Top 10: o que anda embaralhando o ranking das escolas do Rio no Enem
Exame é o foco de colégios emergentes no topo da lista dos que mais aprovam, mas os tradicionais não vão deixar de lado currículos para reaver posições

Após um ano de dedicação intensa, o estudante Breno di Marco, de 18 anos, foi promovido com louvor a calouro de medicina na Unirio ao alcançar a média de 792,64 pontos no Exame Nacional do Ensino Médio, o Enem. Aluno do colégio Alfa CEM Bilíngue Barra da Tijuca, ele encarou uma maratona de aulas de segunda a sexta, das 7h às 18h20. Aos sábados, o reforço ia até as 16h. “No segundo semestre, o coordenador puxou minha orelha porque eu não conseguia chegar a mais de 600 pontos nos simulados de redação”, relembra o rapaz, que passou a escrever um texto extra por semana, subindo a nota nos testes para 900 e cravando 940 no “Dia D”. “Os professores eram bem rigorosos, prevendo o pior cenário da correção oficial”, conta. Tanto esforço, de alunos e professores, alçou a escola da Zona Oeste à primeira colocação no ranking estadual do Enem – e à sexta no pódio nacional, que incluiu mais de 22 000 colégios. A unidade do Recreio não ficou muito atrás: alcançou a sétima posição no Rio, embaralhando o topo da tabela, antes ocupado por instituições tradicionais como São Bento, Santo Agostinho e Santo Inácio.
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A ascensão desses colégios de safra mais recente reacende um debate sobre os caminhos que levam à excelência. A experiência internacional mostra que não há uma única trilha para alcançar a qualidade, mas que ela é sempre semeada em ambientes que concentram bons professores, preparados para dar sua lição e acompanhar o aluno em sua jornada de aquisição do saber. Tecnologia, infraestrutura – tudo isso ajuda, desde que bem empregado pelo mestre em prol do conhecimento. Algumas das escolas emergentes que despontam no rol do Enem não raramente são criticadas por centrar demais na prova, o que deixaria de fora ferramentas valiosas para a vida neste século XXI, como as tão almejadas habilidades socioemocionais. É questão a ser examinada caso a caso. Muitas delas se fixam em sistemas organizados de ensino, à base de apostilas que servem de roteiro do que ensinar, o que ajuda a colher bons frutos mundo afora e pode contribuir para compreender essa dianteira de agora. Ao manter currículos mais abrangentes, os colégios tradicionais da cidade, por sua vez, têm o bom propósito de oferecer uma visão ampla. Mas também a eles se impõe uma parada para pensar sobre como alcançar a criançada de forma mais atraente, trazendo mais engajamento no processo de aprendizado e, logo, melhores resultados.

O recente resultado do último Enem, divulgado perto da data do próximo exame, logo ali em novembro, reflete essa movimentação que está em curso no cenário da educação fluminense. “As escolas com bons resultados relaxam. Nós somos eternamente insatisfeitos, sempre achamos que os alunos podem dar um pouquinho mais”, diz Fábio Alves, diretor do Alfa CEM, negócio de família que nasceu de um sonho de sua mãe, Maria Cristina Alves, ex-professora de história da rede municipal. Tudo começou num pequeno imóvel na Freguesia, na Zona Oeste, duas décadas atrás. A segunda unidade veio nove anos mais tarde, no clube da Aeronáutica, na Barra, quando o clã resolveu apostar no sistema bilíngue: a proposta é que, com aulas de inglês diárias, os estudantes dominem o idioma antes mesmo de entrar no ensino médio. Hoje são sete endereços pela cidade, com 4 500 matriculados, e a chegada à Zona Sul ainda depende de alvará da prefeitura.


