A pergunta de um milhão de dólares que paira no Rio2C, meca da inovação
Nomes internacionais de áreas como audiovisual, esporte e moda presentes na 7ª edição do festival respondem: como a cidade pode explorar suas principais forças?

Houve um tempo – nem faz tanto tempo assim – em que era preciso apelar para a vasta oferta de belezas naturais e o charme dos bairros cariocas para convencer pesos-pesados do mundo corporativo global e estrelas de todos os naipes a abraçar a ideia do Rio2C, hoje o maior encontro de criatividade da América Latina. “Parecia que eu estava falando grego. Esse tipo de evento não era comum por aqui”, lembra o CEO Rafael Lazarini, que colocou de pé a primeira edição, em 2016. Foram inúmeras as vezes em que ele teve de assumir o papel de guia turístico, encantando os forasteiros com toda as maravilhas reunidas sob esta moldura. Em 2019, levou Charlie Brooker, criador da série Black Mirror, à Floresta da Tijuca para plantar uma árvore, a pedido do próprio roteirista. Capitaneou ainda tours que nem sempre constam no roteiro, como um passeio pela Praia de Grumari, na Zona Oeste. Pois, com o esforço para atrair outros encontros do gênero para estas areias, como o Web Summit e o Rio Innovation Week, e os bons ventos insuflados pela vocação da cidade para pautar discussões que reverberam mundialmente, o jogo virou. “Agora, tem convidado que pede para trazer um parente ou esticar a estadia até o fim de semana”, conta Lazarini, que esclarece: não há cachê envolvido.

Numa espécie de radar do amanhã, o Rio2C antecipa tendências e norteia empresas e profissionais, além de fomentar políticas públicas. Na sétima edição, que acontece entre os dias 27 de maio e 1º de junho, na Cidade das Artes, o line-up de peso inclui a cantora Iza; a espanhola Esther Garcia, sócia da produtora El Deseo, dos irmãos Almodóvar; Mary Livanos, diretora de produção e desenvolvimento da Marvel Studios; e Diego Ramírez-Schrempp, produtor-executivo da aguardada série colombiana Cem Anos de Solidão. Eles se juntam a mais de 2 000 especialistas distribuídos em quinze palcos temáticos e multidisciplinares. A novidade deste ano é a inclusão da moda na programação ó mas sem nenhum desfile, frisa Lazarini. “Queríamos vozes que discutissem o tema com relevância e profundidade.” Uma delas é a da estilista britânica Bella Freud, bisneta de Sigmund e criadora do podcast Fashion Neurosis, que dividirá o palco com a psicanalista Maria Homem para um papo sobre estilo, identidade e neuroses contemporâneas.

O pano de fundo de todas as discussões será a tecnologia sob uma perspectiva humanista, refleti – da no tema desta edição: No Limite da Perfeição. “A tecnologia pela tecnologia provoca mais malefícios que benefícios. É preciso que ela tenha um propósito”, observa Lazarini, citando a intenção do prefeito Eduardo Paes de fazer do Rio uma referência em inteligência artificial. “Mas não podemos perder a irreverência. O carioca já nasce sem caixa para pensar fora dela”, resume. Essa inventividade nata, aliás, é uma das grandes apostas para o futuro da cidade. “Em tempos dominados pela inteligência artificial, a criatividade humana será cada vez mais valorizada. E o povo do Rio é naturalmente criativo e inovador”, diz Sidney Levy, presidente da Invest.Rio, empresa de promoção e atração de investimentos. Segundo ele, esse ativo ó a capacidade de criar, improvisar e inovar ó pode se tornar estratégico para o desenvolvimento econômico do município. “Eventos como o Rio2C geram oportunidades reais de novos empreendimentos.”
Os números confirmam o potencial: dados do Mapeamento da Indústria Criativa no Brasil, da Firjan, mostram que a participação do setor no PIB nacional subiu de 2,61%, em 2017, para2,91%, em 2020, somando 217,4 bilhões de reais. No estado do Rio, o desempenho é ainda mais expressivo: 4,62%. “Com a ascensão das plataformas de streaming, a indústria audiovisual e musical vive um momento promissor para lançamentos de alto impacto ó e o
Brasil, em especial o Rio, tem tudo para liderar esse movimento”, projeta Sergi Reitg, vice-presidente de premium content da Sony Music Vision Latin-Iberia, de volta à conferência neste ano. “No fim, nosso objetivo é mostrar que o Rio não só tem a matéria-prima para alimentar uma indústria criativa robusta – ele pode viver disso”, diz Lazarini. Às vésperas do evento, VEJA RIO convocou seis especialistas internacionais de diferentes áreas, da moda à psicologia – todos de malas prontas para os debates -, para responder a uma pergunta que interessa a quem vive por aqui: como a cidade pode explorar suas principais forças de maneira inovadora? Criatividade, afinal, é o que não nos
falta.
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americano divide com o público, em 30 de maio, o processo de construção de heróis e analisa o vigor do audiovisual carioca (David Lee/Divulgação)
Bem mais que um cenário
Chris Brancato, criador de séries de sucesso, como Narcos e Godfather of Harlem
“Após o fenômeno Ainda Estou Aqui, o Rio está numa encruzilhada onde beleza, história e narrativa se encontram. A cidade é visualmente magnética, lar de talentos cinematográficos incríveis e agora tem credibilidade no panorama internacional. O próximo passo, na minha opinião, é investir em infraestrutura, com apoio financeiro das esferas públicas. A verdadeira oportunidade está em exportar narrativas que ressoem universalmente. O filme de Walter Salles venceu o Oscar não pelo cenário, mas pela história que contou. O Rio precisa nutrir roteiristas, diretores e showrunners que possam moldar verdades de impacto internacional. Essa é a fórmula. Ao encorajar talentos e realizar parcerias inteligentes com streamers globais ávidos por novas perspectivas, naturalmente ganhará espaço na indústria.”

