Ilha de Paquetá renova os ares e vira destino alternativo para os cariocas
Recente visita do príncipe William atraiu os holofotes à aprazível ínsula na Baía de Guanabara, a uma hora do Centro, com águas cada vez mais limpas
A visita do príncipe William à bucólica Paquetá, em 4 de novembro, pegou os insulares de surpresa. A notícia circulou poucas horas antes e reuniu um séquito de locais para saudar o herdeiro do trono britânico — que, diga-se, não economizou nos sorrisos. Em viagem ao Rio, onde cumpriu agenda oficial para a cerimônia do Prêmio Earthshot, que o próprio royal criou para laurear boas iniciativas ambientais, ele tirou selfies com a população paquetaense, acenou para idosos e crianças e, como reles mortal, até usou o banheiro da estação das barcas. O herdeiro do rei Charles chegou a bordo de uma embarcação da Marinha, escoltada pela Polícia Federal, e de lá visitou um ponto de pesca artesanal na Baía de Guanabara e o manguezal da Área de Proteção Ambiental de Guapimirim, onde plantou três espécies de mudas. “Nunca tinha imaginado essa cena. Ele é um representante da pauta ambiental e nos trouxe uma visibilidade internacional importante”, avalia Eduardo Surek, chefe do Núcleo de Gestão Integrada da Guanabara, do ICMBio, elogiando a postura descontraída do príncipe. “Foi simpático, nada arrogante, sem aquela rigidez protocolar”, conta.
Bastou a alteza pôr os pés em Paquetá para a ilha de mais de 3 000 habitantes retornar aos holofotes. O bairro da região central, a 19 quilômetros do “continente”, como os moradores chamam o Rio, vem se tornando destino de cariocas em busca de roteiros alternativos — como um grupo de amigos com filhos na Escola Alemã Corcovado que outro dia alugou uma casa ali pelo Airbnb. “O clima diferente já começa na barca. A sensação é de viajar para o interior, a apenas uma hora do Centro”, comenta a designer Fabíola Gerbase, que integrou a animada turma. Há várias opções de hospedagens na plataforma, com diárias de 142 a 724 reais, além de pousadas sem grandes luxos. Na Meu Cantinho, a suíte máster custa 350 reais por dia aos sábados, domingos e feriados, quando o movimento cresce. A Secretaria estadual de Transporte e Mobilidade Urbana aponta que, em quatro anos, o fluxo de passageiros nesses dias subiu 121%. Quando a concessionária Barcas Rio passou a operar o transporte aquaviário, em fevereiro, o preço da passagem foi reduzido de 7,70 reais para 4,70 e, agora, há saídas da Praça XV entre 4h30 e meia-noite nos fins de semana e feriados.
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Por muitas décadas estigmatizada por suas águas de cor marrom, Paquetá vive dias melhores de banho de sol — e de mar. Em setembro de 2023, a Águas do Rio finalizou a reforma de quatro elevatórias e do túnel subaquático de 9 quilômetros de extensão que conduz o esgoto da ilha à principal estação de tratamento de São Gonçalo, eliminando vazamentos que espalhavam lixo e mau cheiro nas praias. O impacto das obras, no valor de 26 milhões de reais, é visível: 725 milhões de litros de dejetos deixaram de ser lançados no entorno. Os boletins de balneabilidade do Instituto Estadual do Ambiente (Inea) refletem a mudança — de janeiro a novembro, 71% dos informes mostraram que a Praia da Ribeira estava própria para banho, quase o dobro se comparado ao mesmo período de 2024. Na Praia do Catimbau, as águas estavam limpas em 67% dos testes deste ano e na Grossa, em 42%. “Tenho convicção de que, até 2033, vamos ver o mar mais claro em Paquetá, como já podemos observar hoje nas praias do Flamengo e da Glória. Estamos atuando da boca para o fundo da Baía de Guanabara, seguindo o caminho da infraestrutura já existente”, relata Anselmo Leal, diretor-presidente da Águas do Rio.
O espelho mais limpo da baía também serve de estímulo para quem busca aliar passeio e exercício. A turma da canoa havaiana embarcou na rota de Paquetá — remando muito, claro. À frente do clube Canto Vaía, na Praia da Glória, o instrutor Daniel Cantalice, 26 anos, colocou a ilha no mapa das expedições de verão, temporada de mar calmo e menos vento. No aquecimento para a estação do calor, uma equipe de remadores percorreu o trajeto, com paradas para piquenique e sessão de fotos embaixo da Ponte Rio-Niterói. “É incrível ouvir o barulho dos carros e sentir a vibração da ponte no silêncio da baía”, observa Cantalice, que pernoitou por lá com o grupo. A relação do atleta com a ilha já completou uma década, quando conheceu a dentista de DNA paquetaense Tayná Chaves, 26, agora sua noiva. Moradora do Catete, a nativa enxerga com bons olhos o atual frenesi. “O cenário mudou. Vejo mais gente frequentando a praia e praticando atividades físicas na areia, como vôlei e treino funcional. Antes, isso não existia”, garante Tayná, também remadora, que chegou a vender comida vegetariana para foliões cariocas de blocos que desfilam pela ínsula.
