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Após reforma, Instituto Moreira Salles irá duplicar área do acervo

A bela construção na Gávea irá fechar por quatro anos a partir de 26 de março, para passar por uma minusciosa obra que irá resgatar os ares de residência

Por Marcela Capobianco
17 fev 2023, 10h06

Um discreto comunicado reverberou entre cariocas apreciadores de arte, cultura, arquitetura e história. O Instituto Moreira Salles, na Gávea, vai fechar. Mas calma que não é para sempre — a necessária reforma para modernizar as instalações e garantir a acessibilidade em todos os cantos do terreno de 10 000 metros quadrados levará quatro anos. Além das exigências de mudanças impostas pelo tempo, pesa ainda um fator decisivo para a recauchutada do centro cultural, aberto ao público em 1999. Para se ter uma ideia, o IMS de São Paulo, alojado desde 2017 em um moderno prédio debruçado sobre a Avenida Paulista, conta com três andares de 320 metros quadrados cada, totalmente dedicados a mostras — mais de três vezes o que dispõe o instituto carioca. Isso impõe o sacrifício de projetos. “Acabou virando um problemão. Não raro, uma exposição bem-sucedida em São Paulo precisava passar por uma redução ao aportar no Rio, prejudicando a experiência do visitante”, explica Marcelo Araújo, diretor-geral do IMS.

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Encarapitada no número 476 da Rua Marquês de São Vicente, a casa foi projetada pelo arquiteto Olavo Redig de Campos, no fim da década de 40, para servir de residência para a família do banqueiro e embaixador Walther Moreira Salles (1912-2001). O projeto paisagístico ficou a cargo de Burle Marx, que também assina o icônico painel de azulejos em azul e branco que orna o lago do jardim. No pós-II Guerra, Redig de Campos capitaneou a reconstrução de sedes de embaixadas e consulados na Europa. A proximidade com Moreira Salles deu-se justamente no Itamaraty. A preocupação com os detalhes era tanta que o dono da casa modelou cada maçaneta no formato de sua mão direita. A inauguração foi celebrada com uma grande festa no réveillon de 1952 e, nos anos seguintes, o imóvel testemunhou reuniões que definiriam os rumos políticos do país. Na lista de hóspedes ilustres figuram nomes como o empresário Nelson Rockefeller, ex-vice-presidente dos Estados Unidos, e os Rolling Stones. “É uma construção monumental, elegante e austera, feita para abrigar tanto uma família numerosa quanto uma intensa vida social”, define o arquiteto e professor da USP Guilherme Wisnik.

Endereço temporário: o CCBB poderá abrigar parte das mostras que vêm da sede paulista -
Endereço temporário: o CCBB poderá abrigar parte das mostras que vêm da sede paulista – (Thales Leite/Divulgação)

Como a casa e os jardins são tombados, a construção principal passará somente por cirúrgicas intervenções. A ideia é resgatar os ares residenciais do lugar. Saem assim as paredes de drywall e retornam as janelas, exaltando o traçado de Redig de Campos. “Fizemos um levantamento cuidadoso dos materiais originais, analisando toda a estrutura para saber o que será preciso restaurar, um trabalho de alta complexidade”, enfatiza Francisco Abreu, sócio da Bernardes Arquitetura, escritório à frente da reforma. O prédio anexo, que hoje abriga o acervo e já não dá conta de seus mais de 2 milhões de itens, será demolido. No lugar, será erguido um prédio de seis andares, com direito a restaurante e auditório no térreo, sem perder a essência do passado. “O revestimento cerâmico da fachada remeterá ao telhado, instalado na casa na década de 50”, diz Francisco. O IMS não revela os valores da obra, mas informa que a empreitada será bancada com recursos próprios. De acordo com a agência de notícias Bloomberg, a fortuna da família Moreira Salles supera os 22 bilhões de dólares.

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O novo edifício terá dois pavimentos dedicados a exposições, com metragens similares às da sede de São Paulo. Nos pisos do subsolo, por sua vez, serão instalados o acervo e os laboratórios técnicos. A ideia é que lá mesmo possam ser impressas, em papel de gelatina de prata, as fotos de dimensões colossais que virão a ser expostas. No final, a área do acervo terá sido duplicada e contará com um avançado sistema de controle de temperatura e umidade para impedir a deterioração do rico material. A coleção do IMS se divide em quatro áreas: fotografia, música, iconografia e literatura. Há ali joias como negativos de vidro usados por Marc Ferrez no fim do século XIX, partituras de Pixinguinha e aquarelas de Millôr Fernandes — coleção que não para de crescer. Desde janeiro estão sob a guarda do instituto 400 000 itens que pertenciam à fotógrafa paulista Vania Toledo e documentos do poe­ta Décio Pignatari. “No Brasil, nos acostumamos a ver acervos sofrendo porque não há verba para conservação. Temos de aprender a valorizar nossa história”, diz Millard Schisler, gestor de acervo do IMS.

