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Sucesso no México, Porta dos Fundos chega a mais dois países em 2020

O ataque à sede do grupo de humor, no último Natal, só revigorou a capacidade de fazer rir da trupe, que nasceu no Rio e agora voa alto no exterior

Por Fernanda Thedim
Atualizado em 9 mar 2020, 10h07 - Publicado em 6 mar 2020, 12h00
Gregório Duvivier, Fábio Porchat, João Vicente e Antonio Tabet, quatro dos cinco fundadores do grupo, junto com o elenco brasileiro (Porta dos Fundos/Divulgação)
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Lá se foram pouco mais de dois meses, tempo suficiente, por estas bandas, para o esquecimento tomar conta. Réveillon, Carnaval e novas baixarias na cena política afastaram o episódio nefasto do noticiário — um perigo, já que o caso ainda está longe de uma solução. Na madrugada de 24 de dezembro, cinco sujeitos trocaram o clima de paz e harmonia que a data sugere pela execução de um atentado embalado pelo ódio. O bando lançou dois coquetéis molotov na sede do grupo de humor Porta dos Fundos, no bairro do Humaitá. Flagrada por câmeras de segurança, a explosão deu início a um foco de incêndio, logo contido. Até agora, a polícia identificou apenas um dos envolvidos no crime (enquadrado como vandalismo e tentativa de homicídio), mas mesmo aí a Justiça tardou e falhou: na véspera da expedição de seu mandado de prisão, o economista Eduardo Fauzi escapou para a Rússia, onde vive a namorada. “Todo mundo sabe onde está o cara e nada é feito. E os outros quatro, cadê?”, protesta Antonio Tabet, um dos cinco fundadores do Porta, sem perder a piada: “Podiam aproveitar para procurar o Queiroz junto”.

A persistência no riso é sinal inequívoco de que a turma carioca que ajudou a revigorar o humor nacional não esmoreceu diante da truculência nem se deixou engolfar pela autocensura — e anda com a verve mais afiada do que nunca. A temporada de 2020 se inicia com sete projetos no horizonte. Um deles, que começou neste mês, marca a estreia da trupe nos reality shows: trata-se de O Novo Futuro Ex-Ator do Porta, processo de seleção de mais um “mau elemento” para o elenco fixo — uma parceria com o YouTube Originals, espaço para produções próprias da rede mundial de compartilhamento de vídeos. “Neste momento, o Porta está se reimaginando e se expandindo em direção a diferentes formatos, plataformas e públicos”, diz Christian Rôças, executivo que, no fim de 2019, deixou o Facebook para assumir o cargo de CEO do grupo. No reality, candidatos de todo o Brasil poderão se inscrever pela internet enviando um vídeo de até dois minutos. Peneiras vão reduzir a lista a dez concorrentes. Depois, Antonio Tabet e o ator Rafael Portugal, do elenco fixo da trupe, rodarão o país para conhecer os finalistas e testar suas habilidades. Os aspirantes deverão interpretar esquetes famosos do grupo. “Como ator do Porta, você tem de saber falar palavrão e não pode ficar intimidado com situações constrangedoras”, avisa João Vicente, outro titular do quinteto.

No ar desde 2012, o Porta dos Fundos é um fenômeno da internet brasileira: tem 16,3 milhões de inscritos só no YouTube e atinge cerca de 120 milhões de visualizações por mês com vídeos de humor lançados três dias por semana. A disposição para zombar de tudo e de todos conquista fãs e também descontentes. Quem engrossa a segunda lista costuma reagir com críticas on-­line, abaixo-assinados e processos judiciais (às dezenas). Faz parte do show. O ataque a bomba no fim do ano, manifestação contra o especial de Natal feito por eles e exibido pela Netflix, preocupa porque extrapola o ringue do bom-senso democrático. No filme, Jesus volta mudado após uma experiência gay nos quarenta dias que passou meditando no deserto — de fato, a Bíblia não entra em detalhes, só explica que o filho de Deus “foi tentado em todas as coisas” durante esse período. Pode-se gostar da piada ou não; é compreensível, inclusive, que religiosos achem o enredo de mau gosto. Intolerável é a violência contida na reação. A tentativa de intimidar o grupo, no entanto, apagou-se tão rápido como as chamas na portaria. “Se nem o Jesus Cristo agradou a todos, que dirá o Jesus Gay”, ironiza Gregório Duvivier, também integrante do Porta.

