“É uma mudança de cultura”, diz Heloisa Aguiar

Primeira secretária de Estado da Mulher no Rio, Heloisa Aguiar fala sobre os desafios do combate à violência de gênero e o papel da sociedade numa transformação

Por Redação VEJA RIO Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 27 jun 2025, 09h07 - Publicado em 27 jun 2025, 08h59
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Heloisa Aguiar: "Queremos formar uma geração mais consciente e acolher as mulheres que enfrentam situações de violência” (Leo Lemos/Veja Rio)
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Desde que assumiu, em 2023, a recém-criada Secretaria da Mulher do Estado do Rio de Janeiro, Heloisa Aguiar tem atuado para tirar do papel políticas públicas voltadas à equidade de gênero.

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Com passagens por cargos estratégicos na esfera pública e no terceiro setor — entre eles, a presidência do RioSolidario e a coordenação da Casa Lar da Mulher, abrigo sigiloso para vítimas de violência —, ela aposta em articulações intersecretariais e campanhas de grande alcance, como a Todos por Elas, realizada com os quatro principais clubes do futebol carioca.

Em entrevista a VEJA RIO, fala sobre os desafios da pasta, os caminhos para a prevenção da violência e o papel da sociedade na construção de uma nova cultura.

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Como foi assumir o primeiro cargo de secretária de Estado da Mulher? Está sendo desafiador. A secretaria foi criada em 2023 — antes, era uma subsecretaria. Começamos estruturando a equipe, organizando processos e prioridades, com poucos dados próprios além dos números divulgados pelo Instituto de Segurança Pública (ISP). Encontramos um cenário marcado pela desigualdade e pela violência, o que representa um enorme desafio, mas também a chance de deixar um legado e plantar uma semente para as próximas gerações. Nosso objetivo é reduzir as desigualdades de gênero no estado e influenciar positivamente a formulação de políticas públicas no país. Apesar da ansiedade natural, temos plena consciência de que esse trabalho vai além de um ciclo de quatro anos.

Quais são os maiores desafios hoje no combate à violência contra a mulher no estado? O maior desafio, não só no Rio, é promover uma mudança de cultura. Precisamos atuar também na prevenção, já que a violência, muitas vezes, começa dentro de casa, cometida por parceiros, namorados e maridos. Por isso, nossa atuação envolve toda a sociedade, especialmente os homens. A Secretaria de Educação é uma grande aliada: por meio de ações nas escolas, ajudamos meninas a identificar o que é assédio e crime e mostramos aos meninos que certas atitudes são inaceitáveis. Queremos formar uma geração mais consciente e acolher as mulheres que enfrentam situações de violência.

O projeto SerH trabalha diretamente com homens. Qual o impacto dessa abordagem? É o nosso xodó. O SerH promove palestras e rodas de conversa com homens para mostrar que não toleramos mais o machismo, a cultura patriarcal e o discurso de ódio contra as mulheres. É quase um letramento. Durante muito tempo, as mulheres foram protagonistas na luta feminista, mas entendemos que é preciso falar também com os homens e trazê-los como aliados. Temos um núcleo coordenado por um psicólogo que atua dentro de presídios, com apenados pela Lei Maria da Penha, e capacitamos multiplicadores nos municípios para espalhar essa mensagem.

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Esse trabalho de conscientização também ganhou força no futebol. Como surgiu a campanha Todos por Elas? É uma iniciativa inovadora, realizada com o apoio do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e o engajamento dos quatro grandes clubes do Rio — Flamengo, Vasco, Botafogo e Fluminense —, todos unidos por uma causa comum, sem rivalidade. Entramos agora na segunda fase, com o lançamento do Protocolo Integrado Todos por Elas, voltado ao enfrentamento da violência contra mulheres nos estádios. Ações como a identificação de profissionais com coletes específicos visam garantir apoio nesses espaços. A campanha é fundamental diante do aumento de casos de violência em dias de jogo.