O jeitinho como potência
Ronald Fischer, pesquisador alemão do iDor pioneer Science, daRede D’o, é ph.D. em psicologia social
“O Rio é cheio de contrastes: tão vibrante e criativo quanto marcado por desigualdades que limitam sua força. A neurociência pode ajudar a entender e ampliar essa engenhosidade, apontando soluções para os desafios que o sufocam. O famoso ‘jeitinho brasileiro’ é um traço cultural essencial que leva à habilidade única de improvisar
soluções com recursos limitados. Essa flexibilidade mental e a capacidade de se adaptar são trunfos para a inovação. A neurociência explica que a inovação muitas vezes surge justamente de restrições, e o carioca é expert nisso. A desigualdade e a insegurança, no entanto, geram estresse crônico, prejudicando a função cognitiva. A união de insights da neurociência, políticas públicas e energia do morador é o caminho para que a cidade se torne referência global da indústria criativa. O caminho é valorizar sua criatividade natural, mas também criar condições para que ela floresça em todos os cantos da cidade.”

A língua não é uma barreira
Dustee Jenkins, diretora do Spotify, falará sobre o papel das relações públicas na construção do futuro do streaming de música
“A cena musical carioca é icônica e merece ser celebrada no mundo todo. Em 2024, os repasses globais de royalties do Spotify para canções em português subiram 20%, uma prova do alcance cada vez maior da produção nacional. E o melhor de tudo é que o lucro gerado permanece no país. É inspirador ver como os artistas locais não estão apenas ditando momentos virais, mas criando conexões duradouras e prosperando na economia global da música. Nosso desafio é, justamente, quebrar barreiras geográficas, levando essas ricas expressões para um palco global. A dica para quem quer se lançar na música e conquistar ouvidos ao redor do mundo é apostar numa estratégia digital de longo prazo. Dessa forma, as carreiras se tornam sustentáveis.”

É hora da ação
Cyril Dion, escritor e ativista francês propõe mudanças através do cinema
“Em 2015, codirigi o filme Tomorrow, com Mélanie Laurent. A produção inspirou a prefeita de Paris, Anne Hidalgo, a implementar uma política para substituir carros por bicicletas. Dez anos depois, o ciclismo cresceu 270% na capital francesa, enquanto a poluição do ar e o trânsito caíram 40%. Hoje, 11,2% dos parisienses se deslocam pedalando e só 4% recorrem a carros. Precisamos disseminar um estilo de vida ecológico, e o Rio é o lugar perfeito para iniciar esse movimento na América do Sul. Para isso, precisamos de milhares de histórias sobre meios de transporte alternativos, modos de vida e relações com animais, árvores e oceanos. Histórias sobre como podemos sair dessa situação. Precisamos de histórias que imaginem como poderemos viver amanhã, afastando-nos de distopias apocalípticas eternas ou fantasias ultratecnológicas.”

Destino campeão
Federico Grinberg, vice-presidente da Better Collective, grupo de mídia esportiva presente em vinte países, acredita que o Rio pode explorar ainda mais sua intrínseca relação com o futebol e demais modalidades
“O lendário Estádio do Maracanã, as paisagens deslumbrantes e o legado da Copa de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016 são molas para impulsionar o Rio como capital mundial do esporte. Os exercícios físicos, principalmente os praticados ao ar livre, fazem parte do cotidiano dos cariocas, e a cidade oferece o ecossistema ideal para moradores e turistas se manterem ativos. Outro ponto é que o recente sucesso de Flamengo, Fluminense e Botafogo na Libertadores consolidou o local como potência do futebol sulamericano. Ao ampliar essa narrativa, a metrópole pode se posicionar como um destino esportivo. É uma boa oportunidade para atrair potenciais investidores e organizadores de eventos, e os moradores ganham benefícios econômicos e sociais.”

Profundas raízes
Adama Paris, empresária e estilista senegalesa criou o Dakar Fashion Week há mais de vinte anos e a Fashion Africa TV, o primeiro canal de televisão totalmente dedicado à moda africana
“A alma vibrante do Rio reside em sua identidade cultural, energia criativa e estilo de vida descomplicado; uma verdadeira mina de ouro de inspiração para a moda global. Do ritmo do samba às cores do Carnaval, da sensualidade da praia à resiliência de suas comunidades, o Rio pulsa com uma autenticidade que o mundo anseia. A moda hoje não se resume mais a tendências. Trata-se de narrativa, emoção e identidade. O Rio incorpora os três. Sua diversidade racial e cultural oferece uma narrativa rica e inexplorada que pode remodelar a moda global. Por muito tempo, a estética e os talentos das favelas e comunidades negras do Rio foram negligenciados. E essas são as raízes que dão à cidade sua vantagem e originalidade. Para abraçar plenamente seu potencial fashion, é preciso construir pontes não apenas com as “Cinco Grandes” capitais da moda, mas também com a África, onde jovens criadores ousados e assumidos estão definindo tendências globais. Os profundos laços históricos e culturais entre o Brasil e a África devem evoluir para um intercâmbio criativo que eleve ambos os continentes. O Rio deve centralizar suas próprias vozes em artistas negros, indígenas, queer e marginalizados, apoiando a produção sustentável e empoderando designers locais. É assim que a cidade pode reivindicar seu lugar de direito no cenário global. O Rio não precisa imitar Paris, Milão ou Nova York. Seu poder está em ser sem pedir desculpas. O mundo finalmente está pronto para ouvir. O Rio só precisa falar mais alto”.