Muito mais que música: Rock in Rio está de volta com recorde de atrações
Após um hiato forçado de três anos, o festival de Roberto Medina traz 250 shows de 670 artistas e vinte espaços com atrações para os mais diversos públicos
O cronômetro parou em tempo recorde: 1 hora e 28 minutos. Essa foi a exígua janela em que os 200 000 Rock in Rio Cards, postos à venda em setembro de 2021, se esgotaram, um ano antes de o festival dar a largada. A compra garantia a entrada para um dos sete dias de festa, àquela altura sem nenhuma estrela do primeiro time confirmada, e custava 545 reais.
O frenesi para garantir um lugar chamou atenção, sobretudo porque ainda pairavam incertezas no ar com o avanço da Covid-19, que inclusive já havia adiado o grande encontro da música. Um sinal inequívoco de que as pessoas queriam e seguem querendo mais do que nunca celebrar, depois de tão longo período reclusas e cercadas de restrições. Pois esta edição do Rock in Rio proporcionará 500 horas de diversão nos palcos e fora deles, registrando um número recorde de atrações numa história que já crava 37 anos, desde aquele longínquo e inesquecível 1985.
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A maratona musical será recheada de números superlativos. Para começar, somará 250 shows de 670 artistas nacionais e internacionais — Justin Bieber, Dua Lipa, Coldplay e Iron Maiden entre eles (veja outros nomes no quadro abaixo) — distribuídos por oito palcos em uma agitação que se estenderá entre os dias 2 e 11 de setembro na Cidade do Rock, que volta a ocupar o Parque dos Atletas, na Barra.
Nesta nova era, o tom da celebração mudou e se ampliou conforme o planeta deu suas voltas. “Não é mais um evento só de música, mas uma experiência completa. É isso que as pessoas buscam, tanto assim que compraram ingressos sem nem saber quem estaria no palco”, observa o especialista em inovação e tendências Arthur Igreja, coautor do livro Rock in Rio: a Arte de Sonhar e Fazer Acontecer.
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Desde a primeira edição, quando milhares de pessoas enlameadas pela chuva que alagou um distante terreno na Barra cantaram e dançaram ao som de ídolos de todos os matizes, muito mudou. A escalação dos músicos, ao longo do tempo, virou apenas uma das várias operações em uma engrenagem logística como poucas no universo dos festivais.
O publicitário Roberto Medina, à frente desta engenharia desde os primórdios, passou a se debruçar sobre questões que se tornaram fundamentais — do transporte ao conforto da estrutura oferecida, da comida servida a atrações para todas as idades entre um show e outro. “Garantir uma boa experiência está no centro de nossas preocupações, é o grande objetivo. A gente cria tudo a partir dela”, diz Roberta Medina, vice-presidente do festival, que, aliás, ganhou o apelido de Disneylândia da música. Ali, tem tirolesa, roda-gigante, montanha-russa e até uma capela para a realização de casamentos de brincadeira. Para elevar a adrenalina, haverá ainda um muro de escalada com dois tobogãs e um simulador de voo.
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A virada de página do Rock in Rio, um movimento gradativo ao longo dos anos, alçou o evento à chamada “era da experiência”, termo que surgiu em 1998, quando Joseph Pine e James Gilmore escreveram o artigo Welcome to the Experience Economy (Bem-vindo à economia da experiência). Nele, os pesquisadores da Universidade Harvard defendiam a ideia de que as organizações deveriam “planejar eventos criativos e memoráveis para seus clientes”.
A ideia central é que momentos felizes, daqueles que não se apagam, adicionam valor à marca. E está claro que eles precisam ser cada vez mais plenos e intensos, esta é uma demanda moderna exacerbada pela pandemia. “As pessoas se acostumaram a ter uma vida caseira e a usar os recursos da internet para atividades que antes só faziam na rua. Para sair, elas exigem agora mais estímulos, algo especial. Do contrário, continuam on-line”, explica a antropóloga Isabella Petrosillo, pesquisadora do Lab de Tendências da Casa Firjan.
