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Refúgios para poucos

O litoral fluminense tem quarenta ilhas à venda, a maioria delas concentrada em Angra dos Reis. Quem se dispuser a pagar até 35 milhões de reais, o preço da propriedade mais cara, terá em troca a garantia de isolamento e privacidade em um cenário de sonho

Por Sofia Cerqueira
Atualizado em 5 jun 2017, 14h14 - Publicado em 9 jan 2013, 16h29
foto: Fernando Lemos
foto: Fernando Lemos (Redação Veja rio/)
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Na Costa Verde fluminense fica o trecho mais arrebatador do litoral brasileiro. Nenhum outro pedaço da orla consegue conciliar tantas enseadas de água esmeraldina, emolduradas por nacos intocados de Mata Atlântica e cadeias de montanhas assomando ao céu. A perspectiva de quem está em uma das 365 ilhas da Baía de Angra dos Reis é ainda mais inebriante. Foi esse cenário de natureza privilegiada que seduziu o arquiteto americano Charles Sampson Bosworth, um dos projetistas do lendário avião DC-3 e de luxuosos automóveis da marca Packard. Após um passeio pela região no fim dos anos 50, ele decidiu comprar a Ilha de Itanhangá, um refúgio de 220?000 metros quadrados com praia privativa, trilhas para caminhadas e chalés rústicos. Ele a frequentou até morrer, em 1999, e seus herdeiros agora decidiram se desfazer de tudo. Esse pedaço de paraíso é uma das quarenta ilhas que estão à venda no litoral do Rio de Janeiro. Só na área de Angra há cerca de trinta delas sendo comercializadas, entre as quais a Ilha das Flechas, pertencente ao ex-jogador Ronaldo Fenômeno. As cifras pedidas por esses santuários de privacidade chegam à faixa de 35 milhões de reais. “Poucas pessoas no mundo têm a oportunidade de usufruir um verdadeiro éden como este”, diz um dos filhos do projetista americano, o empresário Charles Bosworth II, que mora na Itanhangá. “Infelizmente, minha família decidiu vender e fui voto vencido.”

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Playground de milionários e celebridades, a enseada de Angra dos Reis abriga alguns dos condomínios e mansões mais espetaculares do país. Suas ilhas são o que há de mais cobiçado, e algumas delas estão disponíveis ? para pouquíssimos, é claro. Num giro de barco pela região, é possível avistar diversas placas de “vende-se”. Essa grande oferta resulta de uma conjunção de fatores, com destaque para a disparada no preço dos imóveis fluminenses nos últimos cinco anos, que atiçou os proprietários a negociar suas posses. A realização da Copa do Mundo e da Olimpíada também fez crescer consideravelmente o interesse de estrangeiros pelo Rio e arredores. Leve-se em conta ainda o verão, época em que o balneário se torna o centro das atenções. Entre as ilhas à venda, a de Ronaldo é uma das mais, digamos, modestas, com valor fixado em 2,3 milhões de reais. Comprada em meados da década passada, mantém a pequena casa original, pois o jogador nem sequer chegou a desfrutá-la. Trata-se de uma exceção. O padrão ali são recantos cinematográficos, que reúnem suntuosas mansões, heliponto e quadras de tênis, entre luxos variados (veja o quadro). “É um comércio muito peculiar, que traz embutido o status de poder e exclusividade”, resume Frederico Judice, sócio-diretor da Judice & Araujo, braço imobiliário da casa de leilões Christie?s no Rio. Só em seu catálogo há 23 ilhas à venda no estado.

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Quem se dispuser a comprar um desses pontos no meio do mar vai se juntar a um grupo de privilegiados, para os quais a privacidade não tem preço. Uma das primeiras personalidades a frequentar a região, o cirurgião plástico Ivo Pitanguy é dono da Ilha dos Porcos Grande desde a década de 70. Já recebeu por lá os roqueiros dos Rolling Stones, o ex-presidente americano Jimmy Carter e o ator francês Alain Delon. Sua propriedade fica em frente a outro santuário particular, pertencente à família Marinho, das Organizações Globo. A poucos minutos de lancha está a Ilha da Gipoia, a segunda maior do município, onde há quarenta anos o executivo de TV José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, tem uma casa equipada com uma adega com 3?000 garrafas de vinhos de primeira grandeza. Ele costuma chegar de helicóptero e reunir convivas em torno de churrascos e paellas. Entre seus vizinhos estão o dentista Olympio Faissol e o livreiro Roberto Feith, cada um deles com seu feudo insular. “Estou perto e ao mesmo tempo isolado da cidade, em meio a um cenário fabuloso”, descreve Boni. A turma que tem um paraíso para chamar de seu ganhou, há alguns anos, um novo membro: o empresário mineiro Henrique Pinto. Seus réveillons, embalados por atrações como Jorge Ben Jor, o transformaram em um dos maiores festeiros das redondezas. Na sua Ilha do Arroz já bateram ponto Juliana Paes, Rodrigo Santoro e Edward Spencer Churchill, neto do ex-primeiro-ministro inglês Winston Churchill. “Aqui você pode curtir a privacidade total e também badalar”, diz ele.

