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O dom da invisibilidade

Oficialmente, o escritor Paulo Coelho não vem ao Rio há pelo menos sete anos. Em entrevista exclusiva, ele conta que costuma visitar incógnito a cidade, frequentando restaurantes, churrascarias e até a orla da praia

Por Sofia Cerqueira, de Genebra
Atualizado em 5 jun 2017, 14h37 - Publicado em 9 mar 2012, 18h52
Fred Merz
Fred Merz (Redação Veja rio/)
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Nascido no bairro de Botafogo, o escritor Paulo Coelho costuma ser enquadrado naquela categoria de cariocas ilustres que, uma vez bafejados pela fama e pela fortuna, partem para uma vida glamourosa no exterior, bem longe da cidade natal. Pelos cálculos oficiais, ele não pisa aqui há sete anos, desde quando se estabeleceu de vez no sul da França (hoje vive em Genebra, na Suíça). Se, no entanto, em meio a um passeio por Copacabana, o leitor cruzar com um senhor de estatura mediana, aspecto jovial, vestido de preto, com bigode e cavanhaque grisalhos, cabeça raspada e um pequeno tufo de cabelo caindo sobre a nuca, não precisará duvidar. Há uma enorme chance de ser o próprio, em uma de suas escapadas para o Rio de Janeiro, que com frequência realiza completamente incógnito. Nessas ocasiões, o autor brasileiro que mais vendeu livros em todo o mundo, com a incrível marca de 140 milhões de exemplares publicados em 160 países, não cumpre agenda nem aparece em eventos públicos. Durante suas visitas, ele caminha ao entardecer pelas areias da Praia de Copacabana, bairro onde mantém um apartamento, ou toma água de coco em um quiosque do Posto 5. Também costuma se reunir com um pequeno grupo de amigos, que guarda segredo de sua presença. Às vezes, eles se encontram em casa ou até mesmo em churrascarias. ?Não uso disfarce algum, nem me escondo. Muitas pessoas me veem mas não acreditam que sou eu?, contou ele a VEJA RIO, em seu apartamento dúplex com vista para os Alpes. ?Foi a forma que achei para aproveitar a cidade em sua plenitude.?

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Seja por força de algum truque – ele não tem fama de mago? -, seja por pura sorte, é fato que, desde 2005, Coelho tem permanecido praticamente invisível em suas andanças cariocas. Mesmo sendo dono de um jatinho Citation Excel, que usa para deslocamentos pela Europa, vem ao Brasil em voos comerciais, procedentes de Zurique (o avião particular, explica, não tem autonomia para cruzar o Oceano Atlântico). A cada uma dessas passagens, tem o hábito de encher uma caixa de 15 centímetros de comprimento com areia da praia, que joga no jardim privativo de seu refúgio suíço. Em março de 2010, o escritor chegou a ficar retido na cidade por causa da erupção do vulcão Eyjafjallajökull, na Islândia, que paralisou o tráfego aéreo em parte do continente europeu. Só no ano passado, foram três viagens. Na primeira, em fevereiro, matou a saudade de restaurantes que frequentava e encontrou-se com amigos. ?Ele jantou aqui com a mulher e a Danuza Leão?, afirma Ísis Rangel, sócia do restaurante Siri Mole, em Copacabana, um dos preferidos do escritor, que quando vai lá pede acarajé, moqueca e caipirinha de lima – sempre sem açúcar.

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As demais incursões, fora uma ou outra passagem entre picanhas e maminhas da churrascaria Porcão, tiveram um caráter menos festivo. Em setembro, voltou para ver o pai, o engenheiro Pedro Coelho, que estava doente. Foi a última vez em que se encontraram – ele morreria dois meses depois, aos 98 anos. Em novembro, uma nova visita, dessa vez rapidíssima, que durou menos de 24 horas. O autor de O Alquimista chegou no dia 28 para se consultar com seu médico de confiança, um clínico geral que o atende há mais de vinte anos. No dia anterior, após um teste de esforço numa clínica de Genebra, recebera um diagnóstico perturbador. Com três artérias do coração entupidas, soube que teria trinta dias de vida caso não se submetesse a uma angioplastia. O médico daqui ouviu outro colega e confirmou a gravidade do problema. O escritor embarcou de volta na mesma noite. Mal chegou à Suíça, internou-se às pressas em um hospital e implantou dois stents. ?Fui ao Rio com a esperança de não precisar operar. Não era uma questão de medo da morte, mesmo porque acredito que a vida não termina?, afirma ele, que durante três horas de entrevista acendeu dez cigarros, hábito nem um pouco recomendável para quem tem problemas cardíacos. ?Mesmo com toda a recomendação médica para parar de fumar, não consigo largar esse vício.?

