A nossa Detroit
Impulsionada pela indústria automobilística, a região de Porto Real e Resende se transformou no mais novo e vibrante polo econômico fluminense
Quando decidiu comprar uma fazenda no sul do estado do Rio, o corretor de imóveis Paulo Sampaio, de 40 anos, agiu basicamente por impulso. Atraído pelo preço de 6 reais o metro quadrado, achava que aquele lugar nos limites de Resende, a 160 quilômetros da capital, tinha chance de ser valorizado. Até que isso acontecesse, usaria a propriedade, adquirida com quatro sócios, para criar algumas cabeças de gado. Nunca imaginou, entretanto, que a valorização alcançaria estratosféricos 500% em apenas cinco anos. Hoje, a extensão de terra de 1,2 milhão de metros quadrados está dividida em 414 lotes avaliados em 112?000 reais cada um, e o que era um pasto com um punhado de vacas virou o Alphaville Resende, condomínio a ser erguido pela badalada grife imobiliária nascida em São Paulo. Além de ganhar com o aumento no preço das terras, Sampaio lucrou um quinhão com as vendas em si. Em uma única manhã de trabalho, em dezembro do ano passado, sua empresa negociou 88 terrenos, faturando pelo menos 400?000 reais só em comissões. “Agora quero entrar no ramo de construção de prédios comerciais e residências”, entusiasma-se.
Mais que um golpe de sorte, a prosperidade súbita do corretor é decorrência de um fenômeno que está transformando radicalmente as cidades de Resende e Porto Real, na região divisória entre Rio e São Paulo. Ambas se tornaram pulsantes centros industriais que deverão receber uma injeção de aproximadamente 7 bilhões de reais até 2015, com a criação de pelo menos 5?000 empregos. Polos automobilísticos do estado, elas são uma espécie de versão fluminense de Detroit, a capital americana do automóvel. Ali se concentram as fábricas das quatro grandes montadoras, e todas, sem exceção, seguem uma agressiva agenda de investimentos. Pioneira na região, a Volkswagen Caminhões, recentemente adquirida pela MAN Latin America, aplicará 1 bilhão de reais na duplicação de sua produção anual de 70?000 veículos. A francesa PSA Peugeot Citroën gastará outros 3,7 bilhões para ampliar suas linhas de montagem. Inaugurada na semana passada, a fábrica de retroescavadeiras da sul-coreana Hyundai custou 408 milhões de reais e vai gerar 1?000 postos de trabalho. A japonesa Nissan tem destinado 2,6 bilhões para a construção de um gigantesco parque industrial que entrará em operação em 2014 e produzirá 200?000 carros por ano, empregando 2?000 pessoas. “Ficamos surpresos com a procura de engenheiros e pesquisadores do Rio, de Belo Horizonte e São Paulo interessados em trabalhar lá”, diz François Dossa, presidente da montadora no Brasil.
Uma rápida pesquisa em imagens de satélite disponíveis na internet mostra o impacto do fenômeno, principalmente na pequena Porto Real. Com apenas 16?000 habitantes, o município conta com cinco enormes parques fabris cuja área praticamente se equipara à ocupada pela malha urbana. Desde 2006, a arrecadação de impostos triplicou e a cidadezinha produz em riquezas o equivalente a 3,5 bilhões de reais por ano. Ou seja, é como se cada morador fosse responsável por gerar uma renda de 215?500 reais, o segundo maior PIB per capita do Brasil. Tamanho fluxo de dinheiro permite a Porto Real manter serviços dignos de países escandinavos. Ali, ninguém paga pelo transporte público, fornecido gratuitamente pela prefeitura. Quem precisa de atendimento médico também não passa sufoco. A rede de saúde dispõe de oito postos e um hospital onde cada cidadão tem um prontuário médico on-line. De acordo com o índice de desenvolvimento elaborado pela Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), trata-se da melhor cidade do estado para viver. O salário médio gira em torno de 2?300 reais mensais, 1?000 reais acima da média regional. Ex-pedreiro, Leonardo Muniz, 35 anos, é uma espécie de símbolo das transformações na área. No início da década, trabalhou na construção da fábrica da Peugeot Citroën, onde hoje é supervisor de produção. “Tenho casa própria e um Xsara Picasso na garagem, muito mais do que eu sonhei quando trabalhava em obras”, conta ele.
