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Djavan descarta perfeccionismo: “a estranheza me levou aonde eu queria”

Diagnosticado com tremor essencial, distúrbio neurológico que afeta os movimentos, aos 74 anos ele completa cinco décadas de carreira em turnê

Por Melina Dalboni
19 Maio 2023, 07h00

Muita calma e alta concentração, sem desviar o foco do que importa. Esses são os pilares que, aos olhos de Djavan, vêm sendo decisivos para sua bem-sucedida carreira de cinco décadas. O compositor, cantor, arranjador, produtor e diretor de seus próprios álbuns e shows faz questão de se manter no controle de todas as etapas da engrenagem e, para dar conta de tudo, leva uma rotina disciplinada. Diagnosticado com tremor essencial, distúrbio neurológico que costuma afetar os movimentos, ele segue uma alimentação regrada e dorme obrigatoriamente sete horas por noite. “Preciso de saúde para executar um trabalho tão exigente”, diz, por telefone, minutos antes de passar o som para uma apresentação em Nova York. Aos 74 anos, ele rodou sete cidades americanas com a turnê do novo disco, D, que chega nos dias 26, 27 e 28 de maio ao Qualistage, na Barra, já com ingressos esgotados. No setlist, os muitos hits estão garantidos — de Flor de Lis a Sina, de Samurai e Lilás a Pétalas —, junto a três canções da safra mais recente. “Muitas músicas estão na memória popular de maneira irreversível, então é difícil escolher”, fala o artista, que relembrou o caso de racismo do qual foi vítima, contou como cuida da doença e opinou sobre a presença da tecnologia na cena musical.

Como acha que a inteligência artificial vai mexer com o mundo da música? Estive em uma exposição no MoMa, em Nova York, que me deixou um pouco assustado. Era como se a IA pegasse a arte, triturasse e transformasse numa pasta pegajosa, sem forma e sem cor definida. Ainda acho que é uma incógnita se a novidade vai frutificar para o bem, mas me parece que seu uso demanda muito cuidado.

O que se produz na atual cena musical é de boa qualidade? É óbvio que no mundo todo a arte perdeu qualidade. A internet mudou tudo, a quantidade passou a ser mais valorizada, e perdeu-se o rigor. Ela deu poder de divulgação para as pessoas fazerem sua arte e divulgá-la, sem precisar de terceiros. Mesmo quando há talento, é preciso muito conteúdo para postar. E tem outras pessoas que não têm qualidade mesmo, já nasceram sem.

Sente-se solitário atualmente como compositor? Eu já me senti muito, muito solitário por várias razões. Começou pela minha música, que todo mundo dizia que era estranha. Minhas letras foram muito questionadas por um longo tempo. O que eu fazia sempre fomentou certa polêmica.

Giovanni Bianco, diretor de arte que trabalhou com Madonna, produziu 130 opções de capa do seu novo álbum para sua aprovação. É mais perfeccionista que Madonna? As pessoas me chamam de perfeccionista, sim, mas não acho adequado. Não é a perfeição que eu quero. Tenho um padrão e trabalho até chegar nele.

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Foi por isso que decidiu assumir todas as funções em seu trabalho? Foi uma questão de necessidade. Os arranjos e a produção do disco são duas etapas fundamentais numa gravação. Você chama um amigo para fazer o arranjo, e ele produz um lindo, porém inadequado para aquela canção. E o que fazer? Dizer a ele que não vou querer? É uma tremenda saia justa. O produtor é pior ainda. Na hora da mixagem, que é quando você realmente acaba o disco, ele vem e leva o disco para onde quer. Isso é impensável comigo.

Já aconteceu? Umas duas vezes na minha carreira. Uma delas no álbum Lilás (1984), e eu quase enlouqueci.

“No mundo todo a arte perdeu qualidade. A internet mudou tudo, a quantidade passou a ser mais valorizada, e perdeu-se o rigor”

Por que começou a participar de festivais, como Rock in Rio, Rock The Mountain e Coala? Os festivais aproximam o artista que tem uma carreira extensa como eu de um público mais jovem. Mas, na verdade, sempre tive isso. Minha música é diversificada, meu público sempre foi heterogêneo em todos os níveis, classes sociais, orientação religiosa e faixa etária. Vejo gente dos 12 aos 80 anos na plateia.

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Sua vida mudou muito após o diagnóstico de tremor essencial, disfunção provocada pela carência de sono? Hoje, dormir bem é uma das obrigações mais importantes que tenho na minha rotina. São no mínimo sete horas por noite. Acredito que, se você dorme bem, estabelece para o corpo uma organização que o leva a cumprir os compromissos com energia. Minha alimentação também é rigorosamente sem gordura, sem fritura e com orgânicos. Preciso de saúde para executar um trabalho tão exigente.

Um show do Seu Jorge em Porto Alegre teve cenas de racismo contra o cantor por parte da plateia. Já viveu algo dessa natureza? Não exatamente com a plateia. Mas vivi uma coisa violenta, na época da divulgação do meu primeiro disco (em 1978), saindo de uma loja de piano, em São Paulo, junto com um divulgador da EMI Odeon, negro também. Dez soldados nos pegaram e nos levaram. Diziam: “Você, com essas trancinhas, vai cantar não sei onde”. Fui para a cadeia, eles me revistaram e ficamos cinco horas presos até o advogado da gravadora chegar. Passar por uma situação dessas sem saber o porquê e depois descobrir que é apenas por ser negro me deu muita tristeza.

O que diria para o Djavan de 23 anos que veio de Alagoas para o Rio em busca do sucesso? Tenha calma e foque. Uma trajetória é feita um dia após o outro. Nada vai vir antes. E não veio mesmo. Quando cheguei ao Rio, foi muito difícil. Em Maceió, eu era o cara. Todo mundo me conhecia e eu achava que a mudança ia ser mole. Só que não foi. Enquanto não encontrar uma pedreira realmente intransponível, a gente não deve mudar o foco.

Como foi esse aprendizado? Com a minha mãe, ainda adolescente. Ela me disse: “Meu filho, uma das coisas que você tem que aprender o mais cedo possível é se livrar das pessoas que te puxam para baixo”. Dito assim, parece simples, mas não é.

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Como colocou em prática? Tive que abandonar a convivência com determinados amigos que eu amava porque eles não tinham objetivo, só me atrasavam, quando eu estava buscando crescer como músico, cantor, compositor. Queria ser ouvido, mesmo que fosse para dizerem, como disseram, que minha música era estranha, que não estava pronta. Foi essa estranheza que me levou até onde eu queria chegar.

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