Na era das trevas
Saudado como uma espécie de Vale do Silício carioca, o Parque Tecnológico do Fundão tem problemas de terceiro mundo como falta de energia elétrica, rede de celulares precária e inexistência de esgoto
Tradicional fabricante de equipamentos para exploração de petróleo baseada no estado americano do Texas, a multinacional Baker Hughes é uma entre as dezenas de empresas a apostar firme no desenvolvimento do setor no Rio de Janeiro. Nos últimos dois anos, ela aplicou 50 milhões de reais em um moderno centro de pesquisa na Ilha do Fundão, onde seus técnicos planejam realizar simulações com um protótipo de sonda de perfuração específico para a extração na camada do pré-sal. Inaugurado oficialmente em outubro, o prédio vistoso ainda está às moscas. Motivo: falta de energia. Saudado como uma espécie de Vale do Silício do setor de pesquisa de combustíveis e erguido com investimentos de meio bilhão de reais, o Parque Tecnológico do Fundão até a semana passada não tinha eletricidade suficiente para todas as empresas ali localizadas. Uma nova linha de fornecimento acaba de ser instalada, mas as ligações com os prédios recém-construídos ainda não haviam sido concluídas até a terça-feira (24). Para conseguir iniciar as operações, a Baker Hughes seguiu o exemplo de seus vizinhos mais experientes e instalou geradores a diesel, que garantem o pleno funcionamento de seus computadores, sistemas de ar condicionado, lâmpadas e, mais importante, dos laboratórios. “Para nós foi uma surpresa chegar aqui e encontrar problemas dessa natureza”, diz César Muniz, diretor da unidade carioca que, por enquanto, segue trabalhando em Botafogo.
A intermitência no fornecimento de luz é apenas um dos percalços que as equipes instaladas no Fundão enfrentam. Nos dias de calor, um cheiro nauseabundo toma conta dos prédios novinhos em folha. As autoridades costumam atribuí-lo aos aterros realizados por ali, nos anos 50. Mas a explicação dos técnicos que trabalham lá é outra. Trata-se simplesmente das emanações fétidas das águas da Baía de Guanabara, onde é despejado o esgoto in natura das favelas do Complexo da Maré, nos arredores. Nem mesmo o parque, destinado a receber o que há de mais moderno em termos de tecnologia, tem uma rede de captação sanitária. Quando as instalações foram erguidas, as empresas tinham duas opções: fazer sua própria estação de tratamento ou instalar fossas sépticas. Também é digna dos lugares mais atrasados do planeta a cobertura de telefonia celular existente na ilha. Pesquisadores acostumados a usar seus smartphones e computadores móveis para todo tipo de tarefa têm sofrido para encontrar um sinal que garanta conexões de qualidade mínima. Seja qual for a operadora escolhida, o serviço é sofrível. “É comum ver grupinhos de pessoas, cada uma com seu celular, aproveitando os pontos onde a transmissão é melhor”, conta Carlos Eduardo Fontes, diretor da companhia de softwares ESSS, instalada no parque desde 2009.
Uma série de razões leva empresas de alta tecnologia a implantar laboratórios e núcleos de pesquisa em lugares como o parque da Ilha do Fundão. Uma delas é a proximidade com a universidade, que garante os cérebros necessários à empreitada e ainda estimula a troca de conhecimento entre pesquisadores acadêmicos e de empresas privadas. “Tentamos esse tipo de relacionamento em outros lugares, como a Universidade de São Paulo, e não tivemos sucesso. Aqui, a relação é bem próxima”, diz Maurício Lima, diretor da Ilos, que atua na área de logística e suprimentos. No entanto, o principal motivo para as firmas estrangeiras fincarem raízes ali é a exigência do governo brasileiro de que pelo menos 65% de bens e serviços fornecidos à Petrobras sejam produzidos no país. A vizinhança com o colosso petrolífero, que tem no local sua maior unidade de pesquisa, o Cenpes, dá mais agilidade aos fornecedores para adequar-se às suas necessidades.
Embora criticado, trata-se de um modelo que, ao menos nesse caso, se mostrou eficiente em atrair investimentos e mão de obra qualificada. A questão aqui é o descompasso entre as altas aspirações do complexo e a instalação de uma infraestrutura decente. Ainda hoje, chegar ou sair do câmpus nos horários de pico é um martírio, em função da demanda de tráfego. Para resolver o gargalo, a Petrobras aplicou 200 milhões de reais na construção de uma ponte recentemente inaugurada. A Light promete para os próximos dias a solução dos problemas de energia, da mesma forma que as operadoras de telefonia. Os barracos e a água pútrida, porém, continuarão por lá, deixando os laboratórios reluzentes mais próximos das misérias terceiro-mundistas do que da opulência das potências do petróleo.