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A cada dia, três mulheres sofrem importunação sexual no Rio

Dados inéditos do Instituto de Segurança Pública definem o perfil da vítima do crime que grassa nas raízes do machismo

Por Marcela Capobianco
Atualizado em 16 out 2020, 13h41 - Publicado em 16 out 2020, 06h00
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  • Diagnosticada com depressão durante a pandemia, a advogada Mariana Maduro, 33 anos, foi orientada por um psiquiatra a voltar a praticar exercícios ao ar livre. E assim o fez. Acabou aderindo à acroyoga, modalidade que mescla acrobacias com a prática indiana milenar, o que lhe renovou os ânimos. Já estava se sentindo bem melhor quando, num domingo de agosto, foi alvo de uma invasão brutal: enquanto se exercitava no gramado à beira da Lagoa Rodrigo de Freitas, era filmada sem autorização.

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    Nas imagens um homem fazia gestos sexuais ao observá-la. Horas depois, o registro já circulava em aplicativos de mensagens e nas redes sociais. Avisada por um amigo, Mariana teve uma crise de pânico. Começou a passar mal, vomitava sem parar. Os comentários sobre o tal vídeo só pioravam seu estado. Diziam que ela teria “pedido pela situação”, já que usava roupas de ginástica coladas ao corpo.

    “Quase dois meses depois, mal saio de casa, não consigo mais me exercitar e a minha medicação para ansiedade foi alterada três vezes. Fico me perguntando: o que poderia ter feito para me proteger?”, desabafa ela, vítima de um crime que atinge todos os dias, em média, três cariocas – e cresce.

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    A violência da qual Mariana foi alvo chama-se importunação sexual, tipificada como crime apenas em setembro de 2018. Trata-se de um ato libidinoso praticado sem consentimento, com o objetivo de satisfazer o próprio desejo ou o de outros.

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    Antes da lei, era considerado uma contravenção de menor potencial ofensivo. Agora, cabe prisão em flagrante do autor do delito, e o tempo de reclusão varia de um a cinco anos. Os dois homens envolvidos no caso da advogada – cujo vídeo foi retirado das redes – estão sendo processados pelo Ministério Público do Rio, e ela também move na Justiça uma ação civil.

    Foi justamente com base em denúncias como essa que o Instituto de Segurança Pública (ISP), vinculado ao governo do estado, conseguiu traçar pela primeira vez o perfil das vítimas de importunação sexual na cidade. Metade se declara branca, 34%, pardas e 14%, negras.

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    Nesse universo, 43% têm entre 18 e 29 anos e a maioria não conhecia o algoz (veja no quadro abaixo) – o que diferencia a importunação do assédio sexual, em que o autor se vale de uma posição de superioridade em relação à vítima para praticar a violência.

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    (Redação/Veja Rio)

    A existência dessa chaga é bem sabida, mas os números (certamente ainda subestimados pela vergonha que recai sobre vítimas que preferem silenciar) mostram quão corriqueira ela é. Em 2019, 1 154 mulheres registraram queixas por importunação sexual. Quase 50% dos crimes aconteceram em dias de semana e fora da residência. Geralmente, dizem os especialistas, ocorrem no transporte público, na ida e volta do trabalho.

    Apesar da conhecida subnotificação, um dado prova que as mulheres vêm se sentindo mais confiantes para procurar as autoridades: na última década, mais que triplicou o número de denúncias de crimes de teor sexual. “Denunciar é necessário para romper o ciclo da violência, já que ela tem uma dinâmica progressiva. Um agressor que não é punido hoje pode, futuramente, vir a cometer um estupro ou até o assassinato de uma mulher”, alerta Marcela Ortiz, diretora-presidente do ISP.

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    Não é trivial, porém, tomar a decisão de ir a uma delegacia, etapa que muitas vezes envolve um turbilhão de sentimentos doloridos. Eram 7h50 da manhã de uma quinta-feira de setembro quando M.G., 38 anos, entrou em um vagão de metrô cheio. Usava um vestido na altura dos joelhos e se postou de pé, com uma mochila na frente do corpo, segurando-se em uma barra de ferro.

    Quando o trem chegou à Estação Maracanã, começou uma gritaria. M.G., até então absorta pelo celular, tirou os fones do ouvido e percebeu que um homem tirava fotos por debaixo do vestido dela. Um passageiro notou a situação e ameaçava agredi-lo. “Fiquei em estado de choque. Normalmente, sou brigona, mas aquilo me deixou impotente”, conta.

    O importunador foi imobilizado e a Polícia Militar, acionada. Mas no caminho da delegacia, a moça sofreu novo choque, revelador de uma mentalidade machista que persiste. Um dos policiais lhe indagou por que não usava um short debaixo do vestido, para impedir esse tipo de incômodo. “Senti como se tivesse feito algo errado, mas fui até o fim”, rememora.

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    A recente lei é um avanço inequívoco, mas é preciso treinar os agentes para lidar com episódios de tamanha delicadeza emocional. Não raro, como no caso de M.G., eles partem para o julgamento da vítima. “Perguntas como a roupa que estava usando quando foi importunada são inadmissíveis”, sentencia Amanda Kamanchek, gerente de inovação da ONG Think Olga.

    A ONG promove, desde 2014, o direito das mulheres por meio de amplas campanhas nas redes sociais, como Meu Primeiro Assédio e Chega de Fiu Fiu. Em setembro, lançou o site LIS, em parceria com o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), com informações simplificadas sobre a legislação de importunação sexual.

    Tendo a colaboração de juízas e promotoras, a página traduz o “juridiquês” e bate na tecla de que nenhuma mulher deve se sentir culpada ao sofrer um abuso, seja sexual, seja psicológico, e muito menos se ver privada de seu direito elementar de ir e vir. Entre os progressos acumulados nesse campo, são marcos a Lei Maria da Penha, sancionada em 2006, que pune a violência doméstica, e a lei do feminicídio, de 2015.

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    O caminho ainda é longo, pois esbarra em algo naturalizado culturalmente lá atrás, mas precisa ser trilhado com afinco, para que mulheres como a advogada Mariana possam exercer sua liberdade no sentido mais amplo possível.

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