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Lemann e o sonho de transformar a educação brasileira

Conhecido pela obstinação nos negócios bilionárias mundo afora, o homem mais rico do país aposta agora suas fichas na área de ensino

Por Sofia Cerqueira
Atualizado em 6 mar 2017, 18h19 - Publicado em 4 mar 2017, 00h00
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A Escola Eleva, em Botafogo: investimento de 100 milhões de reais (Q Vista! Imagens aéreas/Veja Rio)

Com uma rotina dividida entre Brasil, Europa e Estados Unidos e protagonista de algumas das maiores transações financeiras do capitalismo mundial, Jorge Paulo Lemann fechou a agenda do último dia 17 para dedicar-­se a um negócio em especial. Diante de uma plateia de oitenta alunos da Escola Eleva, que acaba de abrir as portas com a ambição de se tornar a melhor instituição de ensino brasileira, e da qual é um dos donos, ele falou sobre sua adolescência, os tempos de estudante e empreendedorismo. Bem-humorado e atencioso, o homem mais rico do país (e 19º do mundo) respondeu a uma saraivada de perguntas sobre a experiência de estudar fora, o início de seu império de empresas globais e a situação atual do Brasil. Emendou a conversa com uma palestra para funcionários do colégio, instalado no prédio centenário da antiga Casa Daros, e seguiu para o escritório da Cultura Inglesa, também em Botafogo. Ali, discorreu por mais de uma hora sobre sua fórmula de sucesso para uma plateia de coordenadores e estagiários da rede de idiomas, comprada em junho e parte do mesmo grupo formado pela Eleva e outras redes de ensino, controlado pelo Gera Venture Capital, que tem o bilionário como principal investidor.

Curiosamente, naquele mesmo dia, veio à tona mais uma tacada dos executivos que trabalham em uma das maiores empresas de Lemann, o gigante americano do ramo de alimentos Kraft Heinz. A companhia, em um movimento surpreendente, havia tentado comprar a multinacional anglo-holandesa Unilever por 123 bilhões de dólares. A proposta, vista como extremamente agressiva, foi rechaçada pelos europeus. Ainda assim, em nenhum momento turvou o foco de atenção de Lemann em relação aos professores e estudantes cariocas. Animado e falante, ele deixou claro que tem uma nova obsessão: criar um projeto educacional de impacto sem precedentes no Brasil. “Em muitas de suas empresas Lemann nem sequer participa do conselho de administração, mas faz questão de estar no nosso e de comparecer a todas as reuniões”, revela Marina Fontoura, economista e presidente da Cultura Inglesa.

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A escolha do Rio como ponto estratégico para alavancar a atual menina dos olhos do megainvestidor foi calcada, como é praxe no mundo empresarial, em estudos de mercado que revelavam um espaço confortável para esse tipo de iniciativa. A isso se soma a forte relação afetiva do financista, de 77 anos e dono de uma fortuna estimada em 30 bilhões de dólares, com a cidade. Embora hoje tenha domicílio oficial em Genebra, na Suíça, ele nasceu aqui, foi criado no Leblon e passou a juventude jogando tênis no Country Club e pegando ondas no Arpoador. Antes de ocupar uma cadeira no curso de economia em Harvard, nos Estados Unidos, fez todo o ensino básico na Escola Americana, na Gávea. Uma das histórias que costuma contar em suas palestras é quanto a fluência no inglês desde a infância se tornou uma grande vantagem pessoal e lhe abriu portas para o mundo. Daí a compra da rede da Cultura Inglesa não ser um fruto do acaso nem uma transação meramente impulsionada por indicadores. Com sede no Rio e unidades no Espírito Santo, Distrito Federal e Rio Grande do Sul, num total de 79 filiais e 61 000 alunos, a aquisição feita pelo time de Lemann — é assim que é chamada a equipe de jovens líderes que tocam seus negócios — envolve planos ambiciosos. Com uma injeção de 50 milhões de reais em até três anos, o objetivo é transformar o tradicional curso de idiomas, no mercado há mais de oito décadas, em uma escola alinhada com o que há de mais inovador e eficiente no ensino mundo afora. “Nós não queremos ser só a melhor escola de inglês, mas oferecer ferramentas que possam fazer do nosso aluno um cidadão global”, afirma Marina, que aos 38 anos já trabalhou em grandes consultorias e na maior rede de shoppings do país, além de exibir um MBA em negócios na mesma universidade nos Estados Unidos que seu chefe frequentou.

