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Esqueletos urbanos

Imóveis abandonados do Centro serão reformados para virar moradias

Por Caio Barretto Briso
Atualizado em 5 dez 2016, 16h15 - Publicado em 17 Maio 2011, 17h50
Fernando Lemos
Fernando Lemos (Redação Veja rio/)
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Quem caminha pela Zona Portuária, próximo à Rua do Livramento, geralmente depara com sensações opostas. De positivo, a via ainda exibe belos casarões datados da primeira metade do século passado, uma época em que aquela região pulsava social e economicamente como poucas na cidade. Ao longo de suas calçadas, marinheiros, estivadores e negociantes promoviam a intensa movimentação de carga do Porto do Rio, então a principal porta de entrada de mercadorias. Essa preciosa aula de história a céu aberto, no entanto, é incapaz de camuflar as muitas mazelas que vemos por lá hoje em dia. Em vez da pujança de outrora, reina a deterioração. Fachadas em ruínas, tetos desabados, paredes carcomidas e a frequente invasão de mendigos transformaram boa parte das edificações locais em esqueletos urbanos, contribuindo decisivamente para a brutal decadência do entorno ? um panorama que, aos poucos, começa a mudar.

Após dois anos de trabalho, a prefeitura, em parceria com o Sindicato da Construção Civil do Rio, acaba de concluir um levantamento sobre aquela área, ao qual VEJA RIO teve acesso exclusivo. Um grupo de técnicos vistoriou nada menos que 10 509 imóveis antigos do Centro e dos arredores da Lapa, Morro da Conceição, Santa Teresa e Rio Comprido. Entre eles, foram selecionados 1 546 (aproximadamente 15% do total), que devem passar por uma ampla restauração para se converter de novo em moradias de qualidade (veja o quadro na pág. 28). “Vamos recuperar uma área importante e há muito tempo esquecida”, afirmou o secretário municipal de Habitação, Jorge Bittar. “A medida tem tudo para aquecer o turismo e trazer dinheiro para o Rio.”

Fruto do bom entendimento entre as diversas esferas de poder, a iniciativa é uma parceria dos governos municipal e federal. Cabe à prefeitura, após o mapeamento já realizado, elaborar os projetos de reforma e arcar com as desapropriações, o que terá um custo estimado de mais de 10 milhões de reais. Para surpresa geral e sorte das finanças públicas, muitos dos pontos vistoriados não tinham proprietários ou não eram sequer registrados. De imediato, a Secretaria de Habitação se responsabilizará pelas obras de recuperação nos 150 imóveis mais relevantes historicamente e pretende atrair a iniciativa privada, mediante isenções fiscais, para levar à frente o restante do programa, que tem financiamento da Caixa Econômica Federal. Se tudo der certo, 31 000 novas unidades habitacionais, além de 930 comerciais, serão construídas. Com isso, poderão atrair para as redondezas cerca de 120 000 moradores. “A infraestrutura urbana nesses locais será renovada, com investimentos em iluminação pública e calçamento”, promete Nazih Heloui, gerente do programa Novas Alternativas, que coordena o projeto. Na Rua do Livramento fica a maior concentração de imóveis sob a mira da prefeitura. Ao todo, são 25 endereços, entre eles um antigo terreno da empresa Unilever, onde mais de trinta famílias levantaram barracos e deram forma a uma paisagem degradante perto do Cais do Porto.

O mapa da reconstrução

Numa cidade com mais de 1 000 favelas e onde o déficit habitacional é problema grave, repovoar o Centro parece uma decisão consensual. Há muito o Rio vive um movimento demográfico centrífugo, acentuado nas últimas décadas do século XX. Em 1980, segundo o Censo, 95 000 pessoas moravam no bairro que é o coração financeiro da capital. No início do século XXI, o número caiu para 61 000 e, hoje, estima-se algo em torno de 50 000 habitantes. Salvo em pontos isolados, como a Lapa e a vizinhança do Centro Cultural Banco do Brasil, onde a agitação é constante, o bairro vira um deserto nos fins de semana. As bem-sucedidas tentativas de revitalização, a exemplo da que ocorreu na Rua do Lavradio, hoje um movimentado ponto turístico, muitas vezes partiram da iniciativa privada. Esses bolsões acabaram chamando novamente atenção para a região e despertaram a cobiça de empresários. Nos últimos dois anos, mais de 300 sobrados centrais foram reformados e vendidos para dar lugar a bares, casas noturnas e moradias, que, por sua vez, passaram a atrair novos empreendimentos, numa espécie de efeito dominó. Presidente da Comissão de Revitalização de Imóveis do Sindicato da Construção Civil do Rio, o engenheiro Jackson Pereira faz um alerta. “De nada adianta ter um hotel cinco-estrelas, ou um museu belíssimo, se perto deles existe uma casa toda deteriorada”, pondera. “Os casarões abandonados, em ruínas ou invadidos ainda são o nosso grande gargalo.” Resta ao carioca cruzar os dedos pelo pronto restabelecimento de uma região vital e cheia de histórias para contar.

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