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O protocolo “Não é não! Respeite a decisão” tem sido implementado em diversos estabelecimentos. Qual a importância dessa ação? A plataforma www.naoenaorj.com.br oferece capacitação gratuita e acessível para bares, restaurantes, casas de show, hotéis, hostels e estabelecimentos turísticos. O objetivo é que os colaboradores saibam identificar, acolher e encaminhar mulheres em situação de violência de forma segura. Se 70% da equipe conclui o curso, o local pode receber o selo Mulher Mais Segura, um compromisso público com a proteção das clientes. Em um estado tão turístico como o Rio, o selo também comunica segurança para visitantes, incentivando espaços mais acolhedores e preparados.

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Caso a mulher precise denunciar uma violência sofrida? O aplicativo Rede Mulher é uma ferramenta gratuita que salva vidas. Nele, é possível registrar uma ocorrência online e acessar endereços da rede de enfrentamento — como delegacias especializadas, centros de atendimento, hospitais e postos de saúde. O app ainda conta com botão de emergência que envia a localização diretamente para a central 190, com rapidez e segurança. O simples fato de sermos mulheres já nos expõe a riscos. Por isso, saber que existe uma rede pronta para acolher faz toda a diferença.

Para quem sai de um relacionamento violento? Que apoios estão disponíveis? Romper com o ciclo da violência é um processo. Muitas chegam emocionalmente abaladas, sem emprego, com filhos e sem rede de apoio. Por isso, atuamos em várias frentes: acolhimento, qualificação profissional e apoio ao empreendedorismo. O Vamos Juntas, em parceria com a Faetec, já abriu mais de mil vagas em cursos técnicos. Com a Aliança Empreendedora, oferecemos formações de curta duração para mulheres que já empreendem ou desejam começar. Temos também 53 Ciams no estado, centros que oferecem escuta qualificada, apoio psicológico e orientação jurídica para que elas decidam seus próximos passos com segurança.

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A secretaria lançou o selo Empresa Amiga da Mulher. Como ele funciona? As empresas precisam comprovar boas práticas de equidade de gênero e divulgar canais de enfrentamento da violência. Somos o estado com o maior número de companhias certificadas: 64 até agora. Isso mostra que é possível transformar a cultura corporativa e criar ambientes mais seguros para as mulheres. Temos uma escuta ativa com o setor privado, abrindo caminhos e incentivando práticas positivas. A equidade de gênero é um ganho para toda a sociedade.

Como garantir que essas políticas alcancem todo o estado, inclusive o interior? Estamos trabalhando para que todos os municípios tenham um organismo de políticas públicas para mulheres. Já alcançamos quase 50% — hoje, são 45 municípios com alguma estrutura, como secretarias, coordenadorias ou superintendências voltadas ao tema. Isso é essencial para implementar ações locais, capacitar guardas municipais, levar iniciativas às escolas, creches e postos de saúde, além de preparar as gestoras para implementar políticas com capilaridade.

E com relação às populações mais isoladas, como mulheres quilombolas e ribeirinhas? Temos o Ônibus Lilás, revitalizado, que funciona como um centro móvel de cidadania e acolhimento. Em parceria com a Defensoria Pública, o Detran e outros órgãos, levamos atendimento psicológico, jurídico e emissão de documentos para essas comunidades. É um momento simbólico e, ao mesmo tempo, prático. Queremos ampliar a iniciativa, com a aquisição de um segundo veículo, mais moderno e com maior alcance.

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Quais os próximos grandes passos da secretaria? Estamos muito animadas com o lançamento do Nós Mais Seguras, um programa estruturado com metodologia sólida, realizado em parceria com a organização Serenas. Ele vai atuar nas escolas da rede estadual — que conta com cerca de 600 000 alunos — com palestras, rodas de conversa e atividades culturais. Ao falar sobre violência de gênero, também abordamos bullying, racismo e violência psicológica. Dados da Secretaria de Educação mostram que 91% das vítimas de violência nas escolas são meninas, e queremos reduzir esse número. Além disso, teremos as primeiras unidades da Casa da Mulher Brasileira, no Rio, em São Cristóvão, e outra em Volta Redonda. É um marco para a política pública de gênero, reunindo em um só lugar todos os serviços de apoio às mulheres em situação de violência. Esperamos lançar a pedra fundamental das obras em agosto.

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