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Decola, Galeão: novos voos do aeroporto internacional podem levantar o Rio

Recuperar fluxo e passageiros não é só essencial para o terminal, mas para fazer girar a roda do turismo e da economia do estado

Por Paula Autran
Atualizado em 19 Maio 2023, 11h44 - Publicado em 19 Maio 2023, 07h00

“Dentro de mais um minuto estaremos no Galeão”, dizia Tom Jobim naquela que é considerada uma das mais emblemáticas canções da bossa nova, o tocante Samba do Avião. Em uma ode às belezas naturais do Rio, ele versa sobre a emoção que sentia toda vez que retornava à cidade, após suas turnês pelo mundo. As impressões descritas pelo compositor, que não por acaso passou a batizar o aeroporto internacional do Rio de Janeiro em 1999, cinco anos depois de sua morte, no entanto, estão ficando mais distantes do imaginário de cariocas e turistas. O terminal da Ilha do Governador, que chegou a embarcar 17 milhões de passageiros em 2014, quando foi privatizado, encerrou o ano passado com apenas 5,9 milhões — quase um terço de uma década atrás. Os problemas começaram já naquele ano, com a recessão econômica, e se acentuaram com a pandemia, quando os saguões ficaram às moscas.

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Fatores estruturais pesam para o esvaziamento do aeroporto internacional carioca, como a distância e a segurança no trajeto. Segundo a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), entre 2019 e 2022 o Galeão caiu de 4º para 10º aeroporto em movimento de passageiros no país, sendo ultrapassado não só pelos terminais de Campinas, Confins, Recife, Porto Alegre e Salvador, como também pelo vizinho, Santos Dumont, que superou 10 milhões de passageiros em 2022. Em março, veio a público um documento interno da Infraero mostrando que a capacidade anual do aeroporto cravado no Centro ainda poderia crescer 54,5%, chegando a 15,3 milhões, quase o triplo do Galeão.

Pista cheia: com localização central, Santos Dumont superou 10 milhões de passageiros em 2022
Pista cheia: com localização central, Santos Dumont superou 10 milhões de passageiros em 2022 (Arquivo Infraero/Divulgação)

Essa colossal diferença em prol do Santos Dumont, que não para de aumentar, acabou provocando uma turbulência nos céus fluminenses. Nas redes sociais, o prefeito Eduardo Paes mostrou seu desagrado, classificando a situação como “canalhice” com o Rio, já que uma expansão ainda maior dos voos no terminal do Centro agravaria o cenário no Tom Jobim. “Cariocas, uni-vos! É muito séria essa conversa do Galeão! Chega de perder vocações!”, convocou o alcaide em vídeo no Twitter. A Infraero, vinculada ao Ministério de Portos e Aeroportos e administradora do Santos Dumont, veio então a público explicar que se tratava de uma projeção, caso as companhias aéreas já estabelecidas ali operassem no pico em todos os dias e horários. Era tarde demais. A discussão, que deixou claro o desequilíbrio entre os dois aeroportos, havia cutucado uma ferida.

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arte Galeão

Enquanto o terminal internacional se ressente da falta de passageiros, há superlotação no Santos Dumont, cuja pista, aliás, é uma das menores do Brasil. Possui apenas 1,3 quilômetro de extensão, insuficiente para pousos e decolagens de grandes aeronaves. E, espremido às margens da Baía de Guanabara, apesar de sua localização privilegiada, não tem como ser ampliado. Assim a cidade vai perdendo possibilidades de novas conexões e se torna menos relevante no conjunto da malha aérea brasileira.

Mesmo que seja o destino preferencial dos visitantes estrangeiros (33% dos que vêm de fora a lazer escolhem a cidade), o Rio foi parar em quinto lugar na oferta de destinos domésticos. Com rotas para 27 cidades, agora está atrás de São Paulo (57), Brasília (40), Belo Horizonte (39) e Recife (30), de acordo com dados do sistema OAG Analytics.

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Em paralelo, o Galeão, dono da maior pista comercial do país, com 4 000 metros de extensão e capacidade para movimentar 37 milhões de passageiros por ano, atende a dezenove destinos internacionais e apenas doze domésticos — em 2019, eram 26 e 21, respectivamente, segundo a concessionária RIOgaleão. A redução provoca um indesejável efeito dominó. Com menos voos, somem os turistas — nas contas do governo do estado, de 2014 para cá a perda foi de 400 000 visitantes estrangeiros, um prejuízo aos cofres públicos de 27 bilhões de reais só em 2022.

“Sem contar as perdas com o turismo doméstico, que ainda estamos calculando”, diz o governador Cláudio Castro. Isso tudo sem levar em consideração as quantias que os governos municipais, estadual e federal deixam de arrecadar em impostos. Resolver o imbróglio, portanto, tornou-se uma questão de repercussão nacional. “Até porque o turista que encontra dificuldades de entrar por aqui pode desistir de vir ao Brasil”, observa o presidente da Embratur, Marcelo Freixo, lembrando que para os estrangeiros a principal porta de entrada no país é o Galeão.

