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Os novos e grandiosos planos de Alexandre Accioly para o Rio

Empresário anda às voltas com nova casa de shows, instalada no antigo cinema Roxy, e com a renovação do Jardim de Alah, castigado cartão-postal da cidade 

Por Marcela Capobianco
Atualizado em 15 set 2023, 09h12 - Publicado em 15 set 2023, 09h01

Perto de completar 60 anos e às voltas com uma profunda crise que abalava sua rede de academias, a BodyTech, então com prejuízo acumulado na casa dos 250 milhões de reais como consequência da pandemia, o empresário carioca Alexandre Accioly entabulou uma conversa decisiva com o amigo e sócio Luiz Urquiza, também CEO do negócio. Em meio ao estresse daqueles dias, Urquiza dizia que os próximos dez anos seriam determinantes. “Logo seremos dois idosos”, soltou ele, cuja ideia era ir pisando no freio assim que a má fase passasse, para dedicar mais tempo à família. “Você deveria fazer o mesmo”, sugeriu a Accioly, que desconversou. Mas o papo não lhe saía da cabeça. “Eu não sou de perder o sono, mas fiquei com aquilo, refletindo sobre como me via no futuro próximo”, conta. Decidiu marcar um almoço com Urquiza, em que avisou: “Vou acelerar muito mais. Agora é a hora”. E assim fez. Hoje, com as contas da BodyTech no azul e livre da denúncia que arrastou seu nome para a Lavo-Jato, Accioly anda imerso em grandes projetos que prometem sacudir a cidade. Um deles é a reforma do antigo cinema Roxy, que vai virar uma casa de shows em Copacabana com a ambição de se tornar destino obrigatório na rota turística; e o outro, a repaginação do Jardim de Alah, o abandonado cartão-pos­tal entre Ipanema e Leblon.

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Autor de planos grandiosos, Alexandre Accioly já se viu por várias vezes — nem sabe dizer quantas — cercado de polêmicas. E não vem sendo diferente agora, com o Jardim de Alah. A ideia nasceu quando bateu os olhos em um projeto para a região no computador do arquiteto Miguel Pinto Guimarães. Adorou e convenceu-se de que o tiraria do papel, acionando um mecanismo chamado MIP, ou Manifestação de Interesse Privado, em que qualquer cidadão pode desencadear uma licitação. O processo ocorreu sob a fúria da associação de moradores local, que entrou com uma ação popular para impedir a revitalização da área, alegando que a cirurgia proposta por Accioly descaracterizaria o lugar e ainda levaria à subtração de vagas de estacionamento. No início de agosto, a ação foi extinta. Etapa vencida, restam ainda outras travas jurídicas para o ambicioso projeto nas mãos do consórcio formado por Accioly, pelos arquitetos Miguel Pinto Guimarães e Sergio Conde Caldas e pelo empresário Dody Sirena. Recentemente, o Ministério Público pediu à Justiça para suspender a concessão, argumentando que a licitação colide com a Lei Orgânica do município. “Sei que tenho o melhor advogado do mundo, que é a consciência dos cariocas. Quem não entende a necessidade desse projeto não pode dizer que ama o Rio”, sentencia.

O movimento capitaneado por Accioly ocorre numa fase em que uma série de endereços tradicionais da cidade ganha vida nova, a maior parte por meio de parcerias público-privadas. A icônica casa de shows Canecão, em Botafogo, vai finalmente reabrir as cortinas em 2025. Fechado desde 2018, o Mercadinho São José, em Laranjeiras, foi arrematado pela prefeitura, que analisa propostas para a concessão. No início do ano, sete parques, a exemplo do Aterro do Flamengo, do Parque Madureira e da Quinta da Boa Vista, foram entregues à iniciativa privada num acordo que envolveu o BNDES. Inaugurado em 1938, o Jardim de Alah é formado por três praças (Almirante Saldanha, Grécia e Paul Claudel) e recebeu esse nome em alusão a um filme americano de sucesso à época, estrelado por Marlene Dietrich. Entre 1950 e 1960, era possível passear de pedalinho pelo canal. Ainda no início dos anos 2000, o jardim foi reformado, durante a gestão Cesar Maia, mas não emplacou como área de lazer, apesar de se situar em uma das mais nobres regiões cariocas. Nos dias de hoje, abriga moradores de rua e virou um conhecido ponto de consumo de drogas, registrando elevado índice de assaltos em comparação com as ruas internas de Ipanema e Leblon.