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A questão pós-pandêmica, de atrair as pessoas para o mundo presencial tirando-as da inércia virtual, é um desses nós contemporâneos que requerem trabalho árduo para desatar. “É necessário, mais do que nunca, oferecer um leque de possibilidades para motivar as pessoas”, reforça Isabella. A organização do Rock in Rio redobrou os esforços nesta direção, multiplicando as chances de diversão.
A área reservada aos games, por exemplo, foi turbinada com um generoso palco para finais de campeonatos. Por lá, também haverá apresentação de DJs e atrações das principais marcas da indústria dos jogos ao lado de máquinas vintage de pinball e arcade, para entreter pais e filhos. “Na edição de 2017, que lançou o Game XP no festival, 360 000 pessoas estiveram lá, mais da metade do público presente, fazendo com que ele se tornasse um evento-solo. Entendemos que esse é um conteúdo relevante e hoje integrado com a música”, observa Paula Magrath, a responsável pela Gameplay Arena.
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Quando se fala em experiência, quanto mais imersiva ela for, melhor. Para engatar em uma jornada multissensorial, a Nave, instalada no Velódromo do Parque dos Atletas, será desta vez inspirada na Amazônia: quem visitar a arena, desenvolvida numa parceria com a Natura, se transportará para a maior floresta tropical do planeta para vivenciar, entre outras coisas, um toró típico da região, com direito a trilha sonora sob medida e calor amazônico. “Ainda usamos a expertise do nosso núcleo olfativo para customizar uma fragrância com bioingredientes que estamos mapeando para chegar ao cheiro da chuva de lá”, entrega Fernanda Paiva, chefe global da área de branding cultural da empresa.
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A transformação do Rock in Rio em algo além de um festival de música começou a ser delineada logo na terceira edição, em 2001. O dia que reuniu Sandy e Junior, Britney Spears, ’N Sync, Aaron Carter e Five registrou um público diferente. Apareceram de repente muitos adolescentes e crianças acompanhados dos pais, veteranos de outros festivais, o que surpreendeu a organização. A mistura pôs combustível na usina de ideias dos organizadores. “Começamos a pensar em como acolher tantos públicos, para que todos tirassem o melhor proveito da festa”, lembra Roberta.
Na edição seguinte, a primeira em Lisboa, três anos mais tarde, a chavinha já havia virado. Aplicou-se naquele festival o conceito mais vasto de entretenimento, com a inclusão de um parque temático com roda-gigante, pista de snowboard e a tão concorrida tirolesa. Com uma década de estrada em terras cariocas, a aventura aérea já registrou fila de espera de inacreditáveis seis horas. Mas calma, que isso também mudou: é possível agendar horário no app do próprio Rock in Rio. Dá para três pessoas deslizarem pelos 210 metros ao mesmo tempo, dando um “rasante” que dura entre quarenta e cinquenta segundos sobre a multidão defronte ao Palco Mundo, com suas 200 toneladas de aço 100% reciclado — o equivalente à fabricação de 200 carros. É como um prédio de dez andares com a largura de duas piscinas olímpicas.
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Os festivais de música tal qual conhecemos têm suas raízes no fim da década de 60. O mais conhecido deles é Woodstock, que em três dias de agosto de 1969 juntou 400 000 pessoas embaladas pela contracultura em uma fazenda de gado leiteiro no estado de Nova York para assistir a 32 dos mais conhecidos músicos do momento, entre eles Joan Baez, Santana, Janis Joplin e The Who. A organização penou. Os problemas de acesso eram tantos que, no segundo dia, tiveram de acionar helicópteros para lançar frutas e sanduíches para a plateia. Dois anos antes, 40 000 fãs já haviam se deslocado para um parque estadual no alto do Monte Tamalpais, ao norte de São Francisco, para ver bandas como The Doors e The Byrds. Detalhe: as apresentações tinham de parar ao cair da noite, uma vez que inexistia eletricidade no local.
