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Os preparativos para 2016 entram na reta final

Faltando dois anos para a cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos, marcada para 5 de agosto de 2016, os preparativos entram em sua etapa decisiva

Por Ernesto Neves e Felipe Carneiro
Atualizado em 2 jun 2017, 13h03 - Publicado em 6 ago 2014, 15h56
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Às voltas com pedidos de compra de milhares de unidades de produtos tão distintos como bolas de basquete, camas, cadeiras, lençóis e xícaras, o administrador Fernando Cotrim poderia ser confundido facilmente com um executivo responsável por abastecer o estoque de uma grande rede de lojas de departamentos. Seu escritório, no entanto, ocupa uma das salas do quartel-ge­neral da Olimpíada de 2016, na Cidade Nova, no centro da cidade. Os números astronômicos e a impressionante diversidade de itens envolvidos traduzem com fidelidade a escala e a complexidade do maior evento esportivo do planeta. Ao todo, Cotrim gastará 3 bilhões de reais para adquirir mais de 30 milhões de objetos, a imensa maioria deles a ser comprada nos próximos doze meses. O executivo também cuidará do armazém de 80?000 metros quadrados localizado em Duque de Caxias, onde tudo será guardado. De lá, os artigos serão distribuídos por diversos pontos, como a Vila dos Atletas, para equipar os 3?600 apartamentos destinados aos participantes dos Jogos. “Foram quatro anos de planejamento para que chegássemos a este momento”, descreve Cotrim, diretor de suprimentos do Comitê Rio 2016, entidade responsável pela organização da festa esportiva. “Temos agora pela frente uma janela de tempo apertada, em que nada pode dar errado”, diz.

Faltando exatos 24 meses para o acendimento da pira, marcado para 5 de agosto de 2016, a maioria das obras de infraestrutura e das instalações esportivas já está em andamento. Segundo o último relatório da Autoridade Pública Olímpica (APO), divulgado na semana passada, 71% das intervenções foram iniciadas (veja o quadro na pag. 27). Com isso, a organização entra na fase de preparação operacional do evento, crucial para que os dezessete dias de competições transcorram sem sobressaltos. Trata-se de uma tarefa hercúlea que envolve, além do Comitê Rio 2016, representantes das esferas governamentais, das federações esportivas, patrocinadores e empresas de comunicação. A maior dificuldade, no entanto, não é a brutal quantidade de trabalho, mas sim estabelecer uma perfeita sincronia entre membros de setores tão diferentes entre si. Um burocrata do governo, por exemplo, precisa estar alinhado ao dinamismo de técnicos que vêm da iniciativa privada. Para que tudo dê certo é necessário prever detalhes mínimos, que à primeira vista são de pouca importância. Um deles: a grama do campo de golfe que está sendo construído na Barra não pode crescer sem que haja equipamento de manutenção instalado. O descuido arruinaria a qualidade do gramado e exigiria o replantio de mudas, um desperdício de tempo e dinheiro. “Há reuniões semanais entre os gestores e, quinzenalmente, um encontro mais aprofundado”, explica Leonardo Gryner, diretor-geral de operações do Comitê Rio 2016, que mantém uma agenda de apontamentos trimestrais com a presidente Dilma Rousseff.

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A sintonia entre os núcleos de decisão é fundamental para que atrasos como o que emperrou as obras no Complexo de Deodoro em dois anos não aconteçam mais. Na semana passada, tornou-se notória a maneira amadora como foi conduzida a despoluição da Baía de Guanabara, iniciativa de responsabilidade do governo estadual. Às vésperas da realização do primeiro evento-teste na cidade, o Campeonato Mundial de Vela, os esportistas que aqui desembarcaram deram de cara com nosso cartão-postal imundo, como de hábito. Competições como essa (outras 45 devem acontecer até 2016) têm como objetivo tanto detectar possíveis problemas quanto mostrar aos atletas quais são as condições locais. O velejador australiano Matthew Belcher, medalhista em Londres em 2012, vai lembrar, por exemplo, que pode topar com cadáveres de animais pela proa. “Já fizemos dois treinos até agora, durante os quais encontramos muitas garrafas e sacos plásticos. Vimos até um cachorro morto”, contou ele ao jornal Folha de S.Paulo na terça-feira (29).

Felipe Fittipaldi
Felipe Fittipaldi ()

Desatar o cipoal de nós deixados pela incompetência e falta de planejamento é apenas uma das atribuições extraordinárias dos funcionários envolvidos na organização dos Jogos. Nessa categoria se enquadram ainda as exigências e pressões vindas de diversos lados, particularmente dos patrocinadores, do Comitê Olímpico Internacional e das federações esportivas mundiais. Os cavalos do hipismo, por exemplo, exigem um tratamento tão especial que quase se equipara ao dispensado aos atletas. “Quem depara pela primeira vez com a quantidade de requisitos e cuidados necessários se espanta”, explica Rodrigo Garcia, diretor de Esportes do comitê. Por duas semanas, a cidade concentrará 480?000 visitantes ? na Copa a quantidade foi semelhante, com a diferença de que a passagem dos turistas se diluiu no decorrer de um mês inteiro. Para receber toda essa multidão, começa a ser recrutado em agosto um pelotão de 70?000 voluntários. A seleção desse exército será feita por cerca de 1?000 pessoas em um projeto que se estenderá por dezoito meses, envolvendo mais de 150?000 entrevistas. “Além de setores de serviços, precisamos encontrar profissionais qualificados, como médicos, dentistas e massagistas”, conta Flávia Fontes, coordenadora do processo. “Há requisitos realmente complicados, entre eles conseguir um voluntário fluente em xhosa”, brinca ela,referin­do-se ao dialeto su­l­-africano que está entre as línguas exigidas pelo COI.