Nem só de paisagem praiana, porém, vive a ilha. Localizado numa das pontas, o Parque Darke de Mattos, criado em 1975, é um oásis tomado de figueiras, palmeiras e ipês centenários, além de um mirante com vista panorâmica. O ponto negativo é o banheiro, há anos desativado, queixa constante dos locais. O bosque compõe o circuito do Cariocando em Paquetá, perfil do Instagram que acumula mais de 90 000 seguidores. Assinada por Adélia e Rosenildo Lira, a página divulga uma vibrante agenda cultural, recheada de sessões de cinema, rodas de choro, jazz e samba. Uns dias atrás, um grupo de mulheres celebrou o legado da cantora Cristina Buarque (1950-2025), antiga residente. “As pousadas vivem lotadas nos fins de semana, e o comércio nas praias cresceu”, repara Adélia, que também fornece dicas gastronômicas e de aluguel de bicicleta ou passeio de charrete elétrica (o conhecido carrinho de golfe) por 150 reais, com uma hora de duração. No intuito de profissionalizar a oferta de serviços, a Secretaria estadual de Cultura inseriu Paquetá na pauta do programa Laboratórios Culturais — Território Criativo. A ideia é, nos próximos dois anos, apoiar empreendimentos criativos e promover eventos, estabelecendo um modelo replicável para outras ilhas brasileiras.
Cenário do romance A Moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo (1820- 1882), e da novela homônima gravada em 1975, o primeiro registro de Paquetá se deu em 1555, por André Thevet, cosmógrafo francês que integrou a expedição comandada por Nicolas Durand de Villegagnon, o fundador da França Antártica. A área de 1,2 quilômetro quadrado nunca foi de fato ocupada pelos franceses, que perderam a disputa para os portugueses numa batalha que se arrastou por dois anos. Em 1565, ano de fundação do Rio, Estácio de Sá dividiu a ilhota em duas sesmarias. Então, em 1808, com a chegada da corte portuguesa ao Brasil, a ínsula tornou-se um dos pontos preferidos de dom João VI, que aportou por lá numa tempestade. Trinta anos depois, foi estabelecida a primeira linha comercial de barcas, ampliando a visitação. Atualmente, está no radar da prefeitura a implantação de uma rota interilhas. “A crescente procura turística fortalece a economia local e devolve orgulho ao morador”, analisa Rodrigo Toledo, subprefeito das ilhas. Apesar da sensação de tranquilidade, no último ano foi registrado um espantoso aumento de 166,7% dos roubos de celulares, que veio acompanhado da subida do turismo. “Adotamos medidas preventivas, como reforço do patrulhamento e instalação de câmeras, atuando de forma integrada com os órgãos de segurança”, diz o subprefeito.
É preciso ficar atento, claro, mas isso não ofusca o encanto de quem visita a idílica porção de terra tão próxima da confusão urbana do outro lado da baía. Vestido na mesma paleta, com listras vermelhas e brancas, o casal de arquitetos Bel Lobo e Bob Neri se apresentou por lá com o grupo vocal Coro Come no último domingo (30) na Casa de Artes. O coral, criado por amigos de faculdade na década de 1980, aproveitou a travessia na barca para aquecer a voz e cantar marchinhas de Carnaval. Habitué de Paquetá, a arquiteta escolheu a ilha como um dos sets da série Lá Fora (GNT), gravada em 2014. No episódio, deu novos ares a uma antiga colônia de pescadores, transformando o espaço em uma biblioteca. Alguns cliques do passeio de domingo foram imediatamente postados nas redes: o baobá plantado em 1627, os frondosos flamboyants, a árvore de Natal comunitária e sustentável, o contorno do Dedo de Deus e a pérgula Gaudí, construção inspirada na obra do artista catalão. “Paquetá tem um ar bucólico, com casinhas lindas, cheias de flores, mantidas a salvo da especulação imobiliária. Parece uma viagem no tempo”, reflete Bel, nostálgica. Bob arremata: “E tem um estilo próprio, meio kitsch, que permeia tudo”. Como cantou Luiz Melodia (1951-2017), é o lugar perfeito “pra aquietar”.
Pérola da Guanabara
Curiosidades da ilha e das principais faixas de areia

