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Rio em poemas

Dez poesias que têm a cidade como inspiração

Por Thaís Meinicke
Atualizado em 5 dez 2016, 13h47 - Publicado em 13 mar 2014, 20h14
rio.jpg
rio.jpg (Redação Veja rio/)
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Ao longo dos anos, o Rio de Janeiro serviu de inspiração para muitos artistas, que fazem da cidade tema de suas obras. Em homenagem ao Dia Nacional da Poesia, celebrado nesta sexta (14), VEJA RIO preparou uma seleção de poemas que têm o Rio como cenário. Nos textos, com temáticas variadas, há retratos do cotidiano carioca, descrições de estados de espírito, críticas sociais e declarações de amor a bairros específicos.

O elenco é estelar e, nas linhas a seguir, é possível apreciar os versos de um Carlos Drummond de Andrade apaixonado pela paisagem carioca; lembranças de Vinicius de Moraes sobre o bairro da Ilha do Governador, onde passou a infância; a homenagem de Manuel Bandeira ao aniversário de 400 anos da cidade (comemorado em 1965); o olhar de Murilo Mendes sobre a noite carioca; a angústia de Waly Salomão que virou música pelas mãos de Jards Macalé, entre outros.

Rio em Flor de Janeiro

Carlos Drummond de Andrade

A gente passa, a gente olha, a gente pára

e se extasia.

Que aconteceu com esta cidade

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da noite para o dia?

O Rio de Janeiro virou flor

nas praças, nos jardins dos edifícios,

no Parque do Flamengo nem se fala:

é flor é flor é flor,

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uma soberba flor por sobre todas,

e a ela rendo meu tributo apaixonado.

Pergunto o nome, ninguém sabe. Quem responde

é Baby Vignoli, é Léa Távora.

(Homem nenhum sabe nomes vegetais,

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porém mulher se liga à natureza

em raízes, semente, fruto e ninho.)

Iúca! Iúca, meu amor deste verão

que melhor se chamara primavera.

Yucca gloriosa, mexicana

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dádiva aos canteiros cariocas.

Em toda parte a vejo. Em Botafogo,

Tijuca, Centro, Ipanema, Paquetá,

a ostentar panículas de pérola,

eretos lampadários, urnas santas,

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de majestade simples. Tão rainha,

deixa-se florir no alto, coroando

folhas pontiagudas e pungentes.

A gente olha, a gente estaca

e logo uma porção de nomes populares

brota da ignorância de nós todos.

Essa gorda baiana me sorri:

? Círio de Nossa Senhora? (ou de Iemanjá?)

? Vela de pureza, outra acrescenta.

? Lanceta é que se chama. ? Não, baioneta.

? Baioneta espanhola, não sabia?

E a flor, que era anônima em sua glória,

toda se entreflora de etiquetas.

Deixemo-la reinar. Sua presença

é mel e pão de sonho para os olhos.

Não esqueçamos, gente, os flamboyants

que em toda sua pompa se engalanam

aqui, ali, no Rio flóreo.

Nem a dourada acácia,

nem a mimosa nívea ou rósea espirradeira,

esse adágio lilás do manacá,

esse luxo do ipê que nem-te-conto,

mais a vermelha aparição

dos brincos-de-princesa nos jardins

onde a banida cor volta a imperar.

Isto é janeiro e é Rio de Janeiro

janeiramente flor por todo lado.

Você já viu? Você já reparou?

Andou mais devagar para curtir

essa inefável fonte de prazer:

a forma organizada

rigorosa

esculpintura da natureza em festa, puro agrado

da Terra para os homens e mulheres

que faz do mundo obra de arte

total universal, para quem sabe

(e é tão simples)

ver?

Inocentes do Leblon

Carlos Drummond de Andrade

Os inocentes do Leblon

não viram o navio entrar.

Trouxe bailarinas?

trouxe imigrantes?

trouxe um grama de rádio?

Os inocentes, definitivamente inocentes, tudo ignoram,

mas a areia é quente, e há um óleo suave

que eles passam nas costas, e esquecem.

Copacabana

Vinicius de Moraes

Esta é Copacabana, ampla laguna

Curva e horizonte, arco de amor vibrando

Suas flechas de luz contra o infinito.

Aqui meus olhos desnudaram estrelas

Aqui meus braços discursaram à lua

Desabrochavam feras dos meus passos

Nas florestas de dor que percorriam.

Copacabana, praia de memórias!

Quantos êxtases, quantas madrugadas

Em teu colo marítimo!

