ano, foram registradas 1 052 reclamações de disputa de corrida não autorizada, contra 273 no mesmo período de 2023. Transitar em velocidade incompatível, às vezes em locais de concentração de gente, gerou 902 reclamações entre janeiro e junho — nos mesmos meses do ano passado, foram 258. “Todos têm o direito constitucional de se reunir, mas, se isso produzir impacto na dinâmica da cidade, tem de haver uma comunicação prévia para a preparação do espaço”, esclarece a tenente-coronel Claudia Moraes, porta-voz da PM, lembrando que os rolezinhos por si só não configuram crime e, se respeitarem as regras básicas do bom senso, têm seus contornos culturais.

A festa de Oruam: convocação pela internet e transtornos por 40 quilômetros
A festa de Oruam: convocação pela internet e transtornos por 40 quilômetros (Cadu Andrade/Divulgação;/Reprodução)

O termo rolezinho, aliás, começou a circular há pouco mais de uma década e ganhou status de vocábulo de dicionário — “é a reunião de um grande número de pessoas que, através de redes sociais ou de mensagens de celular, combinam um encontro num centro comercial, num parque ou noutro local público para passear”, define o Priberam, de português contemporâneo. Os primeiros de que se tem notícia eram a pé e tinham como cenário shoppings de São Paulo, lá por 2013. Em dezembro daquele ano, um deles reuniu 6 000 adolescentes no Shop­ping Metrô Itaquera, na Zona Leste. Algumas lojas fecharam com medo de saques. O estabelecimento encerrou o expediente mais cedo. Temendo o impacto negativo nas vendas, muitos centros comerciais ingressaram na Justiça para impedir tais eventos. Alguns conseguiram liminares proibindo as reuniões, sob pena de multa de 10 000 reais para quem infringisse a determinação. Mas isso não freou o ímpeto barulhento de uma fatia da população. Em 2014, a 14ª Vara Cível do Rio garantiu ao Shop­ping Leblon a mesma blindagem antirrolezinho. Imagens de um desses encontros promovidos por ciclistas inundaram a internet em junho deste ano. Eles passavam pelas pistas da orla de Copacabana e pelo Arpoador num domingo, dia em que o espaço está fechado para o lazer, fazendo manobras arriscadas e empinando as bicicletas.

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Fiscalização: 1 030 motos recolhidas e 1 166 multas emitidas em dois meses de blitze
Fiscalização: 1 030 motos recolhidas e 1 166 multas emitidas em dois meses de blitze (Fábio Costa/Seop/Divulgação)

Foi durante a pandemia que as motocicletas aderiram com tudo aos rolés, o que passou a preocupar ainda mais as autoridades por causa do risco de ocorrências graves envolvendo não apenas os participantes, mas também motoristas e pedestres. Em junho de 2021, doze pessoas ficaram feridas e uma jovem de 26 anos morreu em um acidente com dez motocicletas em uma dessas arriscadas voltinhas noturnas no Arco Metropolitano, na altura de Duque de Caxias, Baixada Fluminense. Uma delas tombou, provocando a queda das demais. São justamente os jovens, sobretudo das periferias, que mais atendem às convocações para esses peculiares passeios. Está quase tudo registrado em vídeos postados nas redes, como o do próprio Oruam, que não largou o celular nem quando o condutor empinou a moto em que ele viajava na garupa.

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As queixas de perturbação do sossego também se intensificaram na central de atendimento 1746, da prefeitura do Rio. Tanto que em maio a Secretaria de Ordem Pública (Seop) se uniu à PM em operações praticamente diárias de fiscalização contra irregularidades cometidas durante rolezinhos.

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Claudia Moraes, tenente-coronel da PM: “Trabalho de inteligência e planejamento estratégico”
Claudia Moraes, tenente-coronel da PM: “Trabalho de inteligência e planejamento estratégico” (Carlos Magno/Governo do Estado do Rio/Divulgação)

As ações, que são preventivas e têm formato de blitz, contabilizam cerca de quarenta agentes e ocorrem em pontos estratégicos, a partir do monitoramento das redes. O foco são ilegalidades e infrações, como falta de licenciamento ou de habilitação, carteira de motorista vencida, condução de veículo em mau estado de conservação, sem placa ou com ela adulterada ou sem legibilidade. Em dois meses, foram recolhidas 1 030 motos e emitidas 1 166 multas. “Além de ordenar o trânsito, colaboramos com a segurança pública”, explica o secretário de Ordem Pública, Brenno Carnevale, frisando que essas operações não acontecem no meio dos rolezinhos. “Não seria inteligente nem seguro”, diz. Já houve casos de uma viatura da polícia ser cercada por centenas de motos. Segundo a tenente-coronel Claudia Moraes, a orientação nessas situações é que os agentes recuem e informem ao sistema de comando o que está se passando, até para a sua própria segurança. “Este tem de ser um trabalho de inteligência e planejamento estratégico”, alerta. Que as autoridades consigam zelar pelos ouvidos dos moradores.

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