Praia José Bonifácio: Por ali, o Parque Darke de Mattos é um dos lugares para contemplar Paquetá do alto, no Mirante do Morro da Cruz.

Praia dos Tamoios: Imprópria para banho, a praia ganhou esse nome em homenagem à população indígena que viveu às margens da Baía de Guanabara. O local tem vista para o Dedo de Deus, na Serra dos Órgãos.

Praia da Ribeira: À esquerda do Farol da Mesbla, onde visitantes aproveitam para mergulhar da estrutura arquitetônica que adentra o mar, a praia foi considerada própria para banho em 71% dos boletins divulgados pelo Inea durante 2025.

Praia de São Roque: Na orla, estão localizados a Capela de São Roque, construída em 1698, a Casa de Artes de Paquetá e um charmoso coreto que recebe blocos de Carnaval e festas juninas. O santo, aliás, é o padroeiro do bairro.
Vamos embora para Paquetá
Números da ínsula
3 600 habitantes
19 quilômetros é a distância da estação da Praça XV até a ilha
1,2 quilômetro quadrado de área total
4 850 visitantes, em média, aos fins de semana e feriados
725 milhões de litros de dejetos deixaram de ser lançados no entorno da ilha no último ano, o equivalente a 290 piscinas olímpicas
150 reais é o preço da volta na ilha de charrete elétrica para seis pessoas
Partiu, clicou, Postou
Cinco passeios imperdíveis indicados pelo @cariocandoempaqueta

Ponte da Saudade.
Reza a lenda que o píer na Praia José Bonifácio era o local onde um africano escravizado chorava de saudade da família e ganhou esse nome em sua homenagem.

Pedra da Moreninha. Ponto turístico instagramável de Paquetá, a rocha é também cenário do romance de 1844 A Moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo, um clássico da literatura brasileira.

Farol da Mesbla. Inaugurado em 1966, o monumento marca o local em que funcionou a colônia de férias da antiga loja de departamentos. A arquitetura é inspirada no famoso relógio da marca no Centro do Rio, criando um elo entre a ilha e o continente.

Casa Rosa. Erguido em 1812, o imóvel com ar de casinha de boneca é uma das primeiras construções que se avistam na chegada à ilha. O chalé fez parte da cenografia da novela adaptada do romance A Moreninha, exibida em duas versões, em 1965 e 1975.

Museu de Comunicação e Costumes José Bonifácio. Tombada pelo Iphan em 1938, a chácara foi residência do conselheiro de dom Pedro I e patrono da Independência do Brasil. Lá fica o recém-aberto cineclube Macunaíma.
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