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(Arte Veja/Divulgação)

Hoje, cerca de oitenta profissionais dão expediente na produtora do Humaitá. Para Felipe Pena, ex-diretor de análise de conteúdo da Rede Globo e professor de comunicação da Universidade Federal Fluminense, o Porta dos Fundos teve papel relevante na construção da linguagem do humor na web. “Esquetes, velhos conhecidos da comédia brasileira, eternizados por grupos como Os Trapalhões, ganharam roupagem nova com o Porta”, pontua Pena, que observa: “Eles entenderam que aquele humor patife tinha acabado e acrescentaram a velocidade necessária para ser vista durante uma navegada na rede”. O mercado publicitário logo se deu conta do potencial do quinteto: Vivo, Nivea, Nissin, Honda e Garoto foram empresas que encomendaram conteúdos customizados no ano passado. Cinco projetos que envolvem marcas estão em curso para este primeiro semestre. “Atualmente, as pessoas preferem publicidade que não pareça publicidade. E eles fazem isso com graça e naturalidade”, analisa o publicitário Washington Olivetto. Uma boa piada sempre pode desencadear um novo negócio, ainda que não seja pensada com esse objetivo. Certa vez, a turma produziu um vídeo fazendo chacota com os nomes gravados em latas de refrigerante, e a Coca-Cola decidiu patrocinar uma continuação da história.

Para atenderem à demanda crescente, em breve eles vão se mudar do Humaitá para um imóvel três vezes maior, também na Zona Sul, equipado com estúdios próprios. A rotina seguirá a mesma. Sempre às sextas, com pontualidade religiosa, os fundadores Gregório Duvivier, 33 anos, Ian SBF, 39, Fábio Porchat, 36, João Vicente de Castro, 36, e Antonio Tabet, 45, se reúnem durante o dia inteiro. Com outros atores, roteiristas e diretores, umas vinte pessoas ao todo, discutem temas e abordagens para os próximos vídeos. O clima é de recreio da 5ª série, com um ou outro assumindo o papel de professor e pedindo atenção para avançar nos roteiros. Foi numa reunião dessas que surgiu o último especial de Natal, tradição do grupo desde 2013. “Chamar Jesus de gay é antigo, é clichê, não tem nada de novo aí. A questão é que no atual momento político do país o vídeo caiu como uma bomba”, analisa o filósofo Luiz Felipe Pondé. “Há que admirar um grupo que está disposto a zombar de maneira inteligente do que está acontecendo à nossa volta”, enlaça.

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O confronto apontado por Pondé se reveste de novas tonalidades com o debate político transcorrendo em tons tão polarizados como os de hoje. “Quando temos um presidente que faz gesto de arma, de metralhar, isso legitima a violência. São tempos difíceis”, sublinha João Vicente. No Porta dos Fundos, o humor é a melhor defesa. “Nós rimos de quem está no poder”, resume Gregório. E explica: “Evitamos fazer humor com minorias não por medo da crítica, mas porque esse é um humor medroso, cagão. Humor é, por definição, uma luta contra o medo”. A Primeira Tentação de Cristo, título do especial de Natal de 2019, foi um baita teste para essa filosofia. Antes do atentado, havia motivado um abaixo-assinado furioso com mais de 2 milhões de adesões. Acabou sendo alvo de sete ações nos tribunais. A Justiça do Rio chegou a ordenar sua retirada da Netflix, mas o STF revogou a decisão. “Quando criamos um roteiro com um Jesus gay, o que estamos fazendo é humanizar uma figura religiosa. Esse é o papel do humor, humanizar, igualar a todos. Agressão é apoiar a intolerância religiosa, invadir terreiro, chutar santa”, enfatiza João Vicente.

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Fábio Porchat em A Primeira Tentação de Cristo: sete ações movidas contra o especial (Porta dos Fundos/Divulgação)

O grupo já tinha explorado temas e figuras caros aos católicos em outras produções. Em 2018, no primeiro especial natalino produzido em parceria com o gigante americano do streaming, Jesus era um pilantra beberrão que tinha um caso com Maria Madalena. Heresia? “Ninguém reclamou de que ele era mau-caráter. Agora, porque é gay, fizeram um escândalo. Isso diz muito sobre nossa sociedade”, avalia Tabet. Inspirado na comédia hollywoodiana Se Beber, Não Case, o natalino de 2018, batizado de Se Beber, Não Ceie, levou o Grammy internacional de melhor comédia na primeira vez em que a premiação americana agraciou um canal de humor da internet. O troféu serviu de bem-vindo empurrão ao movimento de internacionalização do Porta, que em 2017 foi comprado pela ViacomCBS — o negócio, estima-se no mercado, ficou na casa dos 60 milhões de reais. O conglomerado de mídia dos Estados Unidos, dono das marcas Paramount Pictures, Nickelodeon e MTV, hoje é sócio majoritário da empresa carioca.