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O arquiteto Olavo Redig de Campos (acima): responsável pelo projeto da mansão que serviu à família do embaixador Walther Moreira Salles -
O arquiteto Olavo Redig de Campos (acima): responsável pelo projeto da mansão que serviu à família do embaixador Walther Moreira Salles – (Acervo IMS; Arquivo WMS/Acervo IMS/Divulgação)

A partir da segunda quinzena de abril, o conjunto de relíquias ficará disponível a pesquisadores em um edifício da família Moreira Salles na Glória. O plano para a transferência dos itens durou um ano e envolveu quase todos os 100 funcionários da sede carioca. Só com a mudança foram dez semanas. “Aproveitamos para fazer uma grande faxina e encontramos, por exemplo, uma caixa de fitas magnéticas dos anos 90 que continuam virgens”, conta Schisler. Para manter-se ativo, o IMS vem selando parcerias com instituições de renome para que os cariocas possam ver trabalhos já apresentados no braço paulista. A primeira delas está em curso — o CCBB expõe, até 27 de março, a mostra Walter Firmo: no Verbo do Silêncio a Síntese do Grito. Em junho, a exibição de Carolina Maria de Jesus: um Brasil para os Brasileiros chega ao Museu de Arte do Rio, o MAR. Mas ainda dá tempo de se despedir do charmoso endereço na Gávea, que só fecha as portas mesmo em 26 de março, quando se encerra a retrospectiva do fotógrafo Miguel Rio Branco. É apenas um até breve.

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OS TESOUROS DA GÁVEA
Entre seus mais de 2 milhões de itens, o acervo do IMS guarda joias da história e da cultura do Brasil

Fotografias e negativos de vidro de Marc Ferrez
(Acervo Instituto Moreira Salles/Divulgação)

Fotografias e negativos de vidro de Marc Ferrez. A coleção do grande fotógrafo brasileiro do século XIX, conhecido por suas imagens de paisagens, sobretudo as panorâmicas do Rio de Janeiro e arredores, compreende mais de 15 000 registros.

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Partituras e instrumentos de Pixinguinha
(Acervo Pixinguinha IMS/Divulgação)

Partituras e instrumentos de Pixinguinha. O arquivo pessoal de um dos maiores nomes da música brasileira abriga uma flauta Luigi Billoro usada pelo artista em suas últimas gravações com o instrumento, no início da década de 40, antes de migrar para o saxofone tenor, além de partituras de arranjos dos anos 1950.

Manuscritos de Clarice Lispector
(Acervo Clarice Lispector/IMS/Divulgação)

Manuscritos de Clarice Lispector. O acervo da escritora abarca centenas de livros, os rascunhos dos romances A Hora da Estrela e Um Sopro de Vida, além de fotos, documentos audiovisuais e dois quadros pintados por ela. Em 2012, a coleção ganhou um caderno com anotações feitas pela autora sobre diferentes momentos de sua vida.

Discos raros de 78 rotações
(Coleção Humberto Franceschi/IMS/Divulgação)

Discos raros de 78 rotações. O álbum Odeon 13350, lançado em dezembro de 1952, guarda uma curiosidade: o lado A trazia a marcha-rancho Meu Rouxinol, gravada por Dalva de Oliveira seis dias após a morte de Francisco Alves em um acidente automobilístico. A face B do disco ficou em branco, em homenagem ao Rei da Voz.

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Papel e tinta
(Coleção Martha e Erico Stickel/IMS/Divulgação)

Papel e tinta. Na seção de iconografia, repousam gravuras do jornalista e cartunista Millôr Fernandes, como Corrosão (abaixo), de 1975, produzida com nanquim, aquarela, hidrocor e grafite sobre papel. O nanquim e aquarela sobre papel do austríaco Franz Joseph Frühbeck (acima) retrata a chegada da princesa Leopoldina no Rio, em 1817.

Millôr
(Acervo Millôr Fernandes/IMS/Divulgação)
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