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Um dos donos da AB InBev, a maior cervejaria do mundo, e de empresas como a rede americana de fast-food Burger King, o carioca filho de suíços capitaneia uma máquina de aquisições. Uma vez assumida uma nova companhia, processa-se a implantação de uma radical cultura da eficiência, com rígido controle de custos, obsessão por resultados e meritocracia. Na empreitada educacional, não é muito diferente. Entretanto, no lugar dos bônus polpudos que animam seus executivos a tratar os negócios como se fossem seus, a ideia aqui é premiar os melhores com cursos fora do país. Outro conceito do financista adotado à exaustão nas suas empresas também virou lema nas escolas que o grupo comanda: em vez de tentar inventar a roda, devem-se buscar as iniciativas mais bem-sucedidas no setor e adaptá-las. A Escola Eleva foi concebida com base em uma síntese do que existe de melhor em práticas educativas no mundo, enquanto gestores da Cultura já estiveram nas prestigiadas universidades de Harvard e Stanford, nos Estados Unidos, e agora visitarão escolas em Singapura, onde o ensino da língua de William Shakespeare atinge os padrões de excelência. Além do inglês, é claro, o objetivo é desenvolver a criatividade, o pensamento crítico e a visão global dos alunos, qualidades valorizadas em toda área profissional. Entre as inovações, por exemplo, um dos cursos prepara jovens para palestras como as da grife TEDx e entrevistas de emprego. Os estudantes podem ainda trocar experiências com turmas ou especialistas de qualquer país com o auxílio de plataformas digitais internacionais. A dedicação de Lemann ao projeto não surpreendeu apenas o mercado como também quem está ali dentro. “Ele chegou perguntando o que a gente queria saber dele. Falou de forma simples sobre o seu sucesso global. Saímos inspirados”, entusiasma-se Thiago Diaz Abreu, 24 anos, um dos trainees da Cultura que participaram da conversa com o investidor.

QUADRO CAPA
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Quando se trata de domínio da língua universal, o Brasil ainda está no bê-á-bá. Um estudo do British Council mostra que 5% dos brasileiros falam inglês, sendo só 1% fluente. Ao serem acrescentadas outras disciplinas, o quadro fica mais desolador. Números do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), aplicado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e considerado o ranking mundial do ensino, revelam que vamos de mal a pior. Entre setenta países participantes, ficamos na 63ª posição em ciências, na 59ª em leitura e na 66ª colocação em matemática no último levantamento, em 2015. Em tal cenário, chama atenção o novo sonho grande de Lemann — ele costuma denominar assim suas epopeias corporativas. Sua ambição é tornar o país uma potência educacional, germinada a partir do Rio, mais especificamente na Escola Eleva, o xodó do empresário e a face mais vistosa do conglomerado de quatro redes educacionais que Lemann iniciou em 2010 e é hoje o segundo maior grupo de colégios privados do país.