Já com os novos sócios, a turma lançou, em abril de 2019, o Backdoor, no México, com elenco, linguagem e temática direcionados ao público local. Gregório viajou para lá para selecionar atores e prepará-los para desenvolver os conteúdos. Menos de um ano após a estreia, o coirmão mexicano soma mais de 3 milhões de inscritos e um feito importante: Harina, uma das primeiras produções para o canal, tornou-se o vídeo de maior audiência da história do Porta dos Fundos. Com gírias e referências locais, o roteiro acompanha a reação de um policial após sua equipe apreender um enorme carregamento de drogas. Com três minutos de duração, alcançou 48,5 milhões de visualizações. A popularidade do protagonista de Harina (farinha, em espanhol) é sentida nas ruas e nas redes, sempre elas. Fãs vestem camisetas com o rosto do dito-cujo, crianças desfilam fantasiadas de polícia e há até bolo de aniversário decorado com a face do personagem. Em breve, a bem-sucedida investida estrangeira se estenderá a mais dois países, sem prejuízo da intensa produção brasileira.

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O ataque ao Porta dos Fundos não foi a primeira tentativa de silenciar o humor brasileiro na base da violência. Na madrugada de 12 de março de 1970, uma bomba com 5 quilos de dinamite foi jogada no quintal da sede do jornal O Pasquim, em Botafogo. Inaugurado no ano anterior, o semanário não poupava o governo militar da inspirada chacota produzida em doses industriais por craques como Millôr Fernandes, Jaguar e Tarso de Castro. Por sorte, o estopim, apesar de queimado, não deflagrou a explosão esperada. “Se a bomba explodisse, atingiria a sede d’O Pasquim — matando o vigia e sua família — e alguns prédios vizinhos”, escreveram os responsáveis pela publicação, na primeira edição após o atentado. Décadas antes, em 1934, o pioneiro da sátira política Apparício Torelly (1895-1971), mais conhecido como o Barão de Itararé, entrou numa fria justo quando se dedicou a um projeto sério, o Jornal do Povo, de vida curtíssima. Indignados com uma série de matérias sobre a Revolta da Chibata, oficiais da Marinha sequestraram Torelly, espancaram o jornalista-­humorista e ameaçaram atirar nele. De volta à redação, o impagável Barão de Itararé mandou pendurar na porta de seu escritório uma placa onde se lia “entre sem bater”. Não tem jeito: o (bom) humor sempre triunfa.

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Backdoor: no México (Chino Lemos/Backdoor/Divulgação)

Não vão nos calar

O grupo, criado em 2012, vem crescendo a passos largos

16,3 milhões de inscritos no canal brasileiro do YouTube

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1 000 vídeos produzidos desde a estreia

120 milhões de visualizações, em média, por mês

48,5 milhões de views no vídeo Harina, atração do Backdoor, lançado em abril de 2019 no México com elenco próprio

7,3 milhões de fãs nas redes sociais do canal coirmão

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Muito além do YouTube

Fora os esquetes no canal da internet, o grupo se prepara para estrear em mais dois países e já tem sete projetos fechados em outros canais para 2020. Alguns deles:

Que História É Essa, Porchat? A segunda temporada da atração, criada e produzida pelo Porta, estreia em 10 de março no GNT

Gregorio Duvivier na bancada do Greg News
Greg News: quarta temporada a caminho (Rogerio Resende/Divulgação)

Greg News Em parceria com o HBO, o jornal cômico apresentado por Gregório Duvivier terá a quarta temporada lançada no fim do mês

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Homens? A série de ficção é escrita e protagonizada por Fábio Porchat para o canal Comedy Central. A segunda temporada vai ao ar em abril

O Novo Futuro Ex-Ator do Porta O primeiro programa da trupe em formato de reality. Foi idealizado para o YouTube Originals, reservado a produções próprias

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