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No Brasil, um dos primeiros grandes eventos do gênero foi o Hollywood Rock, pilotado em 1975 por Nelson Motta, que reuniu Celly Campello, Raul Seixas, os Mutantes e outros, no Estádio de General Severiano. Até então, tudo era música, celebração e protesto, naqueles tempos inflamados. E os festivais cresceram, apareceram e se profissionalizaram mundo afora. Só nos Estados Unidos, há mais de 800, enquanto na Inglaterra, são 450 por ano.
Entre os mais disputados estão o Coachella, criado pouco mais de três décadas atrás, seguido do Bonnaroo, que estreou três anos depois, e o Lollapalooza, de 1991. Este acabou se tornando uma franquia global, espalhando-se pela América do Sul e pela Europa. O Rock in Rio já contabiliza vinte edições: oito no Brasil, oito em Portugal, três na Espanha e uma nos Estados Unidos. Em 2008, pela primeira vez foi realizado em um mesmo ano em dois locais diferentes, Lisboa e Madri. “Alguns saudosistas reclamam que o Rock in Rio foi gourmetizado, que parece um shopping, mas a verdade é que ele acabou nivelando por cima”, avalia o especialista Arthur Igreja.
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No terreno musical, é no célebre Palco Mundo que ocorrem as apresentações de turnês de grandes artistas internacionais e brasileiros, à base de muita interação com a plateia. Mas há outros espaços, com direito a experimentação. O Sunset, por exemplo, que surgiu em 2008, em Lisboa, demoliu o mito de que show bom só acontece de noite. Ele também une em uma mesma apresentação artistas de distintas gerações e gêneros, não raro com a aparição de um convidado-surpresa que acaba por compor belos encontros inéditos. Avril Lavigne, Gilberto Gil e Macy Gray estão no rol dos que soltarão a voz por lá.
Já o Espaço Favela abre os microfones para figuras egressas de comunidades e tem em seu cardápio do metal ao funk, passando pelo trap e pelo pagode, enquanto o Supernova aposta em novos nomes e projetos paralelos de artistas consagrados. “O objetivo é acolher, criar oportunidades para públicos com gostos diferentes”, enfatiza Roberta Medina. Agora, é contagem regressiva. O Rock in Rio é nosso outra vez.
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O MICROFONE É DELES
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Dua Lipa, Justin Bieber, Camila Cabello, Megan Thee Stallion, Måneskin, Post Malone, Migos. A escalação do Rock in Rio neste ano está repleta de nomes que todo mundo quer ouvir e nunca pisaram nos palcos do festival. Outros são veteranos, como o Capital Inicial, que já tocou seis vezes na edição carioca e uma em Portugal, e Ivete Sangalo, com cinco apresentações por aqui e outras nove entre Lisboa, Madri e Las Vegas.
Logo atrás, vêm Guns N’ Roses, Iron Maiden e Gilberto Gil, com quatro shows cada. “Outro dia, dei risada com a Ivete, que disse: ‘O Medina tem uma quedinha por mim.’”, conta Roberta Medina, a vice-presidente do festival. “Se você olhar esses nomes que estão sempre conosco, eles entregam uma grande experiência para o público, jogam muito bem coma plateia e mobilizam multidões.” É tudo o que o Rock in Rio quer.
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O TURISMO AGRADECE
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“Todos numa direção / Uma só voz, uma canção / Todos num só coração.” A música-tema do Rock in Rio evoca a ideia de que o festival está aí para cativar um público que extrapola fronteiras e se une embalado por um mesmo som. Pois na nona edição mais de 10 000 pessoas de 31 países garantiram ingressos, além de 350 000 brasileiros de outros estados.
O Galeão espera um incremento de aproximadamente 22 000 passageiros entre os dias 1º e 15 de setembro, um avanço de 11% em relação à primeira quinzena de agosto. De acordo com o Hotéis RIO, mais de 60% dos quartos já estão reservados para a primeira semana da festa, com destaque para os da Barra e São Conrado (79%), região onde se desenrolam os shows. Um dos hotéis oficiais do evento, o LSH by OWN Lifestyle Hotel, de frente para a Praia da Barra, já registrava em julho 95% de ocupação para o período. Que venham os turistas.
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