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A reurbanização da área, com investimento previsto de 113 milhões de reais, é encarada por Accioly como o maior desafio de sua carreira. Ele alterna a empreitada, que pretende plantar na paisagem quadras esportivas, lojas, restaurantes e um museu a céu aberto, com outros tópicos que permeiam o seu dia a dia, como discussões com o sócio Atagerdes Alves sobre mudanças no menu do Casa Tua, em atividade desde o ano passado no endereço que por anos pertenceu ao Gero da Barra, e palpites na programação do festival Noites Cariocas e na do Qualistage (o eterno Metropolitan), que comprou e pôs para funcionar em 2022. Também acompanha no detalhe as obras do Roxy Dinner Show, que oferecerá jantares musicais e apresentações artísticas sob a inspiração do Moulin Rouge, de Paris (“mas ainda melhor”). “Conhece aquele funk que vai até a velocidade 5? Com o Alexandre, o ritmo da dança do créu chega a 500”, comenta Lucílio Ghedini, engenheiro responsável pela reforma do cinema, que trabalha com Accioly há mais de duas décadas. “Se algo não está do jeito que ele quer, minha orelha esquenta. E ele cobra até ficar satisfeito”, diz Bernardo Amaral, filho de Ricardo Amaral, fundador da casa de shows do shopping Via Parque. “Eu não sei nem se ele dorme, porque está o tempo todo mandando mensagem. Eu e meu pai o apelidamos de Turboman”, brinca.

Dá tempo de dormir, sim, mas tarde, geralmente para além da meia-noite, quando Accioly começa a ler os jornais e, não raro, dispara as notícias que lhe despertam o interesse para amigos no WhatsApp. De manhã, a rotina noturna cobra seu preço. “O defeito do Alexandre é acordar tarde. Só consigo falar com ele depois das 10”, brinca o arquiteto Miguel Pinto Guimarães. Caçula de quatro irmãos, ele nasceu numa família de classe média do Leblon, que vivia da aposentadoria da avó. A mãe era dona de casa, e o pai, que deixou a família quando tinha 2 anos, bancário. Não se formou na faculdade nem teve carteira assinada, mas logo revelou tino para ganhar dinheiro. Aos 8 anos, convenceu um grupo de amigos a engraxar sapatos na Praça Antero de Quental. A bordo de uma bicicleta, tomava conta de tudo e administrava os lucros. Anos mais tarde, ao levar uma namorada a uma gravação da TV Globo no extinto Teatro Fênix, no Jardim Botânico, veio a ideia de criar uma agência de figuração, seu primeiro empreendimento bem-sucedido.

Os arquitetos Sergio e Miguel: sócios e autores do projeto para o Jardim de Alah
Os arquitetos Sergio e Miguel: sócios e autores do projeto para o Jardim de Alah (Leo Aversa/Divulgação)

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A empresa estreou em uma pequena sala em Copacabana, onde Accioly também morava. Temendo que os funcionários descobrissem que ele vivia ali, descia com a turma no fim do expediente, dava uma volta no quarteirão e subia novamente. Dormia em um colchonete no chão, enquanto expandia o negócio, até conseguir fornecer elenco para todas as faixas de horário da Globo. “Percebi aí que era hora de voar mais alto”, conta. Bateu então à porta da antiga Telerj e selou a compra de sessenta linhas de telefone para montar um telemarketing. Em pouco tempo, a Quatro/A se transformou em call center, um mercado ainda tímido, promovendo o relacionamento de empresas e fregueses. Conquistou clientes como Brastemp, Varig, Motorola e o Unibanco, que decidiu terceirizar as chamadas e, por motivos de segurança, se associou à empresa de Accioly, em 1997. O salto que o alçou ao clube dos endinheirados deu-se em 2000, ao vender para os espanhóis da Telefônica a Quatro/A, àquela altura a maior empresa de call center do país. Embolsou, junto aos sócios, 252 milhões de reais.

Foi aí que Accioly passou a frequentar as capas de revistas de fofoca sem preocupação com a discrição. Ostentava um vidão ao lado de celebridades como Carolina Ferraz, Adriane Galisteu e Giovanna Antonelli. Ao completar 40 anos, promoveu uma festa de arromba para 1 600 pessoas na Ilha Fiscal, sem economizar no champanhe e nas cascatas de camarão. Causou burburinho, e o autor de novelas Gilberto Braga o chamou para o elenco da novela Celebridade, que iria ao ar no ano seguinte. “Sem chance. Sou do show business, mas jamais conseguiria ser artista”, afirma Accioly, que declinou. Em sua visão, o único rompante de deslumbramento que teve ao longo do percurso foi ter comprado, à vista, um Porsche Carrera 911, hoje em torno de 1 milhão de reais. A visita à concessionária não durou mais do que dez minutos. Estava então tomado pela euforia de ter vendido por cifras vultosas o call center. “Foi a realização de um sonho de infância. Brincava com um carrinho muito parecido com aquele”, lembra.

