O charme do morro
Grupo de profissionais bem-sucedidos compra imóveis no Vidigal para abrir negócios na região
Mesmo quem nunca esteve em um morro da cidade pode imaginar as paisagens extasiantes que se vislumbram lá de cima. Com o programa das UPPs, que restabeleceu o livre acesso a mais de 200 favelas onde antes vigoravam as regras do tráfico, cresceu consideravelmente o afluxo de visitantes a esses territórios. Mas há quem esteja disposto a intensificar a relação com essas áreas do Rio que até pouco tempo atrás eram feudos de marginais. Um grupo conhecido de artistas e empresários caiu de amores pelo Vidigal e resolveu investir no lugar. Dele fazem parte o artista plástico Vik Muniz, a produtora de cinema Jackie de Botton e o empresário Cello Macedo, que compraram imóveis no alto da colina e planejam investir em negócios por lá (veja o quadro). O pioneiro do movimento é o arquiteto Hélio Pellegrino, uma grife em seu ramo de atuação. Ele prenunciou passar a velhice à frente de um hotel de alto padrão no morro. Antes mesmo da pacificação, comprou um terreno na localidade conhecida como Arvrão, no topo da colina, onde aos poucos põe em prática seu plano, que sofreu modificações. Em vez de um cinco-estrelas, construirá um albergue de luxo, e um sócio com experiência no setor de serviços entrou na jogada: Antonio Rodrigues, dono da rede de bares Belmonte. “O turista inteligente quer ter uma experiência genuína de Rio de Janeiro, e o Vidigal é a síntese da cidade em estado bruto”, diz Pellegrino. O Hotel Arvrão, como será chamado, deve ficar pronto até o fim do ano. Seu projeto segue os preceitos do bom termo ecológico: utiliza materiais de demolição, tem sistema de tratamento de esgoto e uma cisterna capaz de armazenar 60 000 litros de água da chuva. A ideia é abastecer a despensa com verduras e legumes provenientes de hortas hidropônicas cultivadas nas lajes das redondezas.
Veja quem são os novos proprietários e o que pretendem fazer na favela
A região do Arvrão é a Vieira Souto do Vidigal. Dali se veem todo o morro e a imensidão do mar em frente. É nesse filé-mignon que a produtora de cinema Jackie de Botton comprou uma casa, onde planeja receber artistas internacionais, que poderão se hospedar a baixo custo e em troca assumirão o compromisso de dar aulas no local. “A comunidade é bem receptiva, há uma integração muito bonita de todo mundo”, elogia a recém-chegada. Não muito longe, o artista plástico Vik Muniz comprou o terreno de uma antiga igreja, a fim de construir um ateliê. Para concretizar o sonho do empreendimento no morro, o primeiro passo é superar os problemas de infraestrutura. O empresário Cello Macedo, criador da cerveja Devassa, está diante desse impasse. No ano passado, com a região pacificada, ele comprou um imóvel no Arvrão. Em parceria com a esposa, Zazá Piereck, dona do Zazá Bistrô Tropical, tem a intenção de abrir um restaurante lá em cima. Porém, como o endereço fica a duas quadras da Avenida Presidente João Goulart, a principal via do Vidigal, larga e asfaltada, ficou complicada a logística de recolhimento de lixo e entrega de fornecedores. “Estou superentusiasmado e quero trabalhar com gente da própria comunidade. Só não sei como solucionar esse problema”, confessa Macedo.
Não é de hoje que as favelas exercem fascínio nos cariocas de maneira geral. Seja no cinema, seja na música, há inúmeras referências melífluas sobre esses lugares. Com a visão embaçada pela poesia, a favela “mais parece o céu no chão” e o “barracão de zinco é tradição do país”. Após o advento da pacificação, muita gente que admirava os morros de longe pôde enfim frequentá-los. Atentos ao movimento, produtores culturais passaram a promover festas nas comunidades, que atraem uma multidão de jovens abonados, dispostos a pagar um alto valor pelo ingresso. Na mesma tendência, bares que até então se limitavam a atender uma clientela local viraram concorridos pontos de encontro de moradores de todo o Rio. “Está vindo muita gente que antes tinha medo de chegar perto. É bom que haja essa integração com o restante da cidade”, afirma Marcelo da Silva, presidente da Associação de Moradores do Vidigal.
Quem chega ao morro propenso a adquirir uma propriedade deve ter ciência dos riscos que corre, dado o grau de informalidade da transação. No Vidigal, as negociações são intermediadas pela Associação de Moradores, que chancela a transferência da propriedade e concede um contrato de gaveta. A partir daí, cabe ao morador correr atrás da documentação oficial nos órgãos responsáveis, o que pode demorar anos. Ainda na década de 70, a favela foi dividida em duas partes. Todos os terrenos do lado direito de quem sobe a Avenida Presidente João Goulart ficaram sob a responsabilidade do estado, enquanto a face oposta está sob a alçada da Secretaria Municipal de Habitação. O estado se mexe para legalizar os imóveis de seu quinhão. No ano passado, foram concedidos 691 títulos de propriedade no Vidigal, e mais 900 serão entregues até dezembro. Tal qual ocorre no asfalto, o mercado imobiliário por lá está fervendo. Quando Hélio Pellegrino comprou seu terreno, há cinco anos, pagou 80?000 reais por dois barracos. Há poucos meses, Jackie de Botton desembolsou quase 700?000 reais pelo lote vizinho. Como se vê, um negócio ao alcance de poucos bolsos.