– Esta é a areia

Que eu tanto enlameei com minhas lágrimas

– Aquele é o bar maldito. Podes ver

Naquele escuro ali? É um obelisco

De treva – cone erguido pela noite

Para marcar por toda a eternidade

O lugar onde o poeta foi perjuro.

Ali tombei, ali beijei-te ansiado

Como se a vida fosse terminar

Naquele louco embate. Ali cantei

À lua branca, cheio de bebida

Ali menti, ali me ciliciei

Para gozo da aurora pervertida.

Sobre o banco de pedra que ali tens

Nasceu uma canção. Ali fui mártir

Fui réprobo, fui bárbaro, fui santo

Aqui encontrarás minhas pegadas

E pedaços de mim por cada canto.

Numa gota de sangue numa pedra

Ali estou eu. Num grito de socorro

Entreouvido na noite, ali estou eu.

No eco longínquo e áspero do morro

Ali estou eu. Vês tu essa estrutura

De apartamento como uma colmeia

Gigantesca? em muitos penetrei

Tendo a guiar-me apenas o perfume

De um sexo de mulher a palpitar

Como uma flor carnívora na treva.

Copacabana! ah, cidadela forte

Desta minha paixão! a velha lua

Ficava de seu nicho me assistindo

Beber, e eu muita vez a vi luzindo

No meu copo de uísque, branca e pura

A destilar tristeza e poesia.

Copacabana! réstia de edifícios

Cujos nomes dão nome ao sentimento!

Foi no Leme que vi nascer o vento

Certa manhã, na praia. Uma mulher

Toda de negro no horizonte extremo

Entre muitos fantasmas me esperava:

A moça dos antúrios, deslembrada

A senhora dos círios, cuja alcova

O piscar do farol iluminava

Como a marcar o pulso da paixão

Morrendo intermitentemente. E ainda

Existe em algum lugar um gesto alto,

Um brilhar de punhal, um riso acústico

Que não morreu. Ou certa porta aberta

Para a infelicidade: inesquecível

Frincha de luz a separar-me apenas

Do irremediável. Ou o abismo aberto

Embaixo, elástico, e o meu ser disperso

No espaço em torno, e o vento me chamando

Me convidando a voar… (Ah, muitas mortes

Morri entre essas máquinas erguidas

Contra o Tempo!) Ou também o desespero

De andar como um metrônomo para cá

E para lá, marcando o passo do impossível

À espera do segredo, do milagre

Da poesia.

Tu, Copacabana,

Mais que nenhuma outra foste a arena

Onde o poeta lutou contra o invisível

E onde encontrou enfim sua poesia

Talvez pequena, mas suficiente

Para justificar uma existência

Que sem ela seria incompreensível.

Ilha do Governador

Vinicius de Moraes

Esse ruído dentro do mar invisível são barcos passando

Esse ei-ou que ficou nos meus ouvidos são os pescadores esquecidos

Eles vêm remando sob o peso de grandes mágoas

Vêm de longe e murmurando desaparecem no escuro quieto.

De onde chega essa voz que canta a juventude calma?

De onde sai esse som de piano antigo sonhando a “Berceuse”?

Por que vieram as grandes carroças entornando cal no barro molhado?

Os olhos de Susana eram doces mas Eli tinha seios bonitos

Eu sofria junto de Suzana – ela era a contemplação das tardes longas

Eli era o beijo ardente sobre a areia úmida.

Eu me admirava horas e horas no espelho.

Um dia mandei: “Susana, esquece-me, não sou digno de ti – sempre teu?”

Depois, eu e Eli fomos andando? – ela tremia no meu braço

Eu tremia no braço dela, os seios dela tremiam

A noite tremia nos ei-ou dos pescadores?

Meus amigos se chamavam Mário e Quincas, eram humildes, não sabiam

Com eles aprendi a rachar lenha e ir buscar conchas sonoras no mar fundo

Comigo eles aprenderam a conquistar as jovens praianas tímidas e risonhas.

Eu mostrava meus sonetos aos meus amigos – eles mostravam os grandes olhos abertos

E gratos me traziam mangas maduras roubadas nos caminhos.

Um dia eu li Alexandre Dumas e esqueci os meus amigos.

Depois recebi um saco de mangas

Toda a afeição da ausência?

Como não lembrar essas noites cheias de mar batendo?

Como não lembrar Susana e Eli?

Como esquecer os amigos pobres?

Eles são essa memória que é sempre sofrimento

Vêm da noite inquieta que agora me cobre.

São o olhar de Clara e o beijo de Carmem

São os novos amigos, os que roubaram luz e me trouxeram.

