Verificamos: as promessas de Crivella na área da educação
Aumento de vagas, contratação de concursados e sistema de bônus para professores estavam entre os compromissos firmados
De acordo com um levantamento exclusivo da Agência Lupa, o prefeito Marcelo Crivella cumpriu apenas uma em cada cinco promessas feitas no seu programa de governo. Em 2016, quando tentava se eleger prefeito da cidade do Rio, o então candidato registrou no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) um documento com cinquenta propostas para cinco áreas: saúde, educação, segurança pública e guarda municipal, transporte e demais áreas (entre elas, carnaval, saneamento básico e previdência). Por questões metodológicas, a Lupa dividiu essas cinquenta propostas e analisou um total de sessenta frases usando base de dados públicos e informações fornecidas pelas secretarias. Confira o que foi feito na área da educação:
FALSO: “11. Criar 20 mil novas vagas em creches e 40 mil novas vagas em pré-escolas até 2020 através de uma PPP onde o parceiro privado fique responsável pela construção e manutenção administrativa das novas unidades de ensino infantil (EDIs) e a Prefeitura, pela parte pedagógica e pela merenda escolar (por conta das exigências do Ministério da Educação para repasse das verbas da merenda) – mesmo modelo de Belo Horizonte”
Os dados da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro mostram que a gestão de Crivella criou 9.187 vagas em creches e 10.258 vagas em pré-escola de 2016 a 2020. O aumento, portanto, é menos da metade do que foi prometido pelo prefeito em seu plano de governo.
Em 2016, antes de Crivella assumir o cargo, a rede pública de creches oferecia 74.498 vagas. Esse número aumentou progressivamente até 2019. Naquele ano, 84.008 crianças estavam matriculadas em creches. Contudo, o número de vagas começou a cair em 2020 – os dados da secretaria mostram que 83.685 alunos estavam matriculados em setembro deste ano.
Já em relação ao número de vagas nas pré-escola, a prefeitura do Rio oferecia 81.947 vagas para crianças em 2016. Esse número cresceu ao longo do governo Crivella e, em setembro de 2020, 92.205 estudantes estavam matriculadas nesse nível de ensino.
A promessa de Crivella mencionava ainda uma parceria público-privada (PPP) para conseguir ampliar as vagas em creches e pré-escola. Contudo, a Secretaria Municipal de Educação afirma que realizou estudos e que essa não foi a melhor forma para aumentar o número de vagas. Essa estratégia foi abandonada. Com isso, a prefeitura se dedicou na ampliação de creches conveniadas, aumentando o número de unidades de 246 em 2016 para 249 em março de 2020.
FALSO: “12. Colocar para funcionar de verdade as Escolas do Amanhã construídas pela atual administração e estabelecer a meta de ter pelo menos 50% dos alunos dos
anos iniciais do ensino fundamental (antigo primário), estudando em horário
integral até 2020”
Dados divulgados pela Secretaria Municipal de Educação em seu site mostram que apenas 35,51% dos alunos estão em tempo integral. A sexta meta do Plano Municipal de Educação (PME), sancionado em 2018, previa que 45% das matrículas estivessem nessa modalidade de ensino em 2020, mas isso não se concretizou. A meta final, assim como no plano de governo de Crivella, é de que a educação integral atinja 50% dos estudantes matriculados no sistema municipal de ensino.
Citado na proposta, o programa Escolas do Amanhã começou em 2009 e possui 88 unidades e tem o objetivo de ampliar o ensino integral público no município. Segundo a Secretaria Municipal de Educação (aqui e aqui), essas instalações funcionam “regularmente”. Dos 88 estabelecimentos do projeto, apenas quatro foram inaugurados por Crivella, sendo que as obras foram iniciadas na gestão anterior. São elas: Escola Municipal Lincoln Bicalho Roque (Curicica), Escola Municipal Vereadora Marielle Franco (Maré), Escola Municipal Professora Ivone Nunes Ferreira (Senador Camará) e a Escola Cívico Militar Carioca (Rocha).
O atraso das obras da unidade do Rocha, na Zona Norte da cidade, foi tema de diversas reportagens do RJ1 ao longo da gestão de Crivella (aqui e aqui). A obra foi concluída apenas em 2020. Outra unidade que sofre com atrasos é a de Santa Cruz, na Zona Oeste do Rio. Em março, a secretaria informou que a escola está “aguardando o momento de retomada dos serviços, pois há um cronograma de obras em andamento de acordo com prioridades estabelecidas pelo setor de infraestrutura”.
VERDADEIRO: “13. Criar, no primeiro ano de governo e em parceria com universidades e organizações do terceiro setor, um novo programa de qualificação e avaliação de todos os professores municipais – com foco na progressão de sua formação e cursos de pós-graduação”
A Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro informou que, desde 2017, firma convênios com universidades brasileiras e estrangeiras visando qualificar seus professores. Entre as universidades que fazem parte dessa iniciativa estão: FGV, UFRJ, Veiga de Almeida, Stanford, Harvard e Durham.