Embora egressas da mesma safra, a campeã do último Enem e redes como Pensi, corruptela de Ponto de Ensino, e Elite têm diferentes origens. Também fundadas na década de 1990, essas últimas surgiram como cursinhos preparatórios para institutos militares, como o IME e o ITA. Ambas, por sinal, em 2013 passaram a integrar a holding Eleva Educação, que teve o empresário Jorge Paulo Lemann como um dos principais acionistas. Hoje, Pensi e Elite fazem parte, junto ao pH, do Grupo Salta, o maior do Brasil, com mais de 140 000 estudantes em cerca de duzentas unidades no país. Por trás, há investidores pesados, como a Atmos, gestora carioca de Bruno Levacov, o fundo Mission Co., de ex-sócios da Gávea Investimentos, e a Warburg Pincus, gigante americana de private equity. “Dispomos de uma organização empresarial, com processos bem definidos e mais tempo para pensar no currículo. Algumas escolas lidam com desafios que dificultam a performance”, avalia Pedro Rocha, diretor de ensino do Pensi, que no último Enem conquistou o terceiro e o quarto lugares no estado, com as unidades de Icaraí, em Niterói, e do Maracanã, respectivamente. Ao todo, são 21 endereços no estado, catorze só na capital, e 15 000 matriculados.


O dinheiro ajuda a trazer bons profissionais de ensino e a fornecer uma infraestrutura que pode se provar valiosa, mas por si só não assegura bons resultados. “O segredo é treinar. Só a cobrança bem estruturada e um rigoroso plano de ação garantem que os alunos alcancem seus objetivos”, defende o diretor do Alfa CEM. Tal estratégia também é adotada por concorrentes como o Pensi, cujo DNA de cursinho se reflete numa cultura metódica de estudo. “Outras escolas têm excelência em vários aspectos, como a formação cidadã ou vivências mais práticas. Nós, acima de tudo, buscamos rigor acadêmico”, ressalta o diretor da marca. Na busca da excelência e ávidos por boas notas, os colégios que emergiram no cenário da educação chegam a criar classes separadas para quem aspira a vagas em medicina ou em universidades estrangeiras. No Alfa CEM, as simulações das provas têm uma hora a menos, para que os vestibulandos aprendam a administrar as questões e resolvê-las com agilidade. “São detalhes que parecem pequenos, mas importantes até do ponto de vista biológico, trazendo confiança ao aluno”, observa Rocha, que no Pensi faz simulados nos mesmos horários do dia do exame.

Nessa corrida tão definidora dos próximos passos na vida dos jovens, a tática de pôr o pé no acelerador funcionou com Pedro Couri Vargas, de 18 anos, que garantiu uma vaga em medicina na UFF ao trocar, no ensino médio, o tradicional Salesiano, em Niterói, pelo Pensi de Icaraí. “O foco é diferente. Como gosto de estudar, consegui me organizar melhor”, conta o ex-aluno da chamada turma premium da unidade, que ainda frequentou um cursinho extra de redação, que o ajudou a obter extraordinários 980 pontos. João Lucas Matos Veiga, de 17 anos, envereda pelo mesmo caminho, iniciado na pré-escola do Alfa CEM. “Não existe uma fórmula para passar, mas é bom termos um projeto individualizado que nos ajude a perceber e corrigir os erros”, acredita o adolescente, que guarda na bagagem escolar medalhas em olimpíadas de matemática e de química, acumuladas desde o 6º ano do ensino fundamental. Nas contas da família Alves, a rede já amealhou mais de seiscentas insígnias, tornando-se a mais premiada do estado nesse tipo de disputa. “A gente acabou criando uma cultura de gostar de competição”, afirma o diretor da rede, acrescentando que a escola tem a segunda maior média de matemática do Brasil no Enem há três anos.

