Marcas históricas
A torcida é para que o símbolo da festa dos 450 anos conquiste o carioca e tenha vida longa, tal como aconteceu com a marca do quarto centenário
Revelado na última quarta-feira (21), com pompa e circunstância, no Palácio da Cidade, em Botafogo, o símbolo das comemorações dos 450 anos da fundação do Rio foi aplaudido (não em coro) por designers, historiadores e jornalistas presentes à cerimônia e deve ter provocado profundos arrepios em quem acreditava que vinha por aí uma marca nos moldes tradicionais. Minimalista, é um desenho de apenas três rabiscos que não faz referência, ao contrário do que se poderia esperar, a nenhum ícone geográfico carioca, a exemplo do Pão de Açúcar ou do litoral, tampouco remete ao formato das consagradas intervenções forjadas pela mão humana por aqui – calçadão de Copacabana, Cristo Redentor, Arcos da Lapa, entre várias outras. Trabalho do escritório Crama Design Estratégico, sediado na Gávea e fundado em 1999 pelo ilustrador Ricardo Leite, o logo de aniversário lembra, para muitos, aqueles pictogramas de modalidades esportivas olímpicas. E outros tantos, quando o olham, nele não enxergam com rapidez nem o sorriso de uma pessoa de perfil nem os números 4, 5 e 0, nessa ordem, formando a data redonda. Goste-se dele ou não, esse é o símbolo que o morador do Rio verá daqui para a frente e ao longo de 2015. Seu desafio maior é cativar o carioca tanto quanto se deu com a marca antecessora, bolada em 1964 para a festança do quarto centenário, no ano seguinte, que virou uma febre.
Sobre isso, vem a calhar o lançamento, no mês que vem, do livro Rio 400+50, organizado por Maria Inez Turazzi, da novata Edições de Janeiro. É uma edição caprichada, com mais de 300 páginas e muitas fotos da época, que traça um panorama da cidade na década de 60. Boa parte da obra debruça-se sobre o processo de criação do símbolo dos festejos dos 400 anos. O projeto vencedor foi do artista plástico e professor Aloísio Magalhães, um dos fundadores da Escola Superior de Desenho Industrial (Esdi) – num dos capítulos há, inclusive, textos assinados por um de seus colaboradores de então, o designer João de Souza Leite, ainda na ativa, morando no Leblon (Aloísio faleceu em 1982, com 54 anos). Hoje reconhecida como uma marca que construiu forte e duradoura relação com a cidade, constata-se pela leitura do livro que nada aconteceu assim de modo tão fácil, especialmente no início de sua trajetória.
Concebido em duas versões, uma colorida (na qual o algarismo 4 sobressai) e outra em preto e branco (esta, mais divulgada), o símbolo do quarto centenário apresenta, como o atual, várias leituras possíveis. Algo parecido com um cata-vento, ele tem contornos que sugerem uma cruz de malta. Por um lado, tem linhas rígidas; de certa forma, é também aberto, com seus triângulos vazados. Meses após ser aprovado pelo comitê das comemorações, teve sua qualidade questionada pela Secretaria de Turismo. Chegou a sair matéria no Jornal do Brasil. “Símbolo vai mudar! Dará lugar a um desenho menos abstrato e com mais estética”, dizia a notícia. Seu criador respondeu de bate-pronto, em carta aberta às autoridades do governo. “Não sou um amador”, defendia-se. O poeta Carlos Drummond de Andrade estava do seu lado. “Sem apelar para sensualismos e rotundidades de nossa paisagem, é uma realização gráfica pura, nua, falante, comunicativa”, escreveu ele em meio ao embate, com sua verve típica. Apoiado pela maioria das vozes influentes da época, o símbolo de Aloísio acabou ficando.
Ficou de forma oficial, nos reclames da prefeitura sobre os eventos de 1965, e ficou também gravado no imaginário popular. Revistas o estampavam na capa, pipas o levavam aos céus, crianças o desenhavam na areia da praia, automóveis o carregavam como adesivo, mulheres o vestiam no maiô. Resumindo: a cidade comprou a ideia. “O Rio vivia um momento delicado. Já não era mais a capital do país, e experimentava a tensão de uma ditadura. Precisava se firmar, criar nova identidade, apostar em expectativas positivas. Dentro desse contexto, aquela marca dos 400 anos, simples na forma mas complexa na concepção, foi fundamental para a cidade, e por isso até hoje os mais velhos se lembram dela”, reflete a historiadora Maria Inez Turazzi. Por sua vez, o autor do símbolo dos 450, Ricardo Leite, confiante em que sua obra possa seguir esse mesmo caminho, assim a define: “Ela é uma plataforma de comunicação que interage de jeito diferente com cada pessoa. Por ser uma marca que respeita as individualidades e ganha força de significado no coletivo, creio que permanecerá na memória do carioca”. Será?