Ouvir do próprio Paulo Coelho que continua a visitar a cidade onde nasceu causa no mínimo surpresa. Até agora, ele ajudou a alimentar o mito do autoexílio e a manter a aura de mistério em torno de sua opção. Tal conduta estimulava as mais diversas especulações. Uma delas, embalada por suas notórias superstições, era que ele temia voltar por pressentir que algo de ruim poderia lhe acontecer quando chegasse. Ele ri dessa versão e a refuta com veemência. Outra teoria ventilada tinha um caráter bem mais, digamos, materialista. Era recorrente o boato de que o escritor brasileiro de maior sucesso no exterior, dono de uma fortuna estimada em 500 milhões de dólares, teria pendências com a Receita Federal. Para contestá-lo, ele exibe uma declaração de ?nada consta? junto ao órgão datada de 2011. ?Esse tipo de problema nunca existiu?, diz. O motivo real é evitar todo e qualquer tipo de assédio onde não tenha o controle da situação. Desde 2006, não realiza mais sessões de autógrafos no lançamento de seus livros. Dois episódios contribuíram para isso. O primeiro foi em Buenos Aires, quando se viu em meio a um tumulto envolvendo mais de 1?000 fãs. O segundo aconteceu na Croácia, onde um leitor descontrolado sacou uma arma para exigir o autógrafo em seu exemplar.

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As viagens camufladas ao Rio revelam muito da complexa personalidade de Paulo Coelho. Embora seja vaidoso e tenha amor aos holofotes, ele adora criar uma cortina de fumaça, uma aura de mistério, em suas andanças pelo mundo. Um de seus hábitos mais comuns é registrar-se em hotéis com nome falso, um estratagema que aprendeu com atores como Sylvester Stallone, Julia Roberts e Sharon Stone, leitores de seus livros. Para o próximo dia 19, já montou todo o esquema que usará em um rápido pulo a Veneza. Na ocasião, um conglomerado europeu de artigos de luxo lançará uma caneta com sua assinatura (os preços vão de 3?800 a 100?000 euros, dependendo da versão). Também será comemorado o Dia de São José, um dos seus santos de devoção (veja os demais na pág. 28), com uma festa para 150 convidados em um castelo de Bassano del Grappa, nos arredores da cidade italiana. Antes da publicação desta reportagem, seu plano era hospedar-se no Danieli, um palácio do século XIV a poucos passos da Praça São Marcos, com o pomposo nome de príncipe Wladimir Clodomir Komlghovi. ?É um truque que me garante paz?, diverte-se.

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Se existe um consenso em relação a ele, é o de que nenhum carioca jamais alcançou, de forma consistente e por tanto tempo, tamanha visibilidade. Por onde pisa, do Oriente Médio aos confins do Leste Europeu, Paulo Coelho é reverenciado. Só para se ter uma ideia da sua popularidade internacional, ele já vendeu mais de 12 milhões de livros no Irã e ficou dez anos consecutivos na lista dos best-sellers da Lituânia. O fenômeno se repete no Japão, na Austrália e em muitos outros lugares sem nenhuma identificação com o Rio, a exemplo do Cazaquistão. Goste-se ou não de sua obra, é preciso admitir que ela consegue ser apreciada por povos e culturas com bagagens completamente diferentes. ?Por que os Beatles alcançaram projeção universal, se nem eram os maiores músicos da época deles? Isso não tem explicação?, afirma, sem a menor modéstia.

Ao contrário do que acontece no resto do mundo, o sucesso experimentado por Paulo Coelho não se repete na mesma proporção por aqui. Embora ele seja um dos três autores mais lidos do planeta, atrás apenas de J.K. Rowling (a criadora da saga Harry Potter) e Dan Brown (de O Código Da Vinci), já há algum tempo não emplaca seus livros entre os best-sellers no Brasil. Dos 140 milhões de exemplares que vendeu em sua carreira, apenas 10% foram no país. Trata-se de um número grandioso, considerando-se a tiragem normal de 3?000 exemplares dos lançamentos nacionais, mas é irrisório diante de seu êxito no exterior. Parte desse fenômeno pode ser atribuída a sua prolongada ausência (pelo menos, no que diz respeito a atividades promocionais e de divulgação). Desde 2001, ele passou a morar fora do país, inicialmente por seis meses a cada ano. Casado há três décadas com a artista plástica Christina Oiticica e sem filhos, encantou-se especialmente com o sul da França, onde ambos viveram entre 2004 e 2006. Depois, Paris, e, em 2008, eles rumaram para Genebra, uma das cidades mais caras e seguras da Europa.

Não dá para comparar à bonança atual, nem de longe, mas dinheiro nunca chegou a ser um problema na vida de Paulo Coelho. Sua adolescência foi passada numa confortável casa na Gávea. Ele estudou em colégios como Santo Inácio e Andrews, fazia viagens ao exterior e frequentava as sessões do Cine Paissandu. Depois de um período em que esteve envolvido com drogas, magia negra e o movimento hippie, passou a fazer sucesso com as músicas que compôs em parceria com Raul Seixas. Foi o suficiente para comprar seis apartamentos, o primeiro deles em Copacabana. Atualmente, está em andamento um plano para trazê-lo de volta – às claras. Sua obra completa será republicada pela editora carioca Sextante. Livro de estreia, que completou 25 anos em março, O Diário de um Mago será o primeiro a sair. Depois virão O Alquimista e Onze Minutos. Mas a ideia não é fazer apenas um retrospecto de sua bibliografia. No último dia 2, ele colocou o ponto final em seu mais recente livro, previsto para chegar às livrarias em novembro e ainda sem nome. Em meio a todo o frisson que cerca um lançamento desse porte, não está descartada uma aparição por aqui. Até lá, o leitor já sabe: se topar com alguém com um jeitão de Paulo Coelho passeando calmamente pelas ruas do Rio, pode pedir um autógrafo. É ele mesmo.

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