Perigo sobre duas rodas
Com uma vasta rede de ciclovias, o Rio ainda é um lugar arriscado para quem anda de bicicleta
Nos últimos tempos, moradores e visitantes do Rio foram estimulados a percorrer a cidade pedalando. Como resultado, nada menos que meio milhão de pessoas utilizam bicicletas, todos os dias, para se locomover pela capital. Contamos ainda com 300 quilômetros de vias voltadas para ciclistas, a maior malha de todo o país, e com um bem-sucedido programa de locação com sessenta estações, número que deve triplicar nos próximos meses. No entanto, uma ameaça sombria paira sobre esse cenário tão positivo. Na última terça (30), o triatleta Pedro Nikolay, de 34 anos, perdeu a vida ao ser atropelado por um ônibus enquanto treinava em um trecho autorizado para esse fim na Avenida Vieira Souto, em Ipanema. No dia seguinte, outro esportista, o empresário Alberto da Silveira Júnior, de 40 anos, feriu-se na cabeça ao ser atingido por um automóvel na Praça da Bandeira. Há um mês, no domingo de Páscoa, a diretora de TV Gisela Matta morreu depois de um choque com um coletivo, enquanto passeava pelo Leblon. “Vivemos hoje uma situação de extremo risco”, diz o presidente da Federação de Ciclismo do Estado do Rio, Cláudio Santos. “O desrespeito às leis é generalizado. Um exemplo é a lei que determina que veículos motorizados mantenham a distância de 1,5 metro do ciclista.”
Quem cai de uma bicicleta corre o risco de sofrer lesões graves. Para tentar se proteger, é comum que o ciclista utilize as mãos, o que torna esses membros do corpo, além dos punhos, braços e antebraços, as partes mais vulneráveis. Mas a região mais delicada é a cabeça. Ferimentos no rosto são frequentes, assim como traumatismos no crânio. Dependendo do ponto em que a cabeça da pessoa for atingida, haverá risco inclusive de lesão na medula óssea, o que pode deixar a vítima paraplégica. “Atletas, que em geral desenvolvem velocidade maior, devem redobrar a atenção, pois existe o perigo de sofrerem politraumatismo e lesões nos órgãos internos ao ser lançados contra o chão ou outros obstáculos”, afirma José Maurício de Morais, cirurgião e chefe do setor de ortopedia do Hospital Universitário Pedro Ernesto. É possível reduzir os riscos com medidas como evitar fones de ouvido, que prejudicam a concentração, e relógios metálicos, que podem causar ferimentos no pulso. “Também é fundamental usar o capacete próprio, que protege o rosto”, explica.
Acidentes com ciclistas acontecem em todos os lugares do mundo, até mesmo em cidades onde esse tipo de transporte já está definitivamente incorporado ao dia a dia, como Paris, Nova York e Berlim. No caso do Rio, porém, chama atenção o clima de guerra entre os que se locomovem de bicicleta e os motoristas. Com ciclovias que raramente se conectam, é comum a turma das duas rodas ser obrigada a utilizar a faixa de rolamento de automóveis (trafegar na calçada é terminantemente proibido). Apenas um dia antes de Nikolay se acidentar na Vieira Souto, o site dinamarquês Copenhagenize.com, que produz anualmente um respeitado ranking de cidades amigáveis ao ciclismo, fez sérias ressalvas ao Rio. Apesar de termos nos saído bem com a expansão da rede de ciclovias e conquistado a 12ª posição entre um total de oitenta localidades avaliadas, recebemos críticas duras. “A cidade necessita, desesperadamente, de medidas que acalmem seu tráfego”, escreveram os autores do levantamento. “É muito bizarro que o limite de velocidade ao longo da orla, por exemplo, seja 70 quilômetros por hora.” A velocidade dos carros é um fator decisivo no grau de letalidade dos acidentes. Motoristas que abusam do acelerador eliminam a chance de sobrevivência do ciclista em caso de colisão. As estatísticas evidenciam que uma batida com um veículo a 50 quilômetros por hora é mortal em 90% dos casos.
Transformar o Rio em uma metrópole que favoreça e apoie o ciclismo não é um luxo ou delírio de ativistas antiautomóveis. É um dos compromissos assumidos pela prefeitura para a realização dos Jogos Olímpicos de 2016. Atualmente já temos a maior rede de ciclovias do país e a segunda da América Latina, mas estamos longe de alcançar lugares como Eindhoven, na Holanda, onde as autoridades construíram uma espetacular estrutura suspensa para as bicicletas sobre um movimentado cruzamento da cidade. E nem precisa tanto. Basta oferecer condições mínimas de segurança para que as pessoas que adotaram esse meio de transporte ou lazer não morram nas ruas.