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Com 1,87 metro de altura e 105 quilos (à base de dieta e malhação, luta para voltar aos dois dígitos), Accioly fala alto, rápido, entra em restaurantes da cidade cumprimentando funcionários pelo nome e abusa de pausas dramáticas ao revisitar a própria história, fazendo perguntas às quais ele mesmo responde. Garante que os tempos de playboy ficaram para trás. Não liga mais para a coleção de relógios Rolex e tampouco pilota helicópteros — bastou um contratempo nos ares com o filho, Antônio, hoje com 18 anos, para tomar a decisão. O visual também está mais sóbrio — em geral, camiseta preta, jeans e tênis, junto a um escapulário de prata no pescoço e uma pulseira de borracha em louvor a São Bento no braço direito. “Tenho muita fé, sou devoto de vários santos”, relata. Nem sempre sua trajetória foi blindada pelo divino. Afeito ao risco, ele experimentou fracassos memoráveis, como o prejuízo ao promover, junto com o cenógrafo Abel Gomes, um festival infantil no Riocentro com shows de Xuxa e Os Trapalhões, em 1988. “Ele é um doido varrido que há mais de quarenta anos me faz embarcar em insanidades. E eu vou”, resume Abel, responsável pela direção-geral do espetáculo Aquele Abraço, que estreia no renovado Roxy em março. Arrasado pelo plano Collor, no início da década de 1990, o jornal Auto Negócio, espécie de classificados só de carros, “foi uma boa ideia na hora errada”, assim como o Jornal do Maracanã.

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Negócios variados: da casa de shows Qualistage (acima) à rede Bodytech (abaixo)
Negócios variados: da casa de shows Qualistage (acima) à rede Bodytech (abaixo) (Babi Furtado e Dantas Junior;/Divulgação)

Em 2020, a sociedade com o grupo Fasano, na qual respondia pela operação de alimentos e bebidas no Rio por quase duas décadas, acabou em briga entre os sócios e disputa judicial. O quiproquó com o restaurateur Gero Fasano se seguiu às noites maldormidas da época da hoje enterrada Operação Lava-Jato, quando Accioly foi apontado como laranja do deputado federal Aécio Neves. No final de 2022, o Supremo Tribunal Federal rejeitou a denúncia por unanimidade. “Eu percebia os olhares de desconfiança ao sair na rua”, recorda. “Tinha medo do que poderia acontecer na manhã seguinte e não podia nem pensar em sair do país, senão diriam que eu estava fugindo”, arremata ele, que se manteve discreto nesse tempo, circulando pouco, longe das redes sociais, mas sem deixar a amizade com Aécio. “Ele é meu compadre, irmão de vida”, diz.

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Accioly conta que o apoio da mulher, a estilista Renata Padilha, com quem teve Maria Carolina, de 11 anos, e do filho Antônio, do rápido relacionamento com a socialite Astrid Monteiro de Carvalho, foram decisivos naqueles dias ruins. A caçula, aliás, é a única capaz de pôr um freio no pai, segundo ele próprio admite. Com frequência, irrompe no escritório de Accioly, que trabalha em seu apartamento, no 6º andar do edifício Cap Ferrat, o metro quadrado mais caro da orla de Ipanema, pedindo para que encerre as reuniões on-line. “É a poderosa chefinha da casa”, diz ele. “Nossa tarefa principal é lembrá-lo que o dia tem só 24 horas e não dá para marcar três jantares numa noite, mas não conseguimos imaginá-lo aposentado. Ficaria deprimido”, fala a esposa. Com um pé no Jardim de Alah e o outro nas ideias que acumula para a cidade, Accioly é categórico: “Não vou parar tão cedo”.

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O QUE VEM POR AÍ
Detalhes dos próximos empreendimentos capitaneados por Accioly

Roxy Dinner Show
(Fotos/Divulgação)

Roxy Dinner Show
Área 4 200 metros quadrados
Investimento 40 milhões de reais
Previsão de inauguração Março de 2024
Estilo arquitetônico Art déco, restaurando o projeto original do cinema, inaugurado em 1938 e tombado pelo patrimônio histórico do município desde 2003
Destaques
> Inspirada no parisiense Moulin Rouge, a casa vai oferecer jantares musicais por 480 reais
> Setenta dançarinos e cantores participam do espetáculo imersivo Aquele Abraço, a História do Brasil, com direção musical de Pretinho da Serrinha e geral de Abel Gomes
Curiosidades
> Na arquitetura, a abóbada original foi resgatada e poderá ser admirada pelos 700 espectadores
> Um chef de cada região do país será convidado a elaborar pratos especiais para o jantar, incorporando receitas típicas ao menu, como o acarajé e o beijupirá

Jardim de Alah
(Fotos/Divulgação)

Jardim de Alah
Área 95 000 metros quadrados, com 8 000 destinados a equipamentos comerciais
Investimento 113 milhões de reais
Previsão de inauguração Final do primeiro semestre de 2025
Estilo arquitetônico “Não arquitetura”, segundo Miguel Pinto Guimarães e Sergio Conde Caldas, com materiais sustentáveis e a manutenção da vegetação da área de lazer
Destaques
> Inclui uma zona de alimentação inspirada no famoso Mercado da Ribeira, de Lisboa
> Haverá duas novas quadras poliesportivas, parcão, área para a terceira idade, playground infantil e novas passagens de pedestres, lojas e um museu a céu aberto
Curiosidades
> Além de uma filial do Casa Tua, o plano é trazer para o Rio um grande restaurante internacional, ainda não definido
> Oficinas teatrais serão ministradas pela equipe do Tablado, enquanto professores dos clubes Flamengo, Vasco e Botafogo darão aulas de remo

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