Como esquecer isso que foi a primeira angústia

Se o murmúrio do mar está sempre nos meus ouvidos

Se o barco que eu não via é a vida passando

Se o ei-ou dos pescadores é o gemido de angústia de todas as noites?

Rio de Janeiro

Manuel Bandeira

Louvo o Padre, louvo o Filho

E louvo o Espírito Santo.

Louvado Deus, louvo o santo

De quem este Rio é filho.

Louvo o santo padroeiro

? Bravo São Sebastião ?

Que num dia de janeiro

Lhe deu santa defensão.

Louvo a cidade nascida

No morro Cara de Cão,

Logo depois transferida

Para o Castelo, de então

Descendo as faldas do outeiro,

Avultando em arredores,

Subindo a morros maiores,

? Grande Rio de Janeiro!

Rio de Janeiro, agora

De quatrocentos janeiros…

Ó Rio de meus primeiros

Sonhos! (A última hora

De minha vida oxalá

Venha sob teus céus serenos,

Porque assim sentirei menos

O meu despejo de cá!)

Cidade de sol e bruma,

Se não és mais capital

Desta nação, não faz mal:

Jamais capital nenhuma,

Rio, empanará teu brilho,

Igualará teu encanto.

Louvo o Padre, louvo o Filho

E louvo o Espírito Santo.

Mal Secreto

Waly Salomão (musicada por Jards Macalé)

Não choro

meu segredo é que sou rapaz esforçado

fico parado calado quieto

não corro não choro não converso

massacro meu medo

mascaro minha dor

já sei sofrer

não preciso de gente que me oriente

Se você me pergunta

como vai

respondo sempre igual

tudo legal

Mas quando você vai embora

movo meu rosto do espelho

minha alma chora

vejo o Rio de Janeiro

vejo o Rio de Janeiro

comovo, não salvo, não mudo

meu sujo olho vermelho

não fico parado

não fico calado

não fico quieto

corro choro converso

e tudo mais jogo num verso

intitulado mal secreto

e tudo mais jogo num verso

intitulado mal secreto

Soneto Introdutório

Osvaldo Orico

Depois de ver os mundos que criara,

Cheios de força, cheios de esplendor,

Deus, em certa manhã formosa e clara,

Não bastando ser Deus, fez-se pintor.

Quis dar à vida outro primor,

E com as tintas que o Éden pintara,

Pôs em quadro de cumes e de cor

A curvatura azul da Guanabara.

É assim, oh!, viandante deslumbrado!,

Que vês, de longe, sobre o Corcovado,

O criador em sua pintura estranha;

E miras rutilante de beleza,

Cristo desabrochar da Natureza,

Como um lírio de luz sobre a montanha.

Noite Carioca

Murilo Mendes

Noite da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro

tão gostosa

que os estadistas europeus lamentam ter conhecido tão tarde.

Casais grudados nos portões de jasmineiros…

A baía de Guanabara, diferente das outras baías, é camarada,

recebe na sala de visita todos os navios do mundo

e não fecha a cara.

Tudo perde o equilíbrio nesta noite,

as estrelas não são mais constelações célebres,

são lamparinas com ares domingueiros,

as sonatas de Beethoven realejadas nos pianos dos bairros distintos

não são mais obras importantes do gênio imortal,

são valsas arrebentadas…

Perfume vira cheiro,

as mulatas de brutas ancas dançam nos criouléus suarentos.

O Pão de Açúcar é um cão de fila todo especial

que nunca se lembra de latir pros inimigos que transpõem a barra

e às 10 horas apaga os olhos pra dormir.

E a Coisa Amada

Geir Campos

cidade minha

quase digo

e pauso

e penso

em verdade

sou eu

que

a ti

pertenço

Poema de Copacabana

Nertan Macedo

(Mas há quem vele porque te ama,

Praia de cinza, violentada).

Copacabana de madrugada,

Abandonada a um mar cinzento;

Copacabana de madrugada

Exala um ar de indiferença.

Porque só nós estamos vendo

Copacabana abandonada,

Copacabana de madrugada:

Cinza espalhada num mar de cinza,

Cinza espalhada num mar de bruma,

Cinza cobrindo arranha-céus…

Copacabana está sozinha,

Violentada, prostituída,

Quem nesta hora te conhece

Sem riso, nua como uma noiva,

Lívida, triste, despenteada?

Vingo momentos de vã pureza,

Teu sol dourado, teu corpo branco,

Tuas manhãs mistificadas.

Copacabana de madrugada –

Tristeza, bruma, álgidos ventos… –

(Mas há quem vele porque te ama,

Praia de cinza, violentada).

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