Uma das grandes conquistas do desenvolvimento econômico, além da geração de empregos, é avivar o espírito empreendedor em uma região. Apenas no ano passado, 316 novas empresas brotaram nas duas cidades sul-fluminenses, cifra que inclui tanto fornecedores das montadoras como prestadores de serviços em geral. Descendente de italianos, Jomara Corradi, 22 anos, enxergou na chegada das fábricas de carros a chance de expandir a cantina mantida pela família em Porto Real. Depois de vender quentinhas às empresas, ela aposta agora em dois restaurantes recém-abertos em sociedade com o irmão, o estudante de engenharia Guilherme Corradi, de 26 anos. “Criamos cartas de cervejas e vinhos importados e trouxemos uma chef da Itália para reformular o cardápio”, orgulha-se ela. Entre as novidades implantadas pelos Corradi está a primeira happy hour do lugar. “É para os executivos darem uma relaxada no fim da tarde”, explica Jomara.
Beneficiadas pelos bons ventos da expansão econômica, as duas cidades junto ao Rio Paraíba do Sul têm atraído uma leva de forasteiros em busca de oportunidades. Desde 1996, quando se tornou um município independente, Porto Real viu o número de moradores aumentar 37%. Resende, um centro regional já consolidado, cresceu 14% nos últimos treze anos, mas deverá ter uma população 50% maior até 2020. Nascido em Caxias do Sul, o gaúcho Bruno Balbinot, 29 anos, chegou a Resende ainda adolescente, em 2001. Foi quando sua família decidiu deixar o Rio Grande do Sul para fundar uma pequena empresa especializada em equipar os modelos básicos de caminhões que saíam das linhas de montagem da Volkswagen. Em dez anos, o quadro de funcionários da fábrica saltou de quinze para 250 pessoas. Hoje, Balbinot, na posição de diretor, planeja uma expansão que exigirá investimentos de 20 milhões de reais nos próximos dois anos. “No começo foi difícil convencer toda a família a se mudar. Mas agora ninguém pensa em sair de Resende”, compara ele, que mora na cidade com os pais e três irmãos. Além dos negócios ali, a família do empresário mantém um apartamento no Rio, no Arpoador, praia onde ele surfa nos fins de semana. Eventualmente, Balbinot quebra a rotina em Angra dos Reis. “Aqui fico no meio do caminho entre esses dois lugares incríveis”, comemora.
O sul fluminense não é a única região que cresce no Rio. Impulsionadas pela indústria do petróleo, Macaé, Campos e Rio das Ostras também apresentam forte ciclo de expansão. No entanto, a área de Porto Real e Resende apresenta características distintas daquelas dos municípios mais ao norte. Nela, busca-se juntar o planejamento ao crescimento. Mesmo com o frenesi imobiliário, não se assiste ao inchaço de favelas que ocorre nas outras localidades. Os índices de criminalidade continuam baixos ? Macaé, por sua vez, é a quinta cidade mais violenta do estado. Para que Resende se mantenha no rumo certo, a prefeitura criou um conselho que conta com especialistas da PUC, da Uerj, da Petrobras e da sociedade civil. Já Porto Real recebe consultoria da Fundação Getulio Vargas para manter o equilíbrio entre o crescimento e a qualidade de vida. Quem acompanha de perto as mudanças é só elogios. “Sou de um tempo em que, para viver aqui com conforto, era preciso ter um gerador de eletricidade”, recorda o empresário Michel Arbex, 70 anos. Investidor do ramo imobiliário, ele soube tirar proveito da boa fase e amealhou um vasto patrimônio, que inclui imóveis, uma construtora e um hotel. É dono ainda de um apartamento em Ipanema, destinado aos fins de semana. Mas gosta mesmo é de passear em Paris, para onde vai com menor frequência do que desejaria. “Já pensei em me aposentar, mas sempre adio a decisão, tantas são as oportunidades de negócio que aparecem”, diz. Afinal de contas, com o interior fluminense bombando, a Champs-Elysées pode esperar.