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No momento em que todos os computadores, câmeras de TV, celulares e demais artefatos digitais forem ligados, a partir da cerimônia de abertura, o Rio passará a transmitir para o resto do mundo quase uma centena de terabytes de dados nos mais diversos formatos (imagem, áudio, voz, números e texto entre eles). É uma quantidade tão absurda que pode desestabilizar o fluxo que circula pela internet mundo afora. Para que isso não aconteça, será investido cerca de 1,4 bilhão de reais no setor de tecnologia. Uma rede de fibra óptica vai conectar todos os núcleos olímpicos, permitindo a troca segura de informações. Até o fim do ano, um cabo submarino com 17?000 quilômetros de extensão deve fazer a interligação com os Estados Unidos e países da América do Sul e Central. Também será necessário instalar dois datacenters ? um, que está praticamente pronto, em São Paulo e o segundo, ainda em obras, em Guaratiba. “Não trabalhamos com a hipótese de falhas, mas, caso aconteçam, temos um plano de emergência que prevê pontos de apoio espalhados pelo mundo”, conta Elly Resende, diretor de tecnologia.

Felipe Fittipaldi
Felipe Fittipaldi ()

Com os preparativos correndo em velocidade de cruzeiro, há ainda incertezas que dão trabalho aos organizadores. A mais preocupante diz respeito ao fato de que 50% da receita que deveria vir de patrocinadores locais ainda não está garantida. É muito dinheiro, o equivalente a 1,7 bilhão de reais, quantia suficiente para deixar qualquer administrador em pânico. No comitê, esse vácuo orçamentário é tratado com relativa serenidade. “Acredito que todas as cotas de patrocínio sejam fechadas até meados de 2015”, afirma Gryner, o diretor de operações. Segundo ele, a proximidade da abertura dos Jogos deve provocar um aumento espontâneo no interesse de investidores potenciais. “De qualquer forma, o orçamento é elástico o suficiente para acomodar mudanças sem prejudicar o resultado final”, garante.

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Montar um evento de escala colossal como uma Olimpíada é um feito único, que raramente encontra paralelo na história de uma cidade. No caso do Rio, tivemos pelo menos a chance de experimentar uma pequena prévia do que acontecerá por aqui em 2016 com os sete jogos realizados durante a Copa do Mundo, entre eles a final. É um privilégio que nenhuma outra sede olímpica teve antes. Ciente da oportunidade que se apresentou, a Empresa Olímpica Municipal (EOM), ligada à prefeitura, destacou metade de seu corpo de funcionários para percorrer a cidade durante o Mundial e registrar o maior número possível de informações no decorrer dos trinta dias de competição, envolvendo aspectos que iam da mobilidade urbana à decoração das ruas.

O relatório final da pesquisa, ao contrário do que prega o ditado “errando é que se aprende”, apontou justamente os acertos como as maiores lições. Os 62 observadores da empresa indicaram, entre outros casos, o sucesso da rápida reação à chegada abrupta de centenas de automóveis e motorhomes vindos de países vizinhos, todos encaminhados para o estacionamento do Sambódromo e para o Terreirão do Samba. A iniciativa foi tão bem-vista que deve render um “motorhomódromo” de padrão olímpico em 2016. O gerenciamento de multidões, continuamente melhorado ao longo da Copa, também será replicado. Uma boa ideia adotada na Copa, a checagem prévia dos ingressos em um cinturão mais distante das roletas do estádio facilitou o trabalho mais minucioso dos profissionais que estavam mais próximos. A sinalização dentro e fora dos estádios e arenas terá letras maiores e maior quantidade de placas para que as pessoas percebam, já nas saídas das estações do metrô, trem e BRT, a direção em que devem seguir. É uma maneira de evitar que o fluxo não seja atravancado por quem para no caminho por não saber aonde ir. Até situações alheias à alçada da entidade, como o aumento abusivo de preços, serão alvo de ações em parceria com outros órgãos ? nesse caso, a Secretaria Extraordinária de Defesa do Consumidor. “São detalhes, mas farão toda a diferença na experiência que moradores e turistas viverão aqui”, observa Joaquim Monteiro de Carvalho, presidente da EOM.

Não é fácil para os cariocas compreender a grandiosidade do que vai acontecer no Rio daqui a dois anos. A julgar pelo que se viu na Copa, que teve escala pequena se comparada ao que virá, a maior parte prefere simplesmente esperar para ver quando estiver tudo pronto. Os vizinhos dos principais canteiros de obras, como o Parque Olímpico da Barra e o Complexo Esportivo de Deo­doro, não têm essa opção. Os transtornos já são muito presentes, e 2016, muito distante. Foi com isso em mente que a EOM realizou, entre março e junho, uma série de reuniões com representantes de moradores dos arredores da Avenida Abelardo Bueno. O objetivo era explicar, com porta-vozes de vinte órgãos municipais, desde a origem dos Jogos até as minúcias do projeto que está empoeirando suas vidraças, incluindo os impactos positivos e negativos. Passados os encontros, o canal de diálogo continua aberto nas redes sociais, como forma de tirar dúvidas que eventualmente apareçam. A maioria delas é bem prosaica e diz respeito a trânsito, barulho, bloqueios ao tráfego e mudanças nas linhas de ônibus. “Com os esclarecimentos, muitos moradores passaram de críticos a entusiastas dos Jogos”, conta Mariza Louven, coordenadora do programa batizado de Vizinhos Olímpicos. É bom que seja assim. Por mais que pareçam uma eternidade para quem vê de fora, dois anos passam voando para os que estão no olho do furacão.

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