Castro, França e Paes: autoridades das três esferas buscam soluções para o gargalo aéreo carioca
Castro, França e Paes: autoridades das três esferas buscam soluções para o gargalo aéreo carioca (Rogério Santana/Governo do Estado do Rio de Janeiro)

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Os desdobramentos do gargalo aéreo carioca se estendem por outros campos. Como a maior parte da carga é transportada nos porões dos aviões de passageiros, à medida que minguam rotas e frequências do aeroporto internacional, o fluxo econômico do estado é afetado — os custos logísticos sobem, o que encarece produtos e reduz a competitividade. “Os Correios, por exemplo, não operam mais no Rio. Toda a distribuição de encomendas e cartas é centralizada em São Paulo”, lembra Freixo, citando um estudo da Federação das Indústrias do Estado do Rio (Firjan) que indica perda de 4,5 bilhões de reais por ano com o avanço da ociosidade do Galeão.

“Cada 1 real de valor adicionado pelas atividades econômicas no RIOgaleão produz 3,2 reais para o PIB fluminense, por meio das cadeias produtivas que utilizam o aeroporto”, calcula Patrick Fehring, diretor de negócios aéreos da concessionária, liderada pela Changi, de Cingapura, a maior operadora de aeroportos do mundo, à frente do Galeão.

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Outro capítulo do enrosco gira justamente em torno da concessão, que vai até 2039. A Changi, porém, protocolou um pedido para devolver o terminal no ano passado, justificando a falta de viabilidade econômica do negócio. Agora, sinaliza que pode mudar de ideia se receber incentivos para tal. A outra opção no horizonte é que a própria Infraero assuma provisoriamente o terminal internacional até ser selada uma nova licitação, numa operação que incluiria o Santos Dumont, para uma operação integrada entre ambos.

Em qualquer cenário, o que se coloca é a necessidade de que um não canibalize o outro, como vem ocorrendo. Segundo especialistas, quando se tem dois aeroportos e menos de 30 milhões de habitantes em uma cidade, é preciso estabelecer uma clara coordenação entre eles. O modelo dá certo em Belo Horizonte (MG), que conta com um hub de aviação formado pelos terminais da Pampulha, concessionado pelo estado para a CCR e limitado a voos domésticos, e o internacional Confins, controlado por um consórcio em que está o mesmo grupo e a Zürich Airport.

Recém-chegada: através do programa de incentivos, a low cost JetSmart abriu novas rotas no Galeão
Recém-chegada: através do programa de incentivos, a low cost JetSmart abriu novas rotas no Galeão (JetSmart/Divulgação)

Atualmente, o Santos Dumont é a joia da coroa da Infraero. Depois que Congonhas, em São Paulo, foi arrematado pela espanhola Aena, o terminal carioca se tornou a principal fonte de receitas da estatal, que conta com mais dez aeroportos regionais. O Tom Jobim, por sua vez, busca retomar a velha forma — desde 2014, a RIOgaleão investiu 30% da receita em incentivos para a retomada da malha aérea. Entre as iniciativas está um programa que isenta novas companhias das tarifas aeroportuárias por três anos. Com isso, já conseguiu atrair treze delas, sendo quatro low costs inéditas no Brasil, entre as quais a JetSmart, que conta com voos para Buenos Aires e Santiago desde dezembro de 2022. Em março, passou a conectar também o Rio a Montevidéu, no Uruguai, três vezes por semana. A empresa aguarda agora o sinal verde da Anac para começar a fazer a ponte Rio-Lima, no Peru. Das dezoito rotas que a companhia oferece, três saem do Rio, mais uma de São Paulo e outra de Foz do Iguaçu, com passagens anunciadas no site a partir de 304 reais.

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Sem conectividade entre os dois aeroportos, reforçam os especialistas, não se chegará longe. É o que também defendem o governador e o prefeito do Rio, que apresentaram ao ministro de Portos e Aeroportos, Márcio França, proposta para o Tom Jobim voltar a concentrar voos, deixando o Santos Dumont limitado à ponte aérea com Congonhas (SP) e Brasília (DF). “Não há solução única, nem solução simples, mas o reequilíbrio de rotas entre os dois é parte essencial desse processo”, avalia Castro, que aceita “perder receita”, como na cobrança de ICMS de combustível para aviões, como quer o governo federal. A ideia é que as empresas que operam no terminal plantado no Centro da cidade transfiram entre 30% e 40% dos seus voos para o aeroporto da Ilha do Governador. Já o prefeito concorda em zerar a cobrança de ISS das lojas que queiram funcionar no GIG. Numa das muitas reuniões sobre o tema, França afirmou que “já há consenso” para fazer “algumas reduções” no número de voos do Santos Dumont. A longa espera por uma solução vai além da sala vip das autoridades, já que todos os cariocas estão nesse mesmo voo.

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