Criado em 1998, a fim de avaliar o desempenho dos estudantes ao final do ensino médio, só em 2004 o Enem passou a ser usado como critério para ingresso em universidades, com o lançamento do Sistema de Seleção Unificada (Sisu). No ano seguinte, com a implementação do Prouni, programa que oferece bolsas de estudo em instituições privadas, passou a ter mais Movimentação no cenário da educação: o tradicional colégio católico no Leblon caiu para a décima posição no Enem de 2024 peso. Em 2013, todas as instituições públicas do país passaram a aceitá-lo como porta de acesso, e uma boa nota leva os candidatos a estudar até em Portugal. “Se dá melhor o colégio que se especializa em treinar os alunos para a prova”, avalia Tássia Cruz, professora da Fundação Getulio Vargas. Com ph.D. em economia da educação, ela vê o movimento acontecendo em todo o país, o que é motivo de preocupação. “Isso me remete ao sistema educacional da Coreia do Sul, onde, não por acaso, são altas as taxas de depressão entre os jovens. Se o tipo de acesso às faculdades fosse alterado, talvez essa realidade mudasse também”, observa. Segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), o principal objetivo do exame é democratizar o acesso ao ensino superior. O concurso segue uma matriz de referência vigente desde 2009, que está em processo de revisão, considerando as diretrizes da Base Nacional Comum Curricular e a reforma do ensino médio. Por ora, a estrutura permanece sem alterações. Em 2025, o Rio responde por 329 00 dos 4,8 milhões de inscrições para o exame.


Mas os colégios ditos tradicionais não parecem dispostos a batalhar pelas primeiras colocações na lista. Segundo a professora Ana Paula Ramos, diretora pedagógica estratégica do Cruzeiro, instituição sem fins lucrativos com 163 anos de história, a transformação da educação em negócio trouxe a necessidade de chamar a atenção para atrair mais matrículas. “Reduzir a educação a números é negligenciar o que não cabe em gráficos: o amadurecimento crítico, o respeito à diversidade, o senso de responsabilidade social e a construção de vínculos com o saber e com o outro”, ressalta, acrescentando que o “coaching para testes” empobrece a vivência escolar e restringe a tarefa de educar a um aspecto instrumental. O São Bento segue a mesma linha. “Queremos ver os alunos bem formados academicamente, mas, acima de tudo, sendo pessoas éticas, curiosas, criativas e socialmente responsáveis”, arremata a supervisora pedagógica Maria Elisa Penna Firme Pedrosa. Tássia Cruz, da FGV, destaca que a chegada ao ensino superior de estudantes com lacunas relacionadas às capacidades críticas e sociais, necessárias para viver em sociedade, acaba pondo um peso sobre as universidades, que precisam suprir essas deficiências para uma formação mais ampla. É um debate dos bons, daqueles que valem a pena encarar em prol do bom ensino.
1 000, nota 1 000: Os segredos para uma boa nota de redação

Se a prova do Enem é um desafio para quem busca uma vaga no ensino superior, a redação precisa ser encarada pelos concorrentes com cuidado redobrado. Equivalente a um quinto da nota final, a dissertação vai muito além do que se imagina ser “escrever bem” e continua derrubando muita gente. Em 2024, seguindo o tema “Desafios para a valorização da herança africana no Brasil”, apenas doze textos em todo o território nacional foram avaliados como perfeitos pela banca, gabaritando as cinco competências previstas na cartilha de correção. Dois deles foram assinados por estudantes do estado do Rio. “Sempre li muito e adquiri um bom repertório. Mas, querendo ou não, é preciso aprender a técnica”, reconhece Amanda Chagas, de 21 anos, que, após se formar no Colégio de Aplicação da UFRJ, em 2021, e não conseguir a pontuação necessária para cursar medicina na instituição federal, fez cursinho no AZ e, três anos depois, não só passou como foi uma das que tiraram nota máxima na redação. “Nos anos anteriores, tirei 920, 900 e 880. Como fui decaindo, entendi que precisava focar nessa parte da prova”, relembra a hoje universitária, que se baseou no livro Torto Arado, de Itamar Vieira Junior, para desenvolver seu raciocínio nota 1 000, da introdução à conclusão. Parte do Grupo SEB, o Colégio e Curso AZ, que foi fundado em 2006 como curso e hoje conta com cinco unidades, em Botafogo, Recreio, Barra e duas na Tijuca, contabiliza 946 aprovações nos principais vestibulares do país no último ano, tendo 74 alunos nas três primeiras colocações.