Novas regras na orla acirram debate entre banhistas e barraqueiros
Primeiro dia de vigência do novo decreto teve 26 barracas autuadas e mais de 100 itens apreendidos

No último domingo de maio, o sol brilhando e a temperatura amena convidavam a um passeio à beira-mar. Entre pedestres que se exercitavam, skatistas que tentavam manobras e crianças brincando na pista fechada da Avenida Vieira Souto, em Ipanema, uma mulher de 63 anos foi atropelada por uma bicicleta elétrica. O ciclista era menor de 18 anos. No dia seguinte, a publicação do decreto municipal nº 56 072, estabelecendo novas regras para o uso da orla, trouxe à tona as discussões sobre esse território democrático por natureza, mas palco de um infinito embate entre normas e liberdade. O texto passou a vigorar no último domingo (1º), com fiscalização reforçada da Guarda Municipal. Ao todo, 26 barracas foram autuadas e mais de 100 itens apreendidos. No trecho percorrido por VEJA RIO na Zona Sul, o som nos quiosques estava mais baixo e nenhuma garrafa de vidro foi vista na areia. Ainda assim, muitos banhistas seguem céticos. “Vamos ver até quando vai funcionar. O som dos quiosques costumava ser tão alto que impedia a gente de jogar”, diz a economista Luciana Jácome, que frequenta a rede de vôlei em frente ao quiosque do Pato Com Laranja, no Leblon.

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Estendendo-se da Baía de Guanabara à Baía de Sepetiba, incluindo o trecho do Oceano Atlântico, as praias ocupam 246,2 quilômetros e são a principal área de lazer dos cariocas. Os turistas, é claro, não passam por aqui sem pelo menos garantir uma foto na Princesinha do Mar ou com o Morro Dois Irmãos ao fundo. A prefeitura justifica as mudanças como um esforço para garantir a ordem, a mobilidade e a limpeza urbana. No dia seguinte à publicação da resolução, ambulantes e barraqueiros protestaram em Copacabana. Entre os pontos mais polêmicos estavam a proibição de música ao vivo e a venda de bebidas em garrafas de vidro por quiosques, itens sobre os quais o prefeito Eduardo Paes (PSD) acabou recuando.

A atuação de ambulantes não licenciados — como os que vendem queijo de coalho e espetinho de camarão — segue proibida, assim como os chamados “cercadinhos VIP” no calçadão. As barracas podem exibir seus nomes, desde que seguindo um padrão estético. “Estamos nos esforçando para nos adequar. Tivemos que virar a lona do avesso para esconder uma logomarca”, conta Johnny Motta, gerente da Barraca do Ném, no Posto 11, também no Leblon.
O decreto também joga luz às áreas de lazer criadas a partir da interdição das pistas aos fins de semana. Pela definição de 1994, ainda em vigor, bicicletas, ciclomotores, motonetas e veículos elétricos leves são proibidos nesses trechos — exceto aqueles guiados por crianças de até 8 anos. “Muitas proibições já existiam. Vamos seguir fiscalizando com conscientização e aplicando multas”, afirma o secretário de Ordem Pública, Brenno Carnevale, acrescentando que quinze bicicletas elétricas e quadriciclos foram apreendidos no último fim de semana, além de sessenta ciclistas serem orientados.
Quem está sempre na areia aprova parte das mudanças. “Proibir vidro é fundamental. Vários alunos já cortaram o pé e o joelho. Eu não me conformo com o vaivém dos cachorros. Muitos circulam sem coleira, incomodam crianças e fazem cocô e xixi à vontade. Isso deveria voltar a ser fiscalizado”, ralha o professor de futevôlei do Leblon Lucas Dunlop. O aluno Yan Hermanny mostra a cicatriz de um corte causado por caco de vidro no joelho: “Quem limpa a areia somos nós”, reclama.
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Na ensolarada Los Angeles, na Califórnia, costa oeste dos Estados Unidos, é proibido consumir álcool, fumar, ouvir música, fazer fogueiras e acampar. A circulação de cachorros e outros pets também não é permitida, assim como a venda de qualquer mercadoria. Não é raro ver policiais circulando pela areia e as penalidades podem chegar a 1 000 dólares, com risco de prisão como no caso de quem consome álcool.

Já o governo francês anunciou que proibirá cigarros em locais públicos abertos, incluindo as praias, a partir de 1º de julho. A infração implica multa de 135 euros (cerca de 876 reais). Por lá — e em outros balneários europeus —, no entanto, os beach clubs ocupam a faixa de areia com naturalidade, propondo uma forma menos democrática de garantir o bronze. O estabelecimento de regras duras na areia não são uma exclusividade carioca, mas para que elas virem realidade é necessário que essa tríade seja posta de pé: fiscalização, punição e educação. Com consciência e bom senso, dá para ficar bom para todo mundo.