A secretaria diz, ainda, que inaugurou 14 Telessalas na Escola de Formação Paulo Freire (EPF), usadas para a formação continuada de professores da rede municipal. Segundo a secretaria, 1.500 educadores participaram de “uma série de procedimentos de orientação e qualificação para os professores recém-empossados na rede de ensino do Rio”.
A administração municipal também destaca a criação de uma plataforma digital de ensino à distância da EPF. “Cursos com maior duração semipresenciais estão sendo oferecidos para capacitação de nossos docentes, entre eles: gestão de sala de aula, gestão do conhecimento, alfabetização e avaliação”, diz a secretária.
Contudo, a coordenadora do Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Rio de Janeiro (Sepe), Izabel Costa, informou que a entidade não tinha conhecimento de convênios estabelecidos pela prefeitura, com exceção de convênios que beneficiam professores de língua estrangeira.
FALSO: “14. Dar mais autonomia pedagógica aos diretores das unidades de ensino do município e reduzir suas atividades relacionadas à gestão administrativa das escolas já a partir do primeiro ano de governo”
A única medida formal para dar mais autonomia pedagógica para diretores das unidades de ensino municipais foi tomada em maio de 2018, ou seja, já no segundo ano de mandato. O Plano Municipal de Educação (PME, lei 6.263/2018), aprovado naquele ano, estabelece entre seus objetivos “favorecer processos de autonomia pedagógica, administrativa e de gestão financeira nos estabelecimentos de ensino”. Outra meta do Plano fala ainda sobre garantir a autonomia às unidades escolares para organizarem projetos de apoio à aprendizagem e recuperação paralela. Contudo, não há registro de medidas práticas para implementar essa orientação.
Em setembro, questionamos a Secretaria Municipal de Educação sobre quais medidas práticas foram adotadas pela pasta para dar mais autonomia pedagógica aos diretores das unidades de ensino da cidade. Contudo, a secretaria não respondeu.
Procurado, o Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Rio de Janeiro (Sepe) informou que as unidades de ensino do município continuam com pouca autonomia. A coordenadora geral do sindicato, Izabel Costa, afirmou que “a cultura de longa data na rede é seguir somente o que é determinado de forma expressa pelo nível central”.
FALSO: “15. Aumentar em 20% o orçamento destinado ao custeio das unidades de ensino até 2020”
O orçamento de custeio das unidades de ensino no Rio de Janeiro caiu 7% em valores nominais e 22% em valores reais entre os orçamentos de 2016, último ano da gestão de Eduardo Paes (DEM), e 2020.
A Lei Orçamentária Anual (LOA, ver páginas 146 e 148) de 2016, destinava R$ 294 milhões para o Ensino Fundamental na categoria “outras despesas correntes”, ou seja, despesas correntes que não são pagamento de pessoal ou juros e encargos da dívida. Para a Educação Infantil, eram destinados outros R$ 47 milhões. Isso representa um total de R$ 341 milhões – o que representava em dezembro de 2019, em valores corrigidos pelo IPCA, R$ 404 milhões.
Já a LOA de 2020 (ver página 182) prevê R$ 309 milhões em custeio para o Ensino Fundamental, e apenas R$ 7 milhões para a Educação Infantil. Ou seja, um total de R$ 316 milhões.
FALSO: “16. Interromper o projeto de construção de novas unidades escolares de ensino fundamental até que todas as atuais estejam funcionando satisfatoriamente, ou seja, a partir do momento que as mesmas estiverem atingindo as metas relacionadas ao resultado de seus alunos no IDEB previamente estabelecidas pela Secretaria Municipal de Educação e a Direção das Escolas”
Os dados fornecidos pela Secretaria Municipal de Educação mostram que as unidades escolares de ensino fundamental não atingiram as metas estabelecidas pela pasta. Segundo o órgão, a meta traçada pela secretaria era obter 95% de aprovação em suas unidades escolares. Contudo, em 2019, apenas 502 dos 992 estabelecimentos de ensino fundamental alcançaram essa meta, o que corresponde a 50,6%.
Os dados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), divulgados em setembro pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), também mostram que a maioria das escolas municipais não atingiram as metas estabelecidas em 2019. Nos anos iniciais, 798 unidades foram avaliadas na prova, sendo que apenas 19,2% conseguiram cumprir a meta estabelecida pela instituição – o que equivale a 154 escolas. Os dados do Inep apontam ainda que, naquele ano, 404 escolas não cumpriram a meta do Ideb e 240 não tinham dados suficientes para análise.
Nos anos finais, por sua vez, o resultado foi pior, já que apenas 14,2% das unidades conseguiram atingir a meta. De 414 escolas avaliadas, 59 cumpriram a meta, 241 não cumpriram e 114 não tinham dados suficientes para análise.
Mesmo assim, quatro novas escolas foram inauguradas durante a gestão. Segundo a Secretaria Municipal de Educação, o governo Crivella concluiu a construção de três escolas que começaram na gestão de Eduardo Paes. São elas: “Escola Municipal Lincoln Bicalho Roque, em 2017; Escola Municipal Vereadora Marielle Franco, em 2018; Escola Municipal Professora Ivone Nunes Ferreira, em 2019”. Além disso, a pasta cita ainda a inauguração da Escola Cívico-Militar Carioca construída no Rocha, obra que também havia começado em uma gestão anterior.