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Um passeio pelo interior da unidade impressiona. As instalações, em um belíssimo prédio histórico, com salas impecáveis, oferecem o que há de melhor e mais moderno. Nos corredores, palavras como excelência, entusiasmo e respeito estão escritas nas paredes como uma espécie de mantra a ser continuamente lembrado pelos alunos. Em vários pontos, há tigelas com frutas à disposição para estudantes e funcionários comerem quando desejarem. A biblioteca e o laboratório high-tech assemelham-­se aos de universidades americanas. Por uma vaga na escola, que consumiu um investimento de 100 milhões de reais e por enquanto tem 360 alunos, aguardam 1 200 nomes na fila de espera. Além do rigor curricular, oferece matérias eletivas para atender aos interesses individuais dos estudantes. Professor da disciplina habilidades de vida (que discute conceitos como perseverança, proatividade e colaboração), Caio Lo Bianco, 24 anos, é um entusiasta do projeto. “Tive a chance de ter um aprendizado que despertou minhas aptidões e quero proporcionar isso a outras pessoas”, diz o economista de formação, que estudou na Universidade de Nottingham, na Inglaterra, e fez cursos na China, na Alemanha e no Canadá com uma bolsa da Fundação Estudar — criada em 1991 por Lemann e seus sócios Beto Sicupira e Marcel Telles, parceiros nos grandes negócios globais.

Prática comum nos Estados Unidos, as doações de ex-­alunos bem-sucedidos às universidades por onde passaram, os chamados fundos de endowments, nunca emplacaram por aqui. Se tal hábito tivesse vingado, talvez instituições como a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) não estivessem na situação terrível em que se encontram. De certa forma, Lemann encara sua nova empreitada educacional como uma retribuição às suas origens. Costuma dizer que sua vida escolar no Rio teve falhas, que incluem pouca disciplina, falta de visão de longo prazo e deficiências na área de exatas. Por outro lado, a liberdade o fez aprender a tomar decisões desde cedo, e o otimismo, característica atribuída aos cariocas, foi imprescindível em sua trajetória. A volta do empresário aos bancos escolares desperta atenção pelas ambiciosas investidas na área privada. Mas seus planos de impacto nacional, como deve ser, abarcam também a rede pública. Desde 2002, quando criou a Fundação Lemann, mantida com recursos de sua fortuna pessoal e sem fins lucrativos, o bilionário apoia projetos, desenvolve pesquisas, capacita lideranças e oferece bolsas no exterior com foco em gestão pública. Mais uma vez, o envolvimento in loco de um dos 100 homens mais influentes do planeta — segundo a revista Time — surpreende. Em novembro passado, para conhecer de perto a triste realidade da educação do país, Lemann assistiu a aulas, sentado lado a lado com os estudantes, em um colégio da periferia de São Paulo. Visitou também escolas em Novo Horizonte, no interior paulista, e em Sobral, no Ceará, locais onde, apesar da escassez de recursos, há projetos inovadores. Sua fundação apoia atualmente dezesseis secretarias de Educação, e, só em 2016, 20 milhões de brasileiros acessaram as plataformas digitais disponibilizadas por ela. “A gente acredita que o Brasil só vai ser um país mais desenvolvido e justo se todas as crianças tiverem uma educação de qualidade”, diz Denis Mizne, diretor da instituição, repetindo o discurso recorrente do empresário.

Ter uma formação ampla e de excelência, mais do que nunca, é condição básica para se adaptar às reviravoltas do mundo além da sala de aula. De acordo com dados do World Economic Forum, que reúne anualmente lideranças econômicas e políticas na Suíça, em vinte anos metade dos empregos atuais desaparecerão ou terão um formato diferente. Gênio do ramo empresarial, Lemann sabe disso e investe pesado para que sua empreitada no ensino dê resultados. O grupo Eleva Educação, criado em 2013 e mantido pelo fundo Gera, é um conglomerado constituído a partir de aquisições de colégios que se destacavam no mercado do Rio, de Minas Gerais e do Paraná, e continua em expansão. Embora não se fale em números, a ampliação da Cultura Inglesa também é certa. A superescola de Botafogo já recebeu propostas para abrir em outros estados e deve ter filiais. “Nossos parâmetros para expansão são a excelência acadêmica e nossa capacidade de execução”, diz Duda Falcão, CEO da Eleva Educação. O novo sonho grande de Lemann, mais uma vez, não tem limites.

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