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Ser dono de uma porção de terra isolada do continente, numa comunhão de natureza e glamour, é de fato uma exclusividade para poucos. Além de terem preço nas alturas, esses lugares requerem uma dispendiosa estrutura. A começar pela locomoção. Só se chega às ilhas, claro, de barco ou pelo ar. Consideradas patrimônio da União, elas estão enquadradas em uma legislação à parte. Embora várias disponham de escritura, são áreas de concessão federal, e os moradores se veem obrigados a pagar anualmente uma taxa que varia de 0,6% a 5% do valor da propriedade. Ou seja: se incluí­do na categoria das propriedades mais valiosas, o dono pode pagar uma pequena fortuna anual de IPTU. O clima absolutamente rústico do célebre romance Robinson Crusoé, em que o autor inglês Daniel Defoe (1660-1731) relata as agruras de um náufrago que fica isolado quase trinta anos numa ilha selvagem, passa longe da realidade dos mares da Costa Verde. Em sua maioria, as ilhas contam com energia elétrica fornecida por gerador ou cabo submarino, água potável, antena parabólica e ótimo sinal para celular. No entanto, têm pouca liquidez e requerem uma operação atípica na hora da negociação. “Elas não são anunciadas em jornais, mas apenas nos sites das corretoras”, diz Gilson Cunha, diretor da imobiliária Alto Padrão. Um dos poucos vendedores que aceitam falar é o empresário paulista Valter Arantes. Ele sonhava envelhecer na Ilha do Pinto, mas desistiu, devido a problemas de saúde. Resultado: decidiu pôr a propriedade à venda por cerca de 19 milhões de reais. “Você precisa ir ao continente quando falta uma caixa de fósforos. Em compensação, tem o seu mundo particular”, descreve.

Em toda a costa brasileira há mais de 1?000 ilhas. A maior concentração está na região de Angra. Até os anos 60, elas eram ocupadas por aldeias de pescadores ou veranistas aventureiros. Com a abertura da Rodovia Rio-Santos, na década seguinte, a especulação explodiu. No início, os interessados as adquiriam quase sempre de posseiros e construíam o que ? e como ? bem entendessem. A desordem só acabou em 1994, quando foi regulamentado o plano diretor que transformou as ilhas em Área de Proteção Ambiental. Em boa parte delas só é permitido ampliar as residências já existentes em até 50% da área construída. Nos últimos quatro anos, o Ibama, o Ministério Público e o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) apertaram o cerco contra as irregularidades. Mais de 150 processos de licenciamento estão sendo revistos e 100 obras foram embargadas ou condenadas à demolição. Sobrevoando a área, fiscais descobriram mansões de mais de 1?800 metros quadrados escondidas em meio à mata. O apresentador Luciano Huck, que tem casa na Ilha das Palmeiras, também enfrentou problemas. Foi acionado judicialmente por ter construído sobre o espelho-d?água, o que é proibido. Ele recorreu, alegando que a construção é anterior à lei em vigor, e teve seu recurso deferido. Recentemente, envolveu-se em nova confusão ao cercar de boias a faixa de mar em frente a seus domínios. “Todas as pendências jurídicas foram resolvidas”, afirma Huck. “Acho importante a fiscalização e me comprometi a custear iniciativas para proteger as belezas locais.”

Sinônimo de poderio econômico e símbolo máximo de isolamento, as ilhas sempre exerceram um fascínio especial entre os milionários de todo o planeta. Em 1968, por exemplo, o mundo se extasiou com o casamento de Aristóteles Onassis e Jackie Kennedy em Skorpios, a ilha particular do magnata grego, no litoral de seu país. Hoje, entre as celebridades que têm seu pedaço de terra cercado de água estão os astros do cinema Johnny Depp, Leonardo DiCaprio e Mel Gibson. Os dois primeiros têm seu santuário no Caribe, e o último em Fiji, no Oceano Pacífico. Nos Emirados Árabes foi construído um arquipélago artificial em formato de mapa-múndi. Para divulgar a novidade, o governo de Dubai deu de presente ao piloto alemão Michael Schumacher uma das propriedades, avaliada em 7 milhões de dólares. Uma pechincha, se comparada à ilha havaiana de Lanai, uma das mais caras já negociadas. Ela foi comprada neste ano por Larry Ellison, fundador do gigante da informática Oracle e terceiro homem mais rico dos Estados Unidos, pela soma de 500 milhões de dólares.

Embora a imagem clássica desses lugares seja de areias ofuscantemente brancas e águas plácidas, algumas ilhas estão no centro de grandes polêmicas. Com o risco de ir à bancarrota, a Grécia decidiu vender vários de seus edens encravados no Mediterrâneo para amenizar a crise financeira. Por aqui, duas valiosas ilhas foram envolvidas num intrincado escândalo que tem entre seus protagonistas Rosemary Noronha, ex-chefe do gabinete da Presidência em São Paulo e íntima do ex-presidente Lula. O ex-senador Gilberto Miranda recorreu ao grupo do qual ela fazia parte e que supostamente venderia pareceres favoráveis, a fim de anular a sentença que o condenara a indenizar o estado por danos ambientais na Ilha das Cabras, no litoral paulista. Outro negócio nebuloso envolvendo o político diz respeito às licenças obtidas para a instalação de um complexo portuário de 2 bilhões de reais numa ilha do litoral santista. Longe desses imbróglios, as ilhas do litoral fluminense são um convite ao sossego. “Não perdemos em nada para nenhuma outra parte do mundo”, exalta Charles Bosworth II. E várias delas agora estão disponíveis para quem quiser ? e, principalmente, puder ? comprá-las.

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