FALSO: “17. Manter e aprofundar o sistema de meritocracia através do qual os professores podem ganhar salários adicionais ao final do ano, dependendo do atingimento das metas de resultado de seus alunos no IDEB previamente estabelecidas com a Secretaria de Educação e a Direção das Escolas”
O pagamento de bônus para professores de escolas municipais que atingissem determinadas metas de resultado, que existiu durante a gestão Paes, foi suspenso durante o mandato de Crivella. Segundo a coordenadora do Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Rio de Janeiro (Sepe), Izabel Costa, esses valores não são pagos atualmente.
Em 2010, o então prefeito Eduardo Paes anunciou o pagamento de um bônus para professores e funcionários da rede municipal de ensino que conseguissem aumentar o Ideb de suas escolas em 50%. O benefício também seria dado para funcionários dos estabelecimentos que apresentaram média 6 ou mais no Ideb. No ano seguinte, a Secretaria Municipal de Educação anunciou a criação de um novo plano de metas. Nele, os professores que atingissem 100% da meta iriam ganhar um bônus em seu salário.
FALSO: “18. Contratar em 2017, todos os Agentes de Apoio à Educação Especial aprovados no concurso realizado em 2014 para auxiliarem os professores em salas de aula onde haja inclusão de crianças com necessidades especiais; e garantir a presença de pelo menos, um assistente social para cada 3 unidades escolares para atendimento e proteção a crianças em situação de risco familiar”
Em outubro de 2013, o então prefeito do Rio, Eduardo Paes, criou o cargo de Agente de Apoio à Educação Especial. A Lei Nº 5.623 afirmava que as 3 mil vagas do programa seriam preenchidas por pessoas com escolaridade de nível médio. Contudo, dos 900 aprovados no concurso, apenas 324 deles foram efetivamente chamados para assumir vagas em escolas até o final de 2017. Desses, só 180 se apresentaram naquele ano.
Atualmente, a Secretaria Municipal de Educação afirma, em seu site, que existem 1.276 Agentes de Apoio à Educação Especial, o que corresponde a 9% de todos os agentes de apoio a educação municipal, que conta com 13.807 profissionais.
VERDADEIRO: “19. Estabelecer parcerias com organizações culturais, esportivas e profissionalizantes do terceiro setor para complementar a carga horária dos anos finais do ensino fundamental (antigo ginásio) com atividades culturais, esportivas ou oficinas de formação profissional – objetivando acabar com os atuais níveis de evasão escolar”
A Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro, de fato, estabeleceu parcerias com organizações para realizar atividades culturais e esportivas dentro das escolas. Em março de 2017, Crivella criou o Programa Orquestra nas Escolas, que oferece aulas gratuitas de instrumentos musicais para alunos de escolas públicas. Em fevereiro de 2020, o programa contava com 11 mil estudantes.
Ainda durante a gestão de Crivella, a Câmara Municipal aprovou, em 2019, a Lei Municipal de Incentivo ao Esporte (6.568), que prevê redução do Imposto Sobre Serviços (ISS) e do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) para empresas e pessoas que investirem em projetos esportivos. A lei é de autoria do vereador licenciado e atual secretário municipal de Envelhecimento Saudável, Qualidade de Vida e Eventos, Felipe Michel.
Em sua proposta, Crivella afirma ainda que a promessa visa “acabar com os atuais níveis de evasão escolar”, expressão utilizada para caracterizar alunos que deixaram de ir às aulas. A Lupa não conseguiu encontrar dados sobre evasão escolar nos municípios.
FALSO: “20. Criar, em 2017, um programa de incentivo para os pais se envolverem mais nas atividades escolares de seus filhos (reuniões com professores e diretores de escola) a partir da ampliação do programa Vale Cultura”
Durante a campanha, Marcelo Crivella propôs complementar o programa Vale Cultura, do governo federal, com recursos da prefeitura do Rio, num programa também chamado Vale Cultura. Em janeiro de 2017, a então secretária municipal da Cultura, Nilcemar Nogueira, declarou que apresentaria um cronograma para implantação desse programa, mas a ideia não saiu do papel.
No orçamento municipal de 2017, aprovado no final de 2016 (ainda na gestão Eduardo Paes), há a previsão de destinar exatos R$ 2.017 para a rubrica. Contudo, no ano seguinte, a proposta de orçamento já não fazia qualquer menção ao programa. O Vale Cultura aparece como uma ação dentro do programa Cultura Cidadã, no projeto de Plano Plurianual (PPA 2018-2021), porém essa proposta foi arquivada.
Embora o programa Vale Cultura não tenha saído do papel, a prefeitura do Rio criou, pelo decreto nº 44.674 25 de junho de 2018, o Conselho de Pais da Educação Especial, que visa “ampliar o diálogo entre famílias e a secretaria, por meio do Instituto Municipal Helena Antipoff e das